InícioNotíciasPolíticaOportunidades perdidas (por André Gustavo Stumpf)

Oportunidades perdidas (por André Gustavo Stumpf)

O homem é o homem mais suas circunstâncias, de acordo com Ortega y Gasset, pensador espanhol. As instituições também são confrontadas por suas circunstâncias. O Partido dos Trabalhadores, criado em São Paulo, nos anos oitenta do século passado, por líderes metalúrgicos com apoio explícito de uma ala da igreja católica, sempre se distinguiu por assumir uma postura de esquerda, mas conviver bem com empresários. Afinal trabalhadores e patrões precisam conversar e negociar, mesmo que seja sob pressão de greves. O PT tentou fugir do antigo modelo getulista de aderir ao governo e dizer amém ao presidente.

Mas sua trajetória foi marcada por erros, que se inscreveram para sempre na sua história. O comando expulsou os deputados que assinaram a Constituição de 1988, considerada demasiadamente burguesa. O partido virou as costas para o símbolo maior da redemocratização do país. Depois, decidiu não aderir ao Plano Real, reduzido, segundo seus exegetas, a mero expediente para influir nas eleições presidenciais. Na realidade, foi este plano econômico que liquidou a hiperinflação no país. Os jovens não sabem o que é hiperinflação, fenômeno que obrigava o consumidor a gastar seu salário quando o recebia. Os preços aumentavam todos os dias.

É do conhecimento daqueles que acompanham a política brasileira que as lideranças do PT não gostam de cumprir acordos. Quando está em posição hegemônica, o partido costuma avançar sobre outras legendas, sem hesitações. Mas em termos de política externa, recentemente, anunciou aproximação com o Partido Comunista Chinês, o que parecia ser uma abertura para que o Brasil caminhasse para um capitalismo controlado, que deu resultados extremamente positivos no Império do Meio. Mas os petistas têm seus limites e seus paradoxos. Acabam de declarar apoio ao presidente Nicolas Maduro, que venceu as eleições na Venezuela através de um golpe anunciado. Fraude por todos os lados. Prisões de mais de mil pessoas, desaparecimento de líderes e falsificação de documentos eleitorais. Na revolta popular já morreram mais de vinte pessoas.

Mas o PT vai a público para avalizar que o pleito foi legítimo, ocorrido em ambiente de liberdade. Maduro, segundo o Partido dos Trabalhadores, é o presidente de uma Venezuela democrática. A declaração está de acordo com os pontos de vista dos governos da China, Rússia, Cuba, Irã e Coréia do Norte. O governo de Caracas rompeu relações com a Argentina e com o Peru, além de retirar embaixadores de outros cinco países latino-americanos. A Embaixada do Brasil passou a representar os negócios argentinos e peruanos na Venezuela. A política externa dá muitas voltas e coloca antagônicos, no caso Brasil e Argentina, no mesmo lado. Os norte-americanos reconheceram a vitória do opositor Edmundo González Urrutia.

O presidente Lula tentou não favorecer, nem prejudicar, o homem forte da Venezuela, que é apoiado de maneira ostensiva pelos chefes militares. Maduro não tem ideologia, nem chega a ser um líder da esquerda latino-americana. Ele é apenas mais um ditador, que faz manobras pequenas, rasas, para se manter no poder. Ação semelhante faz Daniel Ortega, na Nicaragua, que foi de esquerda, assumiu o governo com discurso inflamado e se mantem no poder prendendo opositores. É uma esquerda retórica. Só existe nos discursos e nas declarações oficiais. Na prática, são simples ditaduras.

É a tragédia da esquerda na América Latina. Vive ainda no tempo em que Che Guevara tentava fazer a revolução nas selvas da Bolívia. Muitas águas passaram debaixo das pontes da história. O muro de Berlim caiu, a União Soviética desapareceu, a China inventou o capitalismo comunista, mas as esquerdas nacionais continuam a repetir velhos slogans. São incapazes de olhar para o horizonte sem os antolhos da ideologia. É uma perda de tempo e de oportunidades sem tamanho.

O presidente Lula sabe que seu governo não dispõe de recursos financeiros necessários para promover o desenvolvimento. Mas não recorre a privatizações de empresas, nem promove ações que permitam estrangeiros fazer investimentos no Brasil. Ao contrário, prefere ampliar o poder do Estado, bem ao estilo dos falecidos governos comunistas do leste europeu. As oportunidades passam e o país perde chances importantes.

A pobre Guiana, antiga Guiana inglesa, não se prendeu a discussões estéreis. Começou a explorar petróleo na sua Margem Equatorial. Agora é o país que tem o maior crescimento de seu produto interno bruto, cerca de 33,9% neste ano. Esta maravilha se localiza na fronteira norte. Mas o governo discute se pode ou não explorar petróleo naquela região. Esquece que o negócio resgataria a população de sua pobreza secular e do esquecimento a que foi relegada pelo poder central desde que inventaram o Brasil.

André Gustavo Stumpf, jornalista ([email protected])

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