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Como os daltônicos enxergam Salvador, cidade marcada pelas cores

Imagine aquele pôr do sol espetacular em algum ponto da orla de Salvador. Na cidade, há até quem bata palma para a cena de tirar o fôlego. Agora, se você acredita que todo mundo enxerga os tons da paisagem da mesma forma, está enganado. Os daltônicos possuem uma percepção única das cores e não vêem da mesma forma nem entre si. Em uma cidade tão marcada pelo colorido, como é o cotidiano de quem conta com o privilégio e a solitude de um olhar exclusivo? 

O corretor de seguros Roberto Gonçalves, 53, não entendia quando os colegas de trabalho tiravam sarro de suas roupas coloridas. Outras situações do dia a dia também o deixavam confuso. Ele tem dificuldade em enxergar as sinalizações luminosas que indicam se uma vaga está ou não disponível nos estacionamentos, por exemplo. Certo de que não tinha com o que se preocupar, sempre ignorou os sinais. 

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A possibilidade de ser daltônico só apareceu há cinco anos, quando foi renovar a sua carteira de habilitação. Em um dos testes, a médica percebeu que Roberto não enxergava um ponto luminoso colorido e indicou que ele fosse ao oftalmologista. Na consulta, uma especialista realizou testes que são facilmente encontrados na internet. Um círculo com vários pontinhos coloridos e um número de outro tom no centro. 

O Teste de Ishihara é utilizado para a detecção do daltonismo. Pessoas com visão normal conseguem distinguir os números 5, 16 e 2. 

(Foto: Reprodução/Montagem)

“Quando a médica perguntou qual era o número eu perguntei se ela queria que eu contasse todas as bolinhas”, relembra o consultor com bom humor. Por ser daltônico, ele não foi capaz de enxergar com clareza o número no centro da figura. Nesse momento, com mais de 40 anos de vida, ele descobriu o distúrbio visual que impacta na sua percepção de tons verde, vermelho e laranja. Foi como se uma chave tivesse sido virada e muitos momentos da vida passaram a fazer sentido. 

“Quando criança, não via a diferença entre laranja e cor de abóbora, por exemplo, mas nunca exprimi essas dúvidas”, conta. Por ter vivido longos anos sem saber que tinha um distúrbio de visão, Roberto criou seu próprio universo. “A criança vai adaptando a vida ao redor dela em cima do que ela enxerga. Então isso vai desde a roupa que não combina, sem se dar conta que está usando algo incomum”, analisa.

Depois que recebeu o diagnóstico, Roberto Gonçalves continuou enxergando tudo em sua volta, mas saber que possui uma visão própria de Salvador, trouxe mais poesia para sua vida. 

“Quando eu estou olhando para o pôr do sol hoje, me sinto extremamente privilegiado porque o que eu estou vendo é só meu, ninguém nunca vai enxergar igual”, diz. 

O que é daltonismo? 

Especialistas e daltônicos concordam que o termo “deficiência” não é o mais correto para definir a condição. Isso porque o daltonismo não influencia a funcionalidade da visão dos pacientes, como explica Rodrigo Dahia, oftalmologista do Itaigara Memorial e especialista em neuro-oftalmologia. 

“Daltonismo é um termo utilizado para se referir aos distúrbios congênitos de visão de cores, ou seja, não é uma condição progressivo e não evolui com o tempo”, esclarece.

O especialista alerta que não existe “cura milagrosa” para o distúrbio, apenas óculos com filtros específicos que, pela diferença de saturação, facilitam que o paciente perceba a diferença de tons, mas não as cores.

Entre as pessoas daltônicas existem vários graus e tipos. O simulador online Color Blindness dá dimensão de como os daltônicos enxergam a depender do tipo de distúrbio. 

Uma pessoa com visão normal consegue distinguir com clareza todas as cores das fitinhas do Bonfim

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Roberto Gonçalves, assim como a maioria dos daltônicos, é tricromata, ou seja, tem todos os receptores de cor, mas não as identificam com clareza. As tonalidades de vermelho, verde e azul são as mais afetadas. Existe ainda o tipo dicromático – em que a pessoa não possui um receptor, o que impede a identificação de algum tom – e o acromático, quando a pessoa daltônica só enxerga tons de branco, preto e cinza. 

Pessoas com o mesmo tipo de daltonismo de Roberto enxergariam algo parecido com a essa imagem – as tonalidades de vermelho, verde e azul são afetadas

(Foto: Marina Silva/Montagem)

O daltonismo acromático é considerado raro, mas a Organização Mundial da Saúde estima que existam cerca de 350 milhões de daltônicos no mundo – a maioria homens. Como a condição genética é recessiva e ligada ao cromossomo sexual X, o transtorno só afeta mulheres que recebem o gene do pai e da mãe. 

“Os cones são células especializadas responsáveis pela visão de cores. São três tipos de cones e cada um deles consegue enxergar melhor determinada cor: vermelho, verde e azul. Todas as outras cores que vemos no mundo são conjunção de estímulos. O amarelo, por exemplo, é uma mistura que estimula todos os cones e será interpretada pelo cérebro”, explica Rodrigo Dahia. 

Descoberta

É comum que o diagnóstico de daltonismo seja feito ainda na infância, quando as crianças apresentam dificuldades na percepção de cores na escola. Mas a disseminação de informações sobre o distúrbio facilita que muita gente descubra ac ondição em casa. É o caso do analista de sistemas Paulo Henrique Alves, 33, que aos 25 anos, por curiosidade, decidiu fazer o teste de Ishihara pela internet – o mesmo formado por bolinhas que Roberto realizou no consultório. 

“Tenho um tio que é daltônico e, em uma brincadeira, pesquisei o teste na internet para testar com ele. Para minha surpresa, percebi que eu também não enxergava os número”, relembra o analista de sistema. Desde o episódio, em 2015, Paulo nunca foi a um especialista, mas acredita que seja tricromático, já que tem dificuldades em perceber cores como verde, marrom, vermelho e azul.

O analista de sistemas escolheu voltar para a capital baiana quando o trabalho em Belo Horizonte (MG), se tornou remoto. “Toda a minha família é da Bahia e eu sentia falta do mar e de olhar o horizonte sem fim”, diz. Prova de quem mesmo com tonalidades diferentes, Salvador continua irresistível. 

Por terem nascido com o distúrbio, os daltônicos não possuem referência própria das cores. Enxergam o que seus olhos alcançam e é isso que conhecem. Para Paulo Henrique, não há reclamações sobre os tons que formam a cidade que o acolhe. “Para mim tudo está lindo. O sol no final d atarde, o azul do céu sem nuvens, o mar…”, divaga sabendo que as belezas da cidade são incontáveis. 

Este conteúdo especial em homenagem ao Aniversário de Salvador integra o projeto Salvador de Todas as Cores, realizado pelo Jornal Correio, com patrocínio da Suzano, Wilson Sons, apoio institucional da Prefeitura de Salvador e apoio da Universidade Salvador – Unifacs

*Com orientação de Mariana Rios.

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