Os dados do Instituto Fogo Cruzado mostram uma realidade difícil para a população da Bahia. No segundo semestre de 2022, 663 pessoas foram baleadas em Salvador e região metropolitana. Entre as vítimas, 499 pessoas foram mortas e 164 pessoas ficaram feridas. A taxa de mortalidade é alta: a cada quatro pessoas atingidas por arma de fogo, três morrem. Os números estão no relatório anual do Instituto, ao qual o CORREIO teve acesso com exclusividade nesta segunda-feira (30), que para esta edição apresenta o balanço dos primeiros seis meses de atuação no estado.
Salvador e região metropolitana têm, juntos, uma média de 83 mortos a tiros por mês – quase três pessoas mortas a cada 24 horas. A alta letalidade no estado é vista de perto por quem convive com a violência. A chacina do Cabula, ocorrida em 2015, ainda é lembrada por moradores de Salvador. “O que aconteceu na Vila Moisés assustou porque as 12 vítimas eram muito jovens, com idade entre 16 e 28 anos, todas mortas em posições que, segundo laudos, indicaram execução. Infelizmente, não foi o último caso. Registramos em média duas chacinas policiais por mês. Os dados do Fogo Cruzado são fundamentais porque servem de insumo para que a população pressione as autoridades por políticas públicas específicas, que garantam direitos como dignidade e segurança”, afirma Tailane Muniz, a coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado na Bahia.
Entre julho e dezembro, houve 18 chacinas em Salvador e região metropolitana – juntos, esses casos deixaram 60 pessoas mortas. Das 18 chacinas, 13 foram durante ações e operações policiais, com 45 mortos. Chacinas, para o Fogo Cruzado , são eventos onde há 3 ou mais mortos civis em uma mesma situação – mesmo que o motivo dos disparos seja outro, como: assalto, ataque, operação etc.
O Fogo Cruzado atua na Bahia em parceria com a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. Os dados também estão disponíveis na API do instituto, onde podem ser consultados de forma aberta e gratuita. O aplicativo do Instituto funciona de forma colaborativa e anônima com registro de dados e informações sobre tiroteios e violência por arma de fogo. Por meio das informações coletadas e de um mapeamento ativo, o Instituto realiza o levantamento e faz a contabilização, especificando as localidades e os recortes dos dados (chacinas, balas perdidas, tiroteios e outros indicadores). O mapeamento pode ser acompanhado diariamente através do aplicativo disponível para Android e iOS ou no Twitter.
Quatro tiroteios a cada 24h
No segundo semestre de 2022, houve 753 tiroteios/disparos de arma de fogo em Salvador e região metropolitana, revela o relatório anual do Instituto Fogo Cruzado. Número indica uma média de quatro tiroteios a cada 24 horas nos últimos seis meses.
Dos tiroteios mapeados, 244 deles se deram durante ações/operações policiais, o que representa 32% dos casos.
Ao todo, 663 pessoas foram baleadas: 499 morreram e 164 ficaram feridas. Em média, foram quatro baleados a cada 24 horas. Considerando somente os baleados durante ações ou operações policiais, foram 172 mortos e 48 feridos – o que representa 34% dos mortos e 29% dos feridos mapeados em toda região metropolitana nos últimos seis meses.
● Número total de tiroteios/disparos de arma de fogo em Salvador e região metropolitana: 753
● Média de tiroteios/disparos de arma de fogo por dia: 4
● Número total de baleados (mortos + feridos): 663
● Número total de mortos: 499
● Número total de feridos: 164
Municípios
Entre os 13 municípios que fazem parte da região metropolitana, Salvador, o mais populoso, foi também o mais afetado pela violência armada e concentrou 74% dos tiroteios, 68% dos mortos e 79% dos feridos acumulados em toda região metropolitana. Os municípios mais afetados pela violência armada foram:
● Salvador: 559 tiroteios, 340 mortos e 130 feridos
● Camaçari: 74 tiroteios, 51 mortos e 8 feridos
● Lauro de Freitas: 34 tiroteios, 20 mortos e 9 feridos
● Simões Filho: 30 tiroteios, 32 mortos e 5 feridos
● Mata de São joão: 13 tiroteios, 13 mortos e 2 feridos
Com base nos dados do Censo de 2010, os negros representam mais de 70% da população residente dos seis bairros mais impactados pela violência armada em Salvador e região metropolitana:
● Fazenda Coutos (Salvador): 27 tiroteios, 6 mortos e 2 feridos – 91% da população negra e 8% branca
● São Cristóvão (Salvador): 20 tiroteios, 21 mortos e 1 ferido – 84% da população negra e 14% branca
● Águas Claras (Salvador): 20 tiroteios, 13 mortos e 2 feridos – 86% da população negra e 12% branca
● Lobato (Salvador): 19 tiroteios, 18 mortos e 3 feridos – 90% da população negra e 9% branca
● Engenho Velho da Federação (Salvador): 17 tiroteios, 12 mortos e 16 feridos – 87% da população negra e 12% branca
● Fazenda Grande do Retiro (Salvador): 17 tiroteios, 17 mortos e 1 ferido -% da população negra e 12% branca
Perfil das vítimas
Gênero
Dos 499 mortos a tiros em Salvador e região metropolitana, 463 eram homens, 33 eram mulheres, um era não binário e dois não tiveram a identidade revelada.
Dos 164 feridos por disparo de arma de fogo, 122 eram homens, 28 eram mulheres e 14 não tiveram a identidade revelada.
Vítimas por faixa etária
Cinco crianças, 20 adolescentes, 630 adultos e oito idosos foram baleados no segundo semestre de 2022: entre as vítimas, uma criança, 14 adolescentes, 478 adultos e seis idosos morreram.
Cor/raça
Entre os 663 baleados em Salvador e região metropolitana no segundo semestre, foi possível identificar a cor/raça de apenas 180 deles (27%). 338 mortos e 145 feridos não tiveram a cor/raça revelada.
Dos 499 mortos, os negros são a maioria dentre os perfis identificados, com 134 mortos, seguido dos brancos, com 27 vítimas.
Entre os 164 feridos, 14 eram negros, quatro eram brancos e um era amarelo. Agentes de segurança
25 agentes de segurança foram baleados em seis meses: nove morreram (um em serviço, quatro fora de serviço, três eram aposentados/exonerados do cargo e um não teve o status de serviço revelado) e 16 ficaram feridos (oito em serviço e oito fora de serviço).
Os policiais militares foram a categoria mais afetada pela violência armada. Dos nove mortos, três eram policiais militares, dois eram militares do Exército, um era da Aeronáutica, um era policial civil, um era agente socioeducativo e um não foi identificado. Dos 16 feridos, todos eram policiais militares.
Trabalhadores informais
Nove motoristas de aplicativo foram baleados: oito deles morreram e um ficou ferido. Oito vendedores ambulantes foram baleados: quatro morreram e quatro ficaram feridos. Sete mototaxistas foram baleados: quatro morreram e três ficaram feridos. Dois entregadores/motoboys foram baleados e morreram.
Oito rifeiros foram mortos a tiros nos seis meses em que o Instituto Fogo Cruzado mapeou Salvador e região metropolitana.
Políticos
Houve dois casos de ataques contra políticos no segundo semestre. Ao todo, um político foi morto a tiros em Salvador e região metropolitana.
Contexto dos casos
Houve 18 chacinas em Salvador e região metropolitana, deixando 60 pessoas mortas. Em 13 dos casos – o que equivale a 72% deles -, as vítimas foram mortas durante ações ou operações policiais, totalizando 45 mortos em chacinas policiais.
Feminicídio
Quatro mulheres foram vítimas de feminicídio por disparo de arma de fogo.
Balas perdidas
21 pessoas foram vítimas de balas perdidas: deste número, oito morreram e 13 ficaram feridas. Entre as vítimas, 12 foram atingidas durante ações ou operações policiais: quatro morreram e oito ficaram feridas.
Considerando a faixa etária das 21 vítimas, duas eram crianças, duas eram adolescentes e quatro eram idosos.
Motivos
Dos 753 tiroteios ocorridos em seis meses em Salvador e região metropolitana, foi possível identificar a motivação em 89% deles.
Os principais motivos dos disparos de arma de fogo na região metropolitana foram: Homicídios/Tentativas de homicídio (363); Ações/Operações policiais (244); Roubos/Tentativas de roubo (107); Disputas (104).
Locais mais impactados
Uma pessoa foi morta a tiros quando estava dentro de shopping.
Oito pessoas foram baleadas quando estavam dentro de transportes públicos: duas morreram e seis ficaram feridas.
17 pessoas foram baleadas quando estavam dentro de bares: 11 morreram e seis ficaram feridas.
13 pessoas foram baleadas enquanto participavam de eventos: oito morreram e cinco ficaram feridas.
Entre as 30 pessoas baleadas dentro de bares ou em eventos, 19 foram baleadas em homicídios/tentativas de homicídio: 14 morreram e cinco sobreviveram.
Residências
37 pessoas foram baleadas quando estavam dentro de casa: 35 morreram (28 homens e sete mulheres) e duas ficaram feridas (um homem e uma mulher).
Das sete mulheres mortas a tiros dentro de casa, três foram vítimas de feminicídio.
Agentes de segurança incluem policiais civis, militares, federais, guardas municipais, agentes penitenciários, bombeiros e militares das forças armadas – na ativa, na reserva e reformados.
“Vítima de bala perdida”: a pessoa que não tinha nenhuma ligação, participação ou influência sobre o evento no qual houve disparo de arma de fogo, sendo, no entanto, atingida por projétil (ISP).
O Fogo Cruzado é um Instituto que usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada, fortalecendo a democracia através da transformação social e da preservação da vida.
Com uma metodologia própria e inovadora, o laboratório de dados da instituição produz mais de 30 indicadores inéditos sobre violência nas regiões metropolitanas do Rio, do Recife e de Salvador.
Através de um aplicativo de celular, o Fogo Cruzado recebe e disponibiliza informações sobre tiroteios, checadas em tempo real, que estão no único banco de dados aberto sobre violência armada da América Latina, que pode ser acessado gratuitamente pela API do Instituto.