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O que é e como funciona o ‘QG Antifake News’ de Alexandre de Moraes no TSE

Foto: Luiz Roberto/TSE

O ministro Alexandre de Moraes na inauguração do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia 19 de abril de 2024 | 21:31

Nas decisões e ofícios do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) tirando do ar perfis na rede social X (antigo Twitter), uma sigla se repete dezenas de vezes: AEED. São as iniciais da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, um grupo responsável por monitorar as redes sociais para identificar casos do que o ministro Alexandre de Moraes entende ser discursos de ódio, desinformação e ataques ao sistema eleitoral. As decisões e ofícios, antes sigilosas, foram vazadas nesta quarta-feira (17) por um grupo de congressistas republicanos dos Estados Unidos.

Juristas consultados pela reportagem divergem: uns criticam o fato de um órgão subordinado a Moraes realizar apurações que embasam decisões do próprio ministro. Outros dizem que o chamado poder de polícia da Justiça Eleitoral permite tal arranjo.

A AEED foi criada ainda em fevereiro de 2022, durante o mandato do ministro Edson Fachin, do STF, como presidente do TSE. O grupo é composto por oito servidores e funciona em uma sala no 9º andar da sede do TSE, em Brasília. É um desdobramento de uma iniciativa anterior, o Programa de Enfrentamento à Desinformação da Justiça Eleitoral, lançado em agosto de 2019 e tornado permanente dois anos depois, em agosto de 2021, com a assinatura do ministro Luís Roberto Barroso.

No dia 12 de março deste ano, Moraes inaugurou o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde) – na realidade, trata-se de uma rede que reúne a AEED aos 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) em todo o país, com comunicação em tempo real, para “garantir que as fake news e a utilização irregular da IA (…) possam ser combatidas nas Eleições Municipais de 2024″, segundo o tribunal.

A rede foi inaugurada com uma cerimônia no TSE comandada por Alexandre de Moraes. Google, Meta (dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp) e TikTok e X mandaram representantes. Além de trabalhar com os TREs, o Centro também colabora com o Ministério Público Federal, a Anatel, o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O chefe da AEED é também o coordenador do CIEDDE.

Para monitorar as redes, a AEED mantém parcerias com 162 empresas de tecnologia, partidos políticos, sindicatos, e outros órgãos públicos. Participam as empresas Microsoft, Google, Facebook, WhatsApp, Kwai, Twitch, Telegram e até o X (representado no Brasil pela empresa Twitter Brasil Rede de Informação Ltda). Entre as agências de checagem participam a Aos Fatos e a Agência Lupa, além do site Boatos.org. Há ainda acordos com empresas de comunicação, como o grupo Globo e a Agência France-Presse (AFP).

De ONGs, as principais são a Redes Cordiais, a AVAAZ e o Instituto Igarapé, além do Instituto Vero, ligado ao influenciador digital Felipe Neto. Empresas de monitoramento de redes sociais como Novelo Data, Palver e V-Tracker também possuem parcerias com a AEED. Todas essas parcerias são voluntárias, e sem custos para o tribunal.

De início, na gestão de Fachin, a AEED era comandada por um servidor de carreira do TSE com um interesse na pesquisa acadêmica sobre desinformação e eleições, chamado Frederico Franco Alvim. Quando Alexandre de Moraes assume a presidência do TSE, em agosto de 2022, ele muda o perfil da chefia da AEED ao escalar o delegado da Polícia Federal José Fernando Moraes Chuy. Alvim continua trabalhando o tema da desinformação nas redes sociais, mas hoje atua no gabinete de Moraes no Supremo Tribunal Federal. Procurado pela reportagem, Alvim preferiu não comentar. A reportagem não conseguiu contato com Chuy.

Delegado da PF desde 2006, Chuy comandou a Coordenação de Enfrentamento ao Terrorismo da PF de abril a setembro de 2021. Acabou apeado do posto pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), depois de criticar em audiência pública na Câmara dos Deputados um projeto de lei do então líder do governo, o deputado Major Vitor Hugo (PL-GO). O projeto pretendia criar uma Política Nacional Contraterrorista, mas, segundo Chuy, a proposta de Vitor Hugo trazia “tipificações muito abertas”, que iam na contramão da tendência internacional e não permitiam diferenciar com clareza o terrorismo de outros crimes.

O delegado é autor de uma dissertação de mestrado intitulada “As redes sociais e a promoção de organizações terroristas: a resposta contraterrorista brasileira”, apresentada em 2018 ao Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI) de Lisboa, Portugal. Na dissertação, Chuy traça um panorama da legislação brasileira sobre o tema e explora o uso da internet por terroristas islâmicos – um dos capítulos trata da Operação Hashtag, de 2016, quando foram presas 14 pessoas acusadas de pertencer a uma suposta célula do Estado Islâmico no Brasil. Mais tarde, em 2017, oito deles foram condenados. Outro capítulo da dissertação é intitulado “O Novo Terrorismo, a Quinta Onda Terrorista e o Cibercalifado”.

Para o advogado especialista em liberdade de expressão André Marsiglia, “não é adequado” que o órgão responsável por monitorar as redes esteja sob o comando da mesma pessoa responsável por julgar a retirada dos perfis do ar – no caso, o ministro Alexandre de Moraes. “Eu entendo que esse órgão tem uma função fiscalizadora. Não me parece adequado, do ponto de vista democrático, que ele fique dentro do mesmo guarda-chuva da pessoa que julga os casos”, diz ele.

“A entidade que apura precisa estar distante daquela que julga. É por isso que o Ministério Público está de um lado, e o Judiciário do outro. Entendo que o melhor seria que o órgão (AEED) estivesse fora do guarda-chuva da pessoa responsável por julgar (a retirada de conteúdos do ar), diz André Marsiglia.

Já o especialista em direito eleitoral e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo Fernando Neisser diz que a Justiça Eleitoral tem poder de polícia – ou seja, não precisa ser provocada para agir. Poder de polícia é “justamente a capacidade de executar uma decisão no âmbito administrativo (e não em um processo judicial), sem a necessidade de ser provocada por ninguém. Sempre foi assim, desde os anos 1960. Se o juiz eleitoral está indo trabalhar e vê um outdoor irregular, ele pode mandar remover, sem esperar o Ministério Público ou o candidato adversário”, diz Neisser. “Essa crítica faria sentido se fosse um processo judicial, mas não é disso que se trata”, afirma ele.

Procurado, o TSE enviou à reportagem uma nota detalhando algumas informações acerca da AEED. Segundo o TSE, a unidade “é responsável por coordenar as ações promovidas para conter o impacto negativo das notícias falsas sobre as urnas eletrônicas, o processo eleitoral e os integrantes da Justiça Eleitoral”.

“Atualmente, o PPED conta com mais de 150 parcerias formalizadas por meio de acordos com plataformas de mídias sociais, agências especializadas em checagem de fatos, partidos políticos, entidades privadas e instituições públicas. Todos os acordos de colaboração mútua foram celebrados por meio de memorandos de entendimento e não há nenhuma transferência de recursos financeiros”, disse o tribunal.

André Shalders/Estadão

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