Pense duas vezes antes de se referir a alguém acima de 60 anos usando expressões como ‘terceira idade’. E ‘melhor idade’ pode? Também não.
Os idosos estão mudando e de forma revolucionária, por sinal. Na Bahia, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a projeção da esperança de vida ao nascer, para este ano, é de 74,8 anos. Nos últimos 12 anos, essa perspectiva no estado aumentou 4%, o que representou mais 2,9 anos no período, já que em 2010 essa idade era de 71,9 anos.
O cenário que aponta para a inversão da pirâmide etária reforça que não cabe mais usar termos ultrapassados – ainda que inconscientes – sobre o envelhecimento e a amplitude de pessoas que vivem mais, experimentam mais, ensinam mais e amadurecem mais sem parar no tempo. É o que mostra o Glossário da Longevidade: um guia para o mercado, a mídia, sociedade e profissionais em geral.
São mais de 100 verbetes que fazem parte do e-book gratuito lançado em parceria pela operadora TIM, o HubMulher e Deloitte (baixe o livro completo no final da reportagem).
A publicação escrita pela professora do curso de Longevidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e editora do Blog Cinza Poderoso, Simone B. Lara, junto com a cofundadora do HubMulher, Patricia Galante de Sá e também professora do curso de Longevidade da FGV, chega para desmistificar o significado e o contexto da palavra ‘idoso’, além de tirar o ranço que existe no termo ‘velho’.
“Velho deixa de ser cada vez mais uma palavra que lembra ‘coisas que não servem mais’, uma diminuição da produtividade e da inteligência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o envelhecimento em quatro estágios: meia-idade, de 45 a 59 anos; idoso, de 60 a 74 anos; ancião, de 75 a 90 anos; e velhice extrema, de 90 anos em diante. A palavra idoso, desta forma, seria oficial e bem aceita pela população”, explica Simone B. Lara.
A ideia de criar o glossário surgiu a partir das vivências e pesquisas de professores e alunos do curso de Formação Executiva em Mercado da Longevidade da FGV, como acrescenta uma das autoras do material. “Percebemos que há muitos equívocos de empresas, gestão pública e jornalistas ao falar de e para o mercado maduro. Mesmo os que têm boas intenções acabam usando palavras e expressões que já não são adequadas, como ‘jovem por mais tempo’”.
Se por um lado há termos que não refletem mais a realidade do comportamento dos mais velhos, por outro há também jargões ainda desconhecidos por grande parte da população, entre eles, a gerontofobia, síndrome que define aversão ou medo patológico de pessoas idosa ou o de cultura jovemcêntrica, quando apenas o comportamento cultural dos mais jovens é levado em consideração (confira abaixo).
“Segundo a OMS, 6 em cada 10 pessoas têm opiniões negativas em relação à velhice. Os mais velhos são frequentemente considerados menos capazes e menos competentes que os mais jovens e um peso para as famílias e a sociedade. Isso acontece porque os estereótipos associados ao envelhecimento normalmente não são positivos. Ele não é baseado em uma experiência real ou na razão, mas na ignorância dos estereótipos”, pontua.
Grey power
O conceito ‘grey power’ se refere ao poder político, financeiro e formador de opinião de pessoas do final dos 40 anos até mais de 60. Esse poder existe. Ainda de acordo com dados do IBGE, a população idosa projetada para 2022 na Bahia é de 2,111 milhões de pessoas, representando 14% do total. No Brasil como um todo, essa estimativa é de 32,493 milhões, representando 15,1% da população do país.
Enquanto o número da população mais velha cresce, a taxa de natalidade cai. No mesmo ano, a taxa bruta de natalidade projetada para a Bahia é de 13,4 nascimentos por mil habitantes. Esse número era de 15,4 por mil em 2010, o que representa uma queda de 13%. Já no Brasil, a taxa bruta de natalidade projetada para 2022 é de 13,6 nascimentos por mil habitantes, com redução de 10,1% frente a 2010.
“Não há solução que não passe por equipes multigeracionais, e o preconceito tem que ser quebrado de ambos os lados. E esse caminho passa pelo combate à desinformação. Não haverá, dentro de pouco tempo, força de trabalho jovem suficiente para suprir o mercado. Só se quebram paradigmas com conhecimento e autoconhecimento”, complementa Simone.
E por falar nesse movimento de mudança, além da adoção do e-book, a TIM criou o Teclado Consciente, aplicativo que alerta sobre o uso de expressões discriminatórias – incluindo termos etaristas e velhofóbicos, como ‘caduco’, além de abranger expressões racistas, machistas, capacitistas e LGBTfóbicas.
Disponível gratuitamente para qualquer pessoa nos sistemas iOS e Android, a ferramenta fica visível quando o usuário digita textos em redes sociais, destacando as expressões inadequadas e dando opções para substituição, como ressalta o gerente do Núcleo de Diversidade e Inclusão da TIM Brasil, Alan Kido.
“O Glossário da Longevidade e o Teclado Consciente são exemplos de ferramentas para combater a linguagem discriminatória e orientar a população. Além dessas iniciativas, as empresas precisam atuar internamente de forma contínua na sensibilização e capacitação das pessoas para a construção de uma cultura sempre mais inclusiva.”
Hoje, os profissionais com 50 anos ou mais representam cerca de 10% do quadro total da operadora. “Estima-se que 57% da força de trabalho do Brasil terá mais de 45 anos até 2040. Precisamos promover um mercado de trabalho mais inclusivo para a população 50+ desde já, nos antecipando a essa evolução da pirâmide etária e isso passa pelo o aumento do reconhecimento de profissionais seniores”, complementa.
O representante do pilar 50+ da estratégia de diversidade da Deloitte, Carlos Figueiredo, concorda que as empresas têm um papel fundamental em criar esses espaços de debate, de desconstrução acerca desses estigmas. “Todo esse debate é muito atual e as empresas são um local privilegiado para essa discussão. O mais importante é retirar o véu dos preconceitos inconscientes. Por exemplo, quando alguém disser algo como ‘esse candidato tem um bom currículo, boa experiência, mas não sei, acho que não serve para essa vaga’, perguntar, não serve por quê? Ou seja, informar, orientar, explicar”.
Empoderamento
Se for para fazer um elogio a um idoso, aprenda a usar o termo ‘silver fox’, ou seja, uma conotação positiva que se refere à pessoa como alguém fisicamente bem ou ‘yolds’ que é o mesmo que dizer que aquela pessoa tem um espírito jovem, que não aceita rótulos e limitações impostas pela idade.
O psicólogo, especialista em saúde da pessoa idosa e professor da Rede UniFTC, Mateus Vieira, reforça a importância de criar espaços de debate e desconstrução de estigmas incapacitantes equivocadamente associados à velhice: “Estamos falando de preconceitos que afetam não só o desempenho do idoso no trabalho, mas também que impactam na autoestima e nas suas relações interpessoais, ao reforçar a ideia de que aquele idoso não é bem-vindo ou que aquele espaço não é dele. Isso pode acarretar outras condições psíquicas como o agravamento de transtornos, criar ou potencializar quadros de ansiedade, depressão e isolamento social”, alerta.
A quebra desse preconceito tem impacto tanto no âmbito individual quanto coletivo. “O primeiro passo para desconstruí-lo é reconhecer que ele existe e que causa danos importantes à saúde mental da pessoa idosa. O empoderamento ocorre justamente quando enxergamos que a pessoa idosa tem sua singularidade, direitos e, a partir do seu lugar de um ser experiente, tem muito a contribuir a todos. O respeito à pluralidade de velhices e de modos de envelhecer é fundamental”.
20 VERBETES CONTRA ESTEREÓTIPOS PRECONCEITUOSOS
1.Gerontofobia
Síndrome que define aversão ou medo patológico de pessoas idosas. Há casos, inclusive, de pessoas que preferem morrer jovens a envelhecer.
2. Idatismo, etarismo e ageísmo
Os termos se referem à discriminação das pessoas baseada em idade e atinge qualquer faixa etária. Porém, na maioria das vezes, é usado com mais frequência para se referir a pessoas mais velhas.
3. Melhor idade
Apesar de ser vista por muita gente como uma expressão romantizada para definir a vida depois dos 60 anos, a expressão não é bem vista entre o segmento, já que contradiz a ideia que existe uma pior idade e não reflete os desafios enfrentados pelos idosos.
4. Terceira idade
A expressão surgiu na década de 60 como uma maneira de transformar a imagem da velhice, muito associada à ‘fase de se aposentar’. No entanto, essa classificação não reflete mais a realidade da jornada de vida das pessoas, pois existem indivíduos 60+ voltando a estudar, trabalhando com alta produtividade ou empreendendo.
5. Superidoso
O termo usado pelo mercado para descrever pessoas idosas atléticas, com corpos sarados e engajadas em atividades físicas radicais acaba tendo o efeito contrário. Isto porque representa de maneira exagerada e irrealista, reforçando preconceitos etários ao não valorizar a velhice natural e mostrar pessoas normais.
6. Velhofobia
Preconceito, estigmas e tabus associados ao envelhecimento, que tratam o idoso como inútil, desnecessário e invisível.
7. Velho ou velhice
São termos que deixam de ser cada vez expressões que lembram “coisas que não servem mais”. Com isso, passam a ser palavras que precisam ser usadas para quebrar preconceitos e estimular as pessoas a enxergarem o envelhecimento não como uma diminuição da produtividade, da inteligência, do bom humor e da capacidade física.
8. Age shaming
É fazer alguém sentir vergonha de ser idosa, criticando sua forma de vestir, se comportar ou sua aparência.
9. Anti-aging
Termos como anti-idade e antienvelhecimento são comumente usados principalmente pela indústria de cosméticos para se referir a produtos para combater os sinais do envelhecimento, o que remete a um preconceito sobre essa fase da vida. A sugestão é que os produtos apontem para seus principais benefícios como, por exemplo, hidratação profunda para peles maduras, ou produto antissinais.
10. Cougar
Termo pejorativo (‘puma’ em português) usado para se referir a mulheres mais velhas que gostam de se relacionar sexual ou amorosamente com homens mais jovens, associando-as à imagem de ‘predadoras’.
11. Cultura jovemcêntrica
Quando apenas o comportamento cultural dos mais jovens é valorizado e pautam o padrão estético e de comportamento ideal, enquanto os mais velhos são tratados como obsoletos, pouco criativos, feios e lentos. É visível, sobretudo, na publicidade e também na falta de oportunidades de emprego para pessoas mais velhas.
12. Elastic generation
Termo usado como sinônimo de perennials – em referência à geração baby-boomer, aquela que nasceu entre 1946-1964 – e foi grande protagonista das revoluções sociais no mundo como a saída das mulheres de casa para trabalhar, a pílula anticoncepcional e normalização do divórcio. São essas mesmas pessoas que hoje revolucionam o sentido de como envelhecer.
13. Evelhescência
Vai dos quarenta e muitos até aos sessenta e poucos anos, e é considerada uma espécie de hiato de tempo entre a idade adulta e a velhice.
14. Grey power
O poder político, financeiro e formador de opinião de pessoas do final dos 40 anos até os 60 e mais alguns.
15. Idoso
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais. É a palavra oficial e bem aceita pela população. Porém, o conceito é fluido e vai depender muito da percepção subjetiva das pessoas e seu o contexto cultural.
16.Longevidade
O termo está relacionado à expectativa de vida.
17. Sênior
A expressão é bem aceita pelas pessoas acima de 50 anos, sobretudo, no mercado de trabalho.
18. Seniores digitais ou seniores geeks
São pessoas mais velhas que possuem bastante intimidade com tecnologia. São ativas no uso de aplicativos, streamings, redes sociais, leitura de e-books, compras em e-commerces.
19. Silver fox
O termo tem uma conotação positiva e se refere ao “coroa enxuto”, atraente, bonito, fisicamente bem.
20. Yolds
Contração das palavras young (jovem) e old (velho), que surgiu para designar o comportamento dos novos idosos com espírito jovem, que não aceitam rótulos e limitações impostos pela idade.
Fonte: Glossário da Longevidade: um guia para o mercado, a mídia e profissionais em geral, escrito por Simone B. Lara e Patricia Galante de Sá (2022). O e-book está disponível no site cinzapoderoso.blog/.