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Tradição: conheça histórias de baianas que comandam o tabuleiro há mais de meio século

“O que é que a baiana tem?”, perguntou Dorival Caymmi em sua música. Dona Anelita sabe muito bem. Com 81 anos de idade, sendo 61 deles trabalhando em um tabuleiro no Porto da Barra, conhece os predicados de uma boa baiana de acarajé: “Tem que trabalhar com alegria, carinho e ter muita garra”. Pode-se até dizer que o talento está no DNA. Baiana de acarajé, Dona Anelita é mãe de outra baiana de acarajé e em sua família mais de 25 mulheres desempenham a função. 

O Dia Nacional da Baiana de Acarajé acontece nesta sexta-feira (25) como homenagem à importância histórica e cultural da figura da baiana, nome dado às mulheres que se dedicam à produção e venda da iguaria típica do estado. São mais de oito mil baianas do acarajé na Bahia e, dessas, ao menos 1.150 atuam em Salvador, informa a presidente da Associação Nacional das Baianas de Acarajé (Abam), Rita Santos.

“Tudo começou na Bahia, Rio de Janeiro e Recife, mas só quem manteve a tradição foi a Bahia. Aqui a cultura é bem forte, hoje tem baiana em todos estados, mas a fortaleza é o estado da Bahia. Não existe Bahia sem baiana do acarajé, não existe Brasil sem baiana porque quando a gente vai para outro país e nos veem de baiana falam logo ‘Brasil’. Fui para Tunísia e, vestida de baiana, identificaram o Brasil. Na Itália, Colômbia também”, conta Rita. 

A atividade de produção e venda é protagonizada por mulheres negras, geralmente, com indumentárias tradicionais dos terreiros de candomblé, a exemplo de turbantes, colares e pulseiras coloridas. É comum encontrar tabuleiros nas principais praças, feiras e praias de Salvador, assim como em festas de largo. 

Embora seja um ofício centenário, a memória da preparação do acarajé está preservada, assegura Dona Anelita. Segundo ela, que foi a primeira baiana a se estabelecer no Porto da Barra, ao longo dos anos apenas um fator mudou: o preço dos acarajés. “As coisas estão caríssimas, feijão, azeite, camarão”, reclama. Apesar do desafio, ela diz que ser baiana é o que mais ama fazer. 

Além do valor cultural, o ofício tem importância individual para cada baiana. Dona Norma tem 65 anos de tabuleiro e 85 de idade. Ao todo, tem 12 filhos e trabalha ao lado de três filhas e uma neta em um ponto no Largo Terreiro de Jesus. Para manter as contas de casa, fez do acarajé a principal fonte de renda. 

“Relutei para vender acarajé, antes vendi churrasco, amendoim, mingau, trabalhei de fazer cabelo, mas as coisas não estavam dando certo, aí parti pro acarajé”, relembra. “Criei meus filhos quase sozinha”. Além de sustentar a casa com a renda que o acarajé dava, hoje, como resultado do trabalho, Norma conquistou um dos grandes sonhos, comprar a casa própria.

Já para Dona Jaciara, com 68 anos de vida e 60 de tabuleiro – pois começou a cozinhar desde criança – ser baiana se liga com outro ponto de destaque no Brasil, o sincretismo religioso. Jaciara aprendeu o ofício com a avó, que era do candomblé, e ensinou às filhas, que hoje são missionárias católicas. 

Ela conta que ficou doente quando tinha apenas sete anos e a avó iniciou ela em cerimônia de feitura de santo. Foi a partir daí que aprendeu o ofício, conta. Jaciara cresceu e ensinou para as duas filhas, que hoje são cristãs e fazem acarajé quando tem algum evento – até mesmo religioso.

“Pretendo continuar até o dia que Deus quiser. Nós baianas somos o cartão postal da Bahia”, comemora a baiana Jaciara. 

Jaciara aprendeu a fazer acarajé com apenas sete anos de idade. Foto: Arisson Marinho / CORREIO

A tradição das baianas do acarajé vem das escravas libertas. Não por acaso, a relação com religiosidade começou com o acarajé sendo oferenda para Iansã nos terreiros e, com o passar do tempo, a iguaria passou a ser negociada com valor comercial. 

Na sexta (25), o Dia Nacional da Baiana de Acarajé terá comemoração pela vida, liberdade e cultura. As baianas se encontrarão no Memorial das Baianas de Acarajé às 12h e, após almoço, as portas estarão abertas ao público. O memorial é um espaço dedicado à história e à tradição do ofício das mulheres que comercializam a comida típica da Bahia, feita com massa de feijão-fradinho e que leva pimenta, camarão seco, vatapá, caruru e salada.
 

Revalidação do ofício vai sair em 7 de dezembro

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) anunciou que a revalidação do título de patrimônio imaterial para as baianas do acarajé acontecerá em 7 de dezembro de 2023. As baianas receberam o reconhecimento em 2005, mas o certificado está sem renovação desde 2015. Segundo o instituto, a demora para debater a revalidação do título se deve à ampliação da abrangência do bem cultural, que foi registrado inicialmente em Salvador (BA). 

“Por conta da abrangência geográfica do bem cultural, foi necessária a realização de outros estudos e a produção de documentação complementar para subsidiar a revalidação do título”, informou por nota o Iphan. 

As baianas também foram reconhecidas pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), em 2012. Contudo, também sem renovação desde 2017. Neste caso, a previsão para revalidação deve acontecer só no próximo ano, afirma o Diretor de Preservação de Patrimônio Cultural, Roberto Pellegrino, do Ipac. 

“Por uma questão de antiguidade do reconhecimento oficial, começamos com a Festa de Santa Bárbara, Festa da Boa Morte e Carnaval de Maragojipe [na regulação de protocolos]. O Ofício das Baianas de Acarajé já está sendo reavaliado para sua posterior revalidação”, afirma Pellegrino. 

Para as baianas, a falta do documento põe em risco a viabilidade de políticas públicas para a tradição regional. Já com a revalidação, é esperada mais atenção do poder público. A classe acredita que com o reconhecimento terá mais segurança, infraestrutura, assim como novos materiais para continuar a prática secular que tem um cantinho especial no coração, sobretudo, dos baianos. 

“A minha história é meu tabuleiro. Fico brava quando não venho por aqui. É uma briga com meus filhos. Não querem que eu venha, mas eu venho e vou continuar vindo”, declara Dona Julia, 69, que soma três décadas como baiana na ladeira do Pelourinho.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro

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