São Paulo — Eram pouco mais de 20h30 quando, no dia 17 de dezembro de 2016, o comerciante chinês Chengfeng Lin, de 31 anos, foi morto com tiros na saída de um karaokê no bairro da Liberdade, na região central de São Paulo. O lojista foi mais uma das vítimas do Grupo Bitong, uma ramificação da máfia chinesa na capital paulista.
O Metrópoles mostrou anteriormente que o Grupo Bitong, formado por chineses da província de Fujian, no sudeste do país, é responsável por extorquir e matar comerciantes sinos que atuam com a venda de capinhas de celular, principalmente na região da 25 de Março.
Liu Bitong, apontado como líder do grupo, foi preso na última segunda-feira (16/12) em Pacaraima, cidade de Roraima que faz fronteira com a Venezuela. Com mandado de prisão expedido desde 2017 por outro homicídio, o mafioso chegou a passar um período escondido no país venezuelano, de acordo com informações da Polícia Federal (PF).
Ele é considerado pela Polícia Civil como mandante dos homicídios, e líder do grupo de matadores que pratica extorsão e assassinato contra outros chineses, como Chengfeng.
Morte na saída de karaokê
Os autos da investigação, obtidos pelo Metrópoles, mostram que Chengfeng era comerciante e tinha uma loja de presentes no Brás, também na região central de São Paulo, onde residia há aproximadamente 15 anos antes de ser assassinado. No Brasil, o lojista teve dois filhos.
De acordo com uma testemunha protegida, identificada apenas como “Alpha”, Chengfeng passou a ser ameaçado pelo Grupo Bitong em 2014. Ele era visitado por Bo Lin, membro do grupo considerado violento e perigoso.
“Bo Lin trata-se de pessoa muito agressiva e por diversas vezes agrediu e ameaçou de morte a vítima”, diz trecho do depoimento.
“Alpha” apontou em depoimento que, desde a primeira visita em 2014, até o momento da morte em 2016, Chengfeng fez seis pagamentos no valor de R$ 20 mil ao grupo criminoso, totalizando R$ 120 mil.
Ainda de acordo com a testemunha, Chengfeng teria se recusado a continuar pagando a extorsão. Por isso, ele foi obrigado a fechar sua loja e retornar para a China.
Novas ameaças
Três meses antes de ser morto, o comerciante voltou ao Brasil e abriu uma nova loja na Feira da Madrugada, no Brás. Bo Lin descobriu o novo empreendimento e passou a ir até lá pessoalmente para extorquir a vítima.
De acordo com outra testemunha protegida, identificada como “Beta”, em meados de 2015, Bo Lin e Liu Bitong entraram na loja de Chengfeng e disseram que ele não poderia comercializar capinhas de celular. Caso continuasse a vender, teria que pagar, como forma de “licença para o comércio”. Inicialmente, foi cobrado um valor de R$ 100 mil.
Em data não identificada na investigação, o irmão de Chengfeng, que morava no Brasil à época, foi brutalmente agredido por sete a oito membros do Grupo Bitong. Com medo, o comerciante pagou R$ 50 mil em espécie aos criminosos. Ele levou o dinheiro pessoalmente ao QG da máfia, um apartamento localizado na Avenida Senador Queirós, no centro de São Paulo.
O pagamento não foi o suficiente para livrar a família de Chengfeng. O irmão voltou à China, e ele continuou sendo cobrado dos outros R$ 50 mil. Até que, quando estava saindo de um karaokê na Rua Conselheiro Furtado, também no centro, o lojista deu de cara com os criminosos.
O Grupo Bitong ameaçou sequestrá-lo, mas ele correu em direção à rua. Ainda na calçada, foi atingido por disparos de arma de fogo. Um tiro atingiu a perna de outro homem chinês, residente daquela quadra, e que não tem relação com a associação criminosa. Bo Lin também foi atingido e socorrido à Santa Casa de Misericórdia.
Chengfeng, atingido no tórax, chegou a pedir socorro para familiares na China através do WhatsApp antes de ser socorrido por um casal de brasileiros. O comerciante, no entanto, não resistiu, e morreu após dar entrada no Hospital São Paulo. Suas cinzas foram levadas à China, conforme apontou a testemunha “Alpha”.
“Familiares da vítima estão residindo na China e não retornaram ao Brasil ainda por medo de serem mortos pelos foragidos da Justiça, principalmente Liu Bitong”, disse a testemunha “Alpha” em 9 de maio de 2017.
Nenhuma arma foi encontrada com Chengfeng, o que indica que Bo Lin provavelmente foi atingido por um membro do próprio grupo. Seus ferimentos foram leves e o suspeito logo teve alta.
Investigação, denúncia e julgamento
Um inquérito policial foi aberto em 23 de dezembro de 2016 para investigar a morte do comerciante. As duas testemunhas protegidas ouvidas na investigação confirmaram após análise de fotos que foram membros do Grupo Bitong que cometerem o assassinato.
Além disso, uma análise pericial mostrou que a bala que tirou a vida de Chengfeng, por hemorragia interna aguda, bate com a munição encontrada meses depois na casa de um membro do grupo em Guarujá, no litoral paulista.
Liu Bitong, Bo Lin e Yoangshuai Lui, outro matador da máfia chinesa e dono da arma em questão, foram indiciados por homicídio qualificado e associação criminosa. O Ministério Público ofereceu denúncia e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acatou.
A defesa dos acusados demorou para responder às acusações, ignorando diversas intimações para prestar esclarecimentos. Representado pela Defensoria Pública, Liu Bitong sequer se manifestou.
Bo Lin e Yoangshuai Lui dividem uma dupla de advogados particulares. Conforme a defesa dos réus manifestou nos autos, eles só devem responder à acusação durante a fase de instrução processual, isto é, quando ocorre a produção de provas em juízo. O TJSP afirmou que essa postura é uma maneira de “postergar a defesa dos réus”.
O MP pediu a prisão preventiva de Bo Lin em 22 de fevereiro de 2017. Ele entrou no sistema prisional em 30 de março daquele ano, sendo detido no Centro de Detenção Provisória (CDP) III de Pinheiros, na capital paulista.
No dia 1º de abril, Bo Lin foi transferido para a Penitenciária de Itaí, no interior de São Paulo, onde permanece até hoje, conforme confirmou a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). A unidade é o principal destino para os homens estrangeiros que são presos em SP.
Liu Bitong já estava foragido por outros crimes. Ele ficou oito anos fora do radar da Justiça até ser capturado em Pacaraima. O mafioso está preso na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo.
Yoangshuai Lui permanece em liberdade e, de acordo com a investigação, segue morando em um apartamento no centro de São Paulo, no mesmo edifício onde está o QG da máfia, como muitos dos criminosos, incluindo o líder do bando.
Uma audiência de instrução, debates e julgamento foi designada pelo juiz Roberto Zanichelli Cintra, da 1ª Vara do Júri, para acontecer no dia 26 de maio de 2025. Na data, as testemunhas do caso devem ser ouvidas e a defesa deve apresentar uma estratégia para negar as acusações.
Outro lado
Em depoimento no dia 24 de março de 2017, Bo Lin afirmou que não conhecia a vítima Chengfeng. Ele confirmou ter ido ao karaokê naquela noite com mais de 10 pessoas, e que foi alvejado na perna ao chegar na porta do estabelecimento. O suspeito disse não ter conseguido identificar o agressor.
Ainda de acordo com este depoimento, mesmo estando no mesmo local, Bo Lin disse que não viu tiros contra Chengfeng.
Yoangshuai Lui, em depoimento prestado no dia 24 de março de 2017, também negou participação no crime. Ele afirmou não conhecer Chengfeng e disse que estava no Guarujá no momento da execução.
A reportagem localizou a defesa dos acusados, mas não conseguiu contato. Nenhum dos telefones presentes no processo aceitou ligações.
O último andamento do processo é de 11 de dezembro de 2024. Yoangshuai, que está em liberdade e permanece morando no centro de São Paulo, foi intimado a comparecer na audiência de maio do próximo ano.
Extorsões e mortes
O Metrópoles revelou anteriormente que um assassinato cometido em 30 de janeiro de 2015, na Sé, em São Paulo, revelou à polícia a atuação do Grupo Bitong na capital paulista, sobretudo na região central.
O também comerciante chinês Zhenhui Lin foi morto após se recusar a pagar as quantias exigidas pelos mafiosos. Ele foi executado no meio da rua mesmo depois de já ter pago de R$ 150 mil a R$ 180 mil ao Grupo Bitong.
De acordo com testemunhas, este é o modus operandi do grupo: cobrar altas quantias de chineses que vendem capinhas de celular no centro de São Paulo para controlar o mercado do produto. Ameaças de morte por telefone são frequentes e, quem se recusar a pagar o valor exigido, é executado.