O repórter Carlos Rydlewski, do Metrópoles, publicou nesse sábado uma entrevista não menos do que excelente com Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações de Fernando Henrique Cardoso. Proveniente da banca, ele foi um dos alvos preferenciais do PT, enquanto esteve no governo, por ter conduzido o processo de privatização da Telebras.
Graças à privatização da telefonia, começou a sobrar linha telefônica no Brasil e praticamente todos os cidadãos brasileiros puderam ter acesso ao direito básico de comunicar-se a distância com familiares, amigos e empresas. Por causa da privatização da telefonia, Luiz Carlos Mendonça de Barros viu-se acusado de improbidade administrativa e absolvido nove anos depois. Foi enredado naquela ficção que os petistas e adjacências chamaram de “privataria tucana”.
Ele poderia ter viés, mas não tem. Na entrevista ao Metrópoles, Luiz Carlos Mendonça de Barros, o Mendonção, como é conhecido, só disse a verdade. Fez uma análise bastante objetiva deste início de terceiro mandato de Lula, já bastante revelador. Para ele, ao que tudo indica, o petista deverá ser mais radical dessa vez do que o foi no primeiro mandato. Ou seja, deve seguir mais à risca a cartilha do nacional-desenvolvimentismo.
Tradução: mão pesada (e peluda) do Estado como promotor de crescimento econômico e nacionalismo. É uma fórmula que nunca deu certo e também não dará dessa vez. O nacional-desenvolvimentismo é um dos exemplos mais didáticos da definição de loucura atribuída a Albert Einstein, segundo a qual “loucura é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados diferentes”.
Na visão nacional-desenvolvimentista, não cabe um Banco Central autônomo, com uma diretoria com mandatos fixos, não coincidentes com o do presidente da República, que a mantém longe das pressões governamentais e capaz de implementar uma política monetária responsável, imune a conveniências políticas e populistas, na luta permanente com a inflação. Dificilmente, portanto, Lula e o PT aceitarão que o Banco Central brasileiro mantenha a sua autonomia, tal como ela foi sancionada por Jair Bolsonaro, em 2021.
Para Luiz Carlos Mendonça de Barros, essa é a grande disputa que está prestes a eclodir: a do governo com o Banco Central, hoje dirigido por Roberto Campos Neto, cujo mandato vai até 2024. Afirmou Mendonção:
“O governo caminha para isso. Tem gente da área econômica, caso do Fernando Haddad, ministro da Fazenda, reclamando dos juros. Mas a taxa não vai cair enquanto não houver um quadro fiscal claro e estável [a relação entre despesas e receitas da administração federal e o impacto que ela tem na dívida pública]. E, com os juros no atual patamar, não vamos ter crescimento.”
E ele explicou:
“Porque só vai haver investimento em atividade produtiva quando o ganho de capital for maior do que aplicar o dinheiro a juro. Com as taxas como estão (13,75% ao ano, os juros básicos), isso não vai acontecer. E repito: enquanto o quadro atual de incertezas permanecer, os juros não vão baixar. Por isso, acredito que esse será o primeiro grande conflito do governo. Ele deve acontecer já entre abril e maio. Não vai ser muito depois disso.”
Como a responsabilidade fiscal, para o PT, é uma “estupidez”, para usar a definição de Lula quanto ao teto de gastos, os juros teriam de ser baixados na marra, mesmo que a custo de mais inflação — o que anula, no médio e longo prazos, os efeitos positivos do aumento da atividade produtiva.
Tem tudo para dar errado e, como o mundo não é dos loucos, vai dar errado. Não adianta Lula querer abolir a palavra “gasto” pela palavra “investimento”, no vocabulário governamental, pelo simples motivo de que a língua não molda a realidade, mas é moldada por ela. Quanto não se tem dinheiro, é gasto; quando se tem dinheiro, é investimento.
Luiz Carlos Mendonça de Barros conhece bem a cabeça de quem está fazendo a cabeça do atual presidente na área econômica:
“O Lula come na mão desse pessoal e o Haddad não manda, assim como o Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda nos governos do PT) não mandava. O Lula do primeiro mandato, que se afastou dessas ideias, só existiu porque tinha o ex-ministro Antonio Palocci na Fazenda, que acreditava que era preciso consolidar o crescimento antes de governar de acordo com as ideias dos petistas. Na ocasião, o ex-ministro José Dirceu, da Casa Civil, também aceitou esse argumento.”
Lembro-me de uma conversa com Roberto Civita, em 2006, quando eu era redator-chefe da Veja, sobre a queda de Antonio Palocci, na esteira do escândalo da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa, para a qual a revista contribuiu com reportagens bombásticas. Roberto Civita disse: “Estamos trocando os fisiológicos na área econômica pelos ideológicos. Não parece uma boa troca”. Não foi, definitivamente. A previsão de Mendonção está longe de ser horóscopo.