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Os sem-discurso (por Gaudêncio Torquato)

Por todas as regiões do país, ao lado dos Sem-Emprego, Sem-Terra, Sem-Teto, Sem-Escola, Sem-Segurança, Sem-Esperança, cresce a categoria dos Sem-Discurso.

Trata-se do contingente de candidatos que tentarão mostrar aos eleitores, nas eleições de outubro, uma boca cheia de intenções, um bolso cheio de dinheiro e uma cabeça sem ideias. Geralmente, os Sem-Discurso são pessoas ricas, administram interesses próprios e de grupos e são puxados por siglas para financiarem as campanhas. São inexperientes em política e acreditam que o poder do dinheiro é capaz de operar milagres e colocá-los no pedestal mais alto.

Não há exceção. Regra geral, os municípios são o habitat dos Sem-Discurso, até porque eles se multiplicam na esteira da sociedade pós-industrial, com seus eixos na desideologização, despolitização, arrefecimento das bases eleitorais, pasteurização de partidos, individualização, com ênfase nas identidades pessoais. Nas últimas décadas, as doutrinas feneceram, as utopias são esquecidas e as tecnocracias se expandiram. A administração dos interesses monetários substituiu o governo dos programas temáticos.

Os Sem-Discurso constituem a graxa de uma era de cor cinza, onde a densidade ideológica da competição política é praticamente nula. Ou sem distinção no arco doutrinário.

Por uma dessas situações de nossa cultura, os Sem-Discurso se fazem presentes em todas as esferas do poder e, até, no Senado. Basta ver o número de senadores que ali chegam em função do afastamento de titulares, guindados a governos de Estados, a cargos políticos nos ministérios. Dos 81 senadores, a maioria está no Parlamento sem obter votação, a não ser aquela herdada pelo titular eleito.

No Senado, a divisão entre senadores de primeira e segunda classes é mais expressiva que a distinção entre o alto e o baixo cleros na Câmara. Muitos ex-governadores se sentam ao lado de figuras inexpressivas no campo da política e da administração pública.  Esfacela-se, assim, a imagem de grandeza do Senado, que, desde o Império Romano, é, por excelência, a casa que abriga as referências de maior respeito de uma Nação. Por isso, justifica-se o projeto de lei, há tempos engavetado, que redefine critérios para a eleição de suplentes. Ante a vaga do titular afastado por que não levar para ela o deputado federal mais votado no Estado?

Enquanto isso não ocorre, buscam-se nas regiões figuraças Sem-Discurso, porém Com-Recursos, para azeitar as campanhas, principalmente os pleitos majoritários de prefeito, governador e senador. Imagine-se o vasto espaço para o oba-oba, reuniões sociais e empresariais, encontros que buscam engajamento e solidariedade em torno de candidatos que mal sabem recitar as funções de um prefeito, deputado ou senador. Que ninguém se iluda. Na campanha, que deve se acirrar a partir de agosto, nomes, propostas, projetos, experiências e atitudes deverão receber o olho crítico do eleitorado. Que tem expandido seus índices de conscientização política.

Se os candidatos ainda Sem-Discurso quiserem um conselho, aí vai: procurem um discurso substantivo, componham sua identidade, estabeleçam seu diferencial. Abandonem a linguagem tatibitate, patética e extravagante.

Para candidatos a vereador, é útil lembrar a mudança no mapa cognitivo do eleitorado: a micropolítica (questões regionais) ganha mais pontos que a macropolítica (temas generalistas e difusos). Devemos assistir a uma polarização nunca vista: de um lado, os radicais de direita, de outro, as esquerdas e, ao centro, os eleitores que espiam os dois lados, à procura de alguém sem o manto da polarização ideológica.

E atenção, bem fornidos de bolso: dinheiro, sozinho, não ganha campanha. Outra lembrancinha: inexiste sorte em política. A ponte mais sólida para chegar ao eleitor se faz, ainda, com a argamassa do discurso. Construa essa ponte. É claro que há bolsões que ainda reagem à moda antiga, exigindo recompensas. Nesse caso, os Sem-Discurso concorrerão com caciques que sempre levam a melhor, porque contam com o voto de cabresto. Porém….! (ver pé de página).

A intuição cede lugar ao planejamento. Aquilo que um candidato acha que pode expressar carece passar, previamente, pelo pré-teste da aferição popular. E quem quiser chegar mais perto dos números finais de campanha, que se lembre da aritmética eleitoral: cerca de 20% dos votos esperados costumam desaparecer. Viram pó. Parte dos eleitores gosta de tomar decisões na última hora. Analisará as promessas, afastando de seu processo decisório o blábláblá mirabolante.

Todo cuidado é pouco para quem gosta de fazer campanha à base de meros refrões publicitários. Fraseados e palavras bonitas, quando artificiais, não entram na cachola do eleitor. E, não raro, como um bumerangue, voltam-se contra o próprio candidato. P.S. Pergunta de pé de página: Lula e Bolsonaro poderão alavancar seus candidatos? Em termos. Em um outro caso, sim, mas ambos não carregam a força que tinham antes. Decresce a influência dos medalhões e populistas, mesmo que continuem a arregimentar multidões.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

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