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Rússia e Coreia do Norte: a aliança que pode mudar a guerra no leste europeu

Desde o século passado, nenhum evento geopolítico no mundo é isolado de um contexto maior e de antagonistas ideológicos, que com suas esferas de influência, comandam cada um frações de nosso planeta. No período pós segunda guerra mundial, quando a península coreana foi dividida por zonas de ocupação, já se estabeleceria no extremo oriente a mesma divisão ideológica que permearia os conflitos mundiais pelos próximos 70 anos. O norte instruído em uma doutrina marxista-leninista e com todo o apoio dos soviéticos durante a ocupação, fundou uma nação aos mesmos moldes que a União Soviética, enquanto o Sul, com ocupação americana trilharia um caminho voltado ao capitalismo de mercado, mas ainda longe de uma democracia liberal.

Quando os soldados americanos deixam a Coreia do Sul em 1949, o líder fundador da Coreia do Norte, Kim Il-Sung requereu uma autorização a Stalin para invadir o país ao sul e reunificar à força a península coreana. Inicialmente contrariado, mas eventualmente cedendo, Stalin deu o apoio necessário aos norte-coreanos em sua invasão, que de fato colocou os sul-coreanos de joelhos por um bom tempo até a intervenção dos Estados Unidos e das Nações Unidas para reverter as perdas territoriais. A guerra teria um armistício selado em 1953, uma zona desmilitarizada estabelecida e se tornaria um conflito congelado pelas próximas 7 décadas. Mesmo não alcançando a vitória sonhada, desde aquele momento a aliança entre russos e norte-coreanos tinha seu caminho iniciado, e muitas décadas mais tarde voltaria a ser estudada em profundidade.

Em fevereiro de 2022 acontece a invasão total da Ucrânia pela Rússia e uma guerra que parecia estar sob controle para o exército de Moscou para uma vitória rápida e mudança no governo de Kiev. Todavia, acabou se tornando um conflito longo, envolvendo indiretamente mais nações e tendo um enorme peso em perdas econômicas e principalmente humanas para ambos os lados. O exército da Rússia sempre foi considerado um dos melhores do planeta, rivalizando com os americanos em muitos aspectos, principalmente na quantidade de ogivas nucleares que possuem (cerca de 5 mil cada um), além de um grande efetivo militar com quase 1 milhão de homens na ativa.

A superioridade de Moscou era tratada como um dos grandes complicadores para uma vitória ucraniana e de fato fez com que parte expressiva do território do país vizinho fosse ocupado e anexado. Olhando por esse ponto de vista pensamos que para os russos tudo deu muito certo, mas esses 18% de terras ucranianas dominadas por eles atualmente, vieram através de um enorme custo para o segundo mais poderoso exército da Terra. A guerra militar acontece ao lado da guerra de narrativas, e por isso, números precisos sobre baixas militares em ambos os lados, além de mortes de civis e perda de equipamentos, são muitas vezes dúbios. De qualquer maneira, muitos institutos que estudam guerras pelo mundo afora chegaram no consenso de que pelo menos 200 mil homens do exército russo padeceram na Ucrânia, enquanto milhares de tanques e outros blindados foram completamente destruídos. A morte rápida de muitos jovens e a perda de ativos bélicos importantes para conquistar cidades muitas vezes pouco relevantes, fez com que a Rússia precisasse recorrer a velhos amigos para suprir aquilo que lhe falta nesse momento.

Desde o primeiro ano da guerra já foi confirmado por militares ucranianos que drones suicidas iranianos estavam sendo usados pelos russos para destruir a infraestrutura energética do país, o que já mostra o envolvimento muito claro do Irã no conflito, algo negado por Teerã até os dias de hoje. Mas não apenas com drones que se faz uma vitória militar completa em um dos maiores países europeus. Por isso mesmo, que o Kremlin precisou recorrer a outro velho conhecido, alguém igualmente isolado e sancionado como o Irã, mas muito mais próximo ideologicamente de Moscou, alguém com uma gratidão histórica pelo apoio soviético na manutenção de seu país como a ditadura mais fechada do mundo por 71 anos: a Coreia do Norte.

Em 2023 já foram muitas as acusações dos órgãos de inteligência britânico, americano e ucraniano que armamentos cedidos ou vendidos pela Coreia do Norte à Rússia, estariam sendo usados no Donbas e em outras regiões da Ucrânia. A viagem de Kim Jong Un à Rússia em setembro de 2023 e a ida de Putin a Pyongyang em junho de 2024, apenas evidenciaram que algo de muito importante para o leste europeu estava sendo tramado no leste asiático. Para não deixar dúvidas sobre essa aliança, o parlamento russo ratificou em 2024 a cooperação militar do país com a Coreia do Norte, em um movimento que amplia ainda mais as obrigações de defesa de um para com o outro no caso de um ataque.

A Coreia do Norte com seus estoques de armas e munições abundantes e seu exército com mais de 1.3 milhão de pessoas na ativa, se mostra o mais óbvio dos aliados da Rússia para ajudar em sua guerra na Ucrânia, já que possui tudo que os russos precisam e ao contrário da China, não tem medo de sanções ou indisposições com o Ocidente, já que isso é realidade para Pyongyang desde 1953. Nessa semana tanto Kiev quanto Washington afirmam ter evidências substanciais para acreditar que tropas norte-coreanas estejam na região russa de Kursk passando por treinamentos militares e se preparando para combater no Donbas. Informantes mais precisos calculam que pelo menos 10 mil tropas, além de 500 oficiais e 3 generais estariam já no ocidente da Rússia em constante trabalho conjunto com o exército de Moscou para os próximos passos.

Além dos soldados, armamentos, munições, equipamentos para o inverno e mantimentos também foram trazidos pelos norte-coreanos que agora podem dar a Putin, o que lhe faltava durante os últimos meses, uma reserva em recursos bélicos e recursos humanos. Muitos acreditam, todavia, que tal manobra pode mais representar uma jogada simbólica do que ter algum resultado efetivo no campo de batalha. Os norte-coreanos, apesar do treinamento militar intenso em seu país, treinam e combatem de uma maneira presa às táticas de guerra do século XX, além de ter uma compreensão limitada de manuseio de um arsenal muito mais modernas e do contexto de uma guerra híbrida como acontece na Ucrânia. Fora esses aspectos, a falta de prática em combates e as barreiras linguísticas seriam mais um grande entrave para essa relação dar certo no fronte, com muitos especialistas militares dizendo que os norte-coreanos em algumas circunstâncias poderiam mais atrapalhar do que ajudar os experientes soldados russos. 

Seja qual for o desfecho dessa presença norte-coreana na Ucrânia, o potencial de escalada do conflito para outras regiões aumentou bastante. A então pacata Coreia do Sul, já avisou eu caso seja confirmada a presença norte-coreana no leste europeu, que estariam dispostos ajudar Kiev substancialmente. A história desse início de século XXI tem sido uma reprise sórdida de capítulos traumáticos e trágicos do século XX, e aquilo que podemos concluir por hora, é que nesse novo cenário os realinhamentos geopolíticos apenas trazem preocupação para o próximo inverno.

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