Como o ex-presidente Jair Bolsonaro rebateu até aqui a acusação de que tramava um golpe para anular os resultados das eleições de outubro de 2022, barrar a posse de Lula e continuar no poder?
Dizia que golpe não se dá com minuta, mas com tropas nas ruas e apoio civil. Jamais assinatura de minuta alguma. E que a cópia de uma minuta encontrada no seu escritório do PL foi só para que ele a lesse.
Também dizia que sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição, que é um democrata, e que nunca passou por sua cabeça dar um golpe. Quem dissesse o contrário era um mentiroso.
O tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante-de-ordem, disse à Polícia Federal que Bolsonaro planejou o golpe e que conversou a respeito com os comandantes das Forças Armadas à época.
Bolsonaro empenhou-se em desacreditar a delação feita por Mauro Cid, mas com a preocupação de não bater de frente com ele. Alimentava a esperança de que Mauro Cid voltasse atrás.
De resto, na hipótese de que ele não voltasse atrás, seria sua palavra contra a dele, apesar das fortes provas recolhidas pela Polícia Federal de que Mauro Cid falou a verdade, e que Bolsonaro mentia.
A revelação, ontem, da íntegra do depoimento do general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, prestado à Polícia Federal, deixou Bolsonaro pendurado na broxa. Ou melhor: pendurado em nada.
O general confirmou o que Mauro Cid contou, acrescentou detalhes, e culpou diretamente Bolsonaro por tudo que poderia ter acontecido no país, caso o golpe tivesse dado certo.
Segundo Freire Gomes, foi o próprio Bolsonaro quem apresentou duas vezes aos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica uma espécie de cardápio do golpe, com vários pratos.
Primeiro prato: golpe via decretação de uma GLO, Operação de Garantia da Lei e da Ordem que permite ao presidente da República valer-se das Forças Armadas para que exerçam o papel de polícia.
Segundo prato: golpe dia a decretação do Estado de Defesa, “instrumento que o presidente da República pode utilizar, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas”.
Terceiro prato: golpe via a decretação do Estado de Sítio, “instrumento que pode ser utilizado pelo presidente da República, nos casos de: comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o Estado de Defesa”.
Gomes Freire conta que ele e o comandante da Aeronáutica recusaram-se a comer qualquer dos pratos que Bolsonaro lhes ofereceu, mas que o comandante da Marinha concordou em comer.
A terceira reunião sobre o golpe já não contou com a presença de Bolsonaro. Quem a presidiu foi o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa, que insistiu com a ideia do golpe.
Uma coisa é Bolsonaro dizer que não há minuta de golpe assinada por ele, e que nunca ouvira falar em minutas até que uma lhe caísse nas mãos, sem que ele lembre quem a entregou.
Outra é Gomes Freire dizer, o que também disse à Polícia Federal o ex-comandante da Aeronáutica, que por duas vezes, pessoalmente, Bolsonaro apresentou-lhes minutas de golpe e as discutiu com eles.
No entorno de Bolsonaro, segundo Bela Megale, colunista do Globo, o depoimento de Freire Gomes está sendo considerado até agora “o relato mais grave” sobre a participação do ex-presidente no episódio.
Não se deve subestimar Bolsonaro, porém. Ele adora atirar no seu pé. Quando se pensa que já atirou o suficiente, vem à luz um novo disparo. Bolsonarista é assim e sempre será.
Gravam-se marchando, venerando pneus, depredando prédios públicos, e postam os vídeos nas redes sociais como provas dos crimes que cometeram.