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Edy Star revela a rotina de um gay na Bahia dos anos 1950

Edy Star em foto atual

Entendido, sodomita, pederasta, afeminado, fresco, diferente, anormal. Por mais chocante e preconceituoso que possa soar, era assim que a sociedade costumava se referir costumeiramente aos homossexuais não faz muito tempo. O baiano Edy Star, multiartista que se destaca como cantor e performer, nasceu em 1938 e cresceu ouvindo todas essas palavras.

“[a palavra] ‘Gay’ é politicamente correto, mas eu uso ‘viado’ ou ‘bicha'”, diz Edy, que, embora tenha sido um dos primeiros artistas brasileiros a se assumir homossexual, revela ter carregado por um tempo alguma culpa ou vergonha por ser gay. E isso está claro no livro Edy Star – Diário de um Invertido, que registra as memórias de Edivaldo Souza – nome de batismo dele – entre os anos de 1956 e 1963, quando ele tinha entre 18 e 25 anos. “Invertido”, vale ressaltar, é mais um termo preconceituoso que foi usado para identificar os gays.

Não é difícil explicar por que durante muito tempo Edy se sentiu culpado por sua orientação sexual, afinal, naquela época, o gay era tratado, inclusive em muitos livros teóricos, como uma aberração, uma anomalia. Um livro que traumatizou o jovem Edivaldo foi Homossexualismo Masculino, resultado de uma tese apresentada em pelo médico-legal Jorge Jaime.

O cantor, na juventude (acervo pessoal)

“O livro tratava da homossexualidade como doença. Aquilo foi um terror para mim! É como se dissesse ‘você vai morrer’, como se ser gay fosse um crime para a humanidade”, lembra Edy. “Mas depois descobri que tinha muita gente que era como eu, mas não era infeliz. Principalmente quem tinha dinheiro”, ri.

Pederasta
Mais traumatizante ainda foi a frase que ouviu do seu pai: “As duas piores coisas que um homem pode ser é pederasta e ladrão! Espero que o senhor não dê para uma coisa nem outra”. Edy tinha 14 anos e foi um tio dele que contou ao seu pai que o menino havia sido flagrado em lugar público tendo relações sexuais com outro homem.

“Tomei ódio mortal do meu tio ao ver meu pai passar a noite decepcionado”, lembra-se.

A ideia de publicar os escritos de Edy partiu do historiador Ricardo Santhiago, professor da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. O diário foi descoberto por Santhiago e o interesse em publicar surpreendeu o artista. Edy diz que nunca teve essa pretensão de publicar, mas acabou sendo convencido, porque acha que o material, de alguma maneira, pode contribuir para o movimento LGBTQIA+.

Depois de morar na Espanha por duas décadas e hoje vivendo em São Paulo, Edy percebeu que a Europa, em relação às causas gays, está à frente do Brasil. “A Europa é muito mais politizada. Na Espanha, o movimento gay conseguiu eleger um presidente, com a promessa de que ele aprovaria o casamento gay”. Ele cita ainda as paradas LGBTQIA+, que na Europa e em NY, segundo Edy, têm adesão de muitos políticos. 

“No Brasil, a Parada Gay virou Carnaval fora de época. No Brasil, é uma coisa para trio elétrico. Lá, tem som, mas em menor escala. Aqui, acaba perdendo completamente o foco. No fundo, é um Carnaval. Mas não condeno isso, porque o Brasil é assim mesmo”, diz Edy, conformado.

Salvador, anos 50
No livro, o cantor retrata como a comunidade gay vivia em Salvador nos anos 1950. Edy, nascido em Juazeiro, se mudou para Salvador com a família e morava na Cidade Baixa. Era era frequentador assíduo do Centro, especialmente da Praça Castro Alves, onde parte da população LGBTQIA+ se reunia. Organizar-se em guetos era, segundo o artista, uma necessidade de sobrevivência. 

“Havia turmas do Campo da Pólvora, do Santo Antônio, do Barbalho… Muitos garotos, antes de ir para os puteiros no Centro, passavam para dar porrada nos veados, Então, era uma questão de sobrevivência. O Pelourinho sempre foi nosso reduto, do Taboão ao Terreiro, que era chamado Terreiro ‘dos Veados’ de Jesus”, recorda-se.

No diário, Edy cita o nome de diversos parceiros que teve desde os nove anos de idade. Precoce, o menino teve até os 15 anos mais de dez parceiros.

“Já era um pederasta consumado, o vício estava em mim, me queimava e me obrigava a fazer aquilo”, relata num dos escritos da juventude.

Apesar dos traumas e da discriminação, Edy parece ter superado bem aquela fase. Nunca precisou fazer terapia: “Eu tenho espelho, para quê terapia? Eu olho para o espelho e sei meu problema: quero mais dinheiro”. Ele diz que de vez em quando passou um aperto, mas conseguiu “um lastrozinho”, graças, também, aos shows que ainda faz. Mês que vem, faz duas apresentações em Recife. 

Lançou recentemente duas canções, para celebrar o lançamento do livro. As duas estão no streaming e têm temática homoafetiva. “Vou cantar até as pernas aguentarem. Já passei por um câncer e agora quero mostrar aos idosos – porque eu sou um – que se pode produzir e ser feliz a essa altura da vida. Quero fungar no cangote e beijo de língua”, diz com irreverência. A mesma que o levou ao  encontro de   Raul Seixas, Miriam Batucada e Sérgio Sampaio em 1971, na  gravação de  um dos álbuns mais ousados da MPB:  Sociedade Grã-Ordem Cavernista Apresenta Sessão das 10 – que completou 50 anos em 2021.  

LIVRO ‘EDY STAR – DIÁRIO DE UM INVERTIDO’
Autor: Edy Star
Org: Ricardo Santhiago
Preço: R$ 60 | 144 páginas
Editora: Noir

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