InícioEntretenimentoCelebridadeCidade que inventa moda: 5 estilistas que estão conquistando o mundo

Cidade que inventa moda: 5 estilistas que estão conquistando o mundo

Os tons quentes no pôr do sol brilham no Farol da Barra. O colorido das frutas e dos temperos da Feira de São Joaquim pulsam aos olhos de quem vê. Não muito longe dali, as cores vibrantes nas paredes das casas seculares do Pelourinho encantam. Vestir branco sexta-feira é sagrado, mas as fitinhas multicoloridas no gradeado da Basílica do Senhor do Bonfim também. A mancha de dendê não sai. Nesse movimento de ir e vir, de ver e ser visto, Salvador inventa (e reinventa) a sua própria moda. Pense aí, qual a cor que estampa a cidade? 

O artista plástico, carnavalesco e responsável pela produção e concepção artística do Bloco Cortejo Afro Alberto Pitta diz que a estética soteropolitana, como em nenhum outro lugar, é justamente assim, colorida. “Quanto estilistas do Brasil se interessam pelo Cortejo Afro, eles veem em nós essa questão da moda e do vestir. Salvador se veste de todas as cores. Essa é a diferença. O que parece o caos, uma confusão, não é não. É uma segurança estética da cidade. Isso é muito forte. Tem ali sua intenção. Quem veste branco na sexta-feira sabe porque está vestindo, seja macumbeiro ou doutor. Nossa moda fala, grita”, explica. 

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No início do ano, em parceria com a Farm – uma das principais varejistas de moda do país – o artista lançou a primeira coleção global para os Estados Unidos e Europa e a segunda coleção nacional com a marca, inspirada nas cores de Salvador e do Cortejo. A equipe da Farm passou quase 15 dias no Ateliê de Pitta.

 “As peças estão esgotadas nas lojas e já estamos conversando para fazer uma  terceira e quarta  coleção. A Farm buscou exatamente isso, entrou no terreiro de candomblé, no nosso cotidiano e no carnaval à procura de uma moda afirmativa em Salvador. De uma identidade construída a partir de gente, do nosso povo”, diz o artista plástico.

No tecido e nas cores histórias contadas. “Quando eu saio daqui, todo mundo olha a minha calça de linho com a boca enorme e meu quimono estampado. Vou vestido de mim mesmo e faço negócio. São cores que empoderam as pessoas. É outro compromisso com tudo. A fantasia do Cortejo, por exemplo, todo mundo usa mesmo depois do carnaval e ela é pensada com essa intenção mesmo, diferente do abadá de trio descartado no dia seguinte. As cores têm uma importância muito grande nesse sentido, em um lugar que ainda cheira a escravidão. Ela rompe tudo isso”, ressalta Pitta. 

Pitta já está conversando com a Farm sobre novas parcerias e coleções junto com a marca
(Foto: Lilibeth/ Divulgação) 

Pertencimento 
Numa explosão de cores, volumes e estampas, Salvador carrega matizes ancestrais e sabe como ninguém conectar essas referências ao contemporâneo. Irmãos e criadores da marca Meninos Rei, Céu e Junior Rocha, saíram do bairro de Itapuã até chegar em Milão, estampando a segurança de se vestir de forma livre, colorida e sem amarras. Depois da participação em duas edições do São Paulo Fashion Week (SPFW) foi a vez da coleção Meu Ori é Minha Voz fazer parte da última edição da Semana de Moda em Milão, em 2022. 

“É uma moda que cria uma ligação direta entre passado e presente. Nosso povo é o que mais nos inspira, sua raça em resistir, em lutar, em conseguir sorrir, mesmo diante tantas dificuldades. O axé que nosso povo preto carrega, o DNA ancestral de quem nasce nesse solo. Isso atravessa fronteiras. A experiência que tivemos em Milão foi algo que jamais esqueceremos”, pontua Céu. 

A marca, que completou oito anos, já está às voltas com  novas coleções, como complementa Júnior: “Tudo com muito cuidado, com muito respeito, sem perder a nossa essência, falando do que a gente acredita, da nossa verdade. A liberdade de ser o que é prevalece e externa tudo isso através da nossa arte, da nossa moda, que é maximalista – assim como as dores que ainda são muitas – mas também enaltecendo a beleza do povo preto que é arrebatadora”. 

No comando da marca Meninos Rei,  Céu e Júnior marcaram presença em duas edições da SPFW
(Foto: Cabello Photo/ Divulgação)

Já para  Hisan Silva e Pedro Batalha, criadores da marca Dendezeiro, a moda de Salvador é múltipla. No final do ano passado, eles foram dois dos três brasileiros selecionados na Lista Internacional The Next 100 da Hypebeast, que apontou  nomes de destaque na moda que estão fazendo a diferença e propondo inovação no mercado.  

“É a partir da observação do movimento, dos estilos, das cores, texturas que vivenciamos na cidade que nos inspiramos para desenvolver nosso processo criativo.  Além disso, Salvador é a cidade mais negra fora da África, abraçando uma enorme diversidade de peles e expressões culturais. Uma fonte inesgotável de criatividade”, pontua Hisan. 

A marca lançou a coleção Cor de Pele que expressa a diversidade de peles de pessoas pretas e a fonte de pesquisa foi a Bahia, assim como a coleção Tabuleiro, inspirada nas cores e histórias dos pratos afro-brasileiros das baianas de acarajé. “A cor da cidade é essencialmente preta. Para qualquer lugar que olhamos existe uma referência ancestral e apresentada com uma releitura linda da nossa diversidade. E isso se reverbera no nosso dia a dia”, afirma Pedro. 
 

Hisan e Pedro são diretores criativos da marca Dendezeiro
(Foto: Kevin Oux/ Divulgação)

Existe um jeito soteropolitano de se expressar, seja em um boné neon  que se transforma em algo ‘glam’ na periferia ou na camisa de time que vira acessório fashion, independente do dia de jogo.  “Existe uma raiz identitária muito grande. Moda é comportamento e o baiano sabe  muito bem usá-la para dizer como se sente, representar a nossa alegria, paixão, amor pelo trabalho duro que a gente faz,  a fé que temos, a nossa esperança”, complementa.  

O sobe e desce das ladeiras históricas, as resenhas, a descontração. Até a autenticidade diz muito sobre a moda que Salvador inventa. Adriana Meira começou desenvolvendo figurinos para o teatro e artistas, além de trabalhar com marcas como Maria Filó, Huis Clos e Adriana Barra. Usando técnicas de colagem e costura, Meira valoriza a cultura popular, o artesanato das rendas, bordados e apliques em peças que já chegaram longe, passando por países da Europa, pelos Estados Unidos e até Singapura.

Técnicas artesanais de colagem e costura são referências nas criações da estilista Adriana Meira
(Foto: Divulgação)

“Quando penso nas cores de Salvador me vem logo à cabeça o vermelho, o azul da cor do mar e o branco. Como não viajar com a presença do dourado? Levo essas cores em minhas criações da mesma forma como elas chegam em mim: com muita energia. O futuro da moda é baiano. Cada vez mais marcas crescem e se enaltecem da própria identidade. Acredito muito na autoestima que vem da força ancestral dos seus criadores e isso, ninguém pode tirar de nós”, avalia. 

As cores criam diferentes atmosferas, aquecem, esfriam, são fantásticas, como define uma das pioneiras da estamparia afro-brasileira, a estilista e designer Goya Lopes:

“Além de ser a primeira coisa que enxergamos em uma roupa, a cor traz memória. A moda afro-brasileira foi chegando com o uso de tecidos coloridos e estampados, alegres. Antes, as pessoas vestiam nos eventos sociais e religiosos. Hoje, ela está no cotidiano das pessoas e é muito forte essa consciência, se tornando cada vez mais um sentimento de pertencimento e resistência”.

Goya é uma das pioneiras da estamparia afro-brasileira
(Foto: Kin Guerra/ Divulgação)

Goya já vestiu Moraes Moreira e Jimmy Cliff. Há menos de um ano, virou inspiração para o curta-documentário Goya Lopes – Coragem de Criar, dirigido pelo cineasta Kin Guerra.

“Sem dúvida, a moda afro-brasileira, e suas vertentes, tem uma contribuição muito importante daqui para frente, pois é ela quem vai tornar a moda como um todo mais inclusiva, consciente, customizada e reaproveitável, de um jeito cada vez mais leve, alegre e descontraído de vestir, assim como o soteropolitano”, acrescenta.

Ontem, hoje e amanhã
Seguimos com mais um pouco de história. Desde os séculos XVI ao XVII, o vestuário em uma cidade como Salvador, apontava para uma identificação estética de heranças culturais dos negros escravizados, incluindo aí também os elementos religiosos católicos e do candomblé.  Quem explica é o designer de moda e doutor em Artes Visuais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) Pablo Portela: 

“Essas referências vinham do território africano, português, islâmico e francês. Dentre as cores encontradas nesse conjunto de peças, incluímos o branco e as gradações de marrom em torsos, o branco em camisus, o vermelho e tonalidades de azul e preto em saias rodadas. No pano da costa, uma quantidade  maior de cores nas variações de amarelo, terra, azul, verde, cinza e roxa”. 

Simbolismo que se transformou em elementos de identificação, seja por cores, desenhos, estampas, tecidos ou acessórios. “Tudo isso construiu a autenticidade da moda de Salvador. Os ocres e tons terrosos do barro e das igrejas, os alaranjados, amarelados e avermelhados da culinária. Os esverdeados da diversidade natural, os azulados do céu, o branco da nossa fé. Uma mistura que simboliza as nossas diversidades, festejos e movimentos culturais”, completa Portela. 

A estamparia, o exótico, o excêntrico. O que seria das baianas sem todos os seus balangandãs? Num mundo em que o minimalismo é visto como mais, ter uma estética intensa, pulsante e nada discreta é revolucionário como defende o produtor de moda Fagner Bispo, que assina a curadoria do Afro Fashion Day. 

“Sabe aquela expressão que diz que é melhor sobrar do que faltar?  Acho que ele resume bem um pouco como nos vestimos. O povo daqui gosta de se mostrar e a moda contribui para essa nossa estética mais indiscreta. Mesmo com a falta de iniciativas que validem a produção local, que sempre existiu, há o esforço dos criadores em tornar essa identidade visível. Para o futuro,  espero que as pessoas estejam conectadas com o mundo mas que não esqueçam o que é regional, pois isso é o que nos torna únicos”, diz. 

Marcas e profissionais pautados na identidade histórico-cultural (seja na cultura afro-brasileira, afro-indígena e afrorreferenciada) que continuam a disseminar essa mensagem e dialogar com sua essência vão seguir inventando moda tanto lá como aqui. “O que  percebo é que o mercado está mais aberto para profissionais e marcas pautados nessas temáticas, que geralmente eram apenas associadas aos ritos religiosos. Acredito que a constância desses trabalhos, assim como a capacidade de promover inovações, é o que vai determinar essa permanência”, arremata.

AS CORES DA MODA DE SALVADOR

1.Meninos Rei  
(@meninosrei)

Céu e Júnior Rocha criaram uma marca que atravessou fronteiras do bairro de Itapuã até Milão. São 8 anos de existência e resistência. Os irmãos já abriram caminhos também em duas edições seguidas do São Paulo Fashion Week (SPFW), em 2021 e 2022.   

2.Dendezeiro  
(@dendezeiro)

Inspiração street com alfaiataria capaz de vestir a diversidade de corpos.  A marca criada por Hisan Silva e Pedro Batalha foi responsável pela curadoria da edição Bahia do projeto Mundial City Forest da Converse e pioneira em fazer uma collab com o Instagram. No ano passado, lançou collab com a C&A e assinou projeto com a Chivas Regal, assim como fez sua estreia online na SPFW.  

3.Alberto Pitta
(@apitta73/ @cortejoafro)

Artista plástico e carnavalesco, Alberto Pitta, é um dos pioneiros na criação do que hoje se conhece por estampas afro-baianas, se utilizando de símbolos, ferramentas, indumentárias e adereços dos orixás como fonte de inspiração.  Há 25 anos, Pitta é quem responde pela concepção artística do Cortejo Afro, bloco que se destaca pelo resgate de valores estéticos no carnaval. Recentemente, Pitta lançou o livro Histórias Contadas em Tecidos: O Carnaval Negro Baiano (Editoria Capivara, 2022).   

4. Adriana Meira
(@adrianameiraatelier)

Conhecida pelo uso da técnica de colagem e costura, Adriana Meira valoriza a cultura popular, o artesanato das rendas, bordados e apliques. Peças que já chegaram longe, passando por países da Europa, Estados Unidos e até Singapura. A estilista já conquistou também o guarda-roupa de famosas como a atriz Leticia Colin e a cantora Preta Gil, que usou o vestido Oxum Tropical no último Baile da Vogue, em abril do ano passado.   

5. Goypa Lopes
(@goyalopesdesignbrasileiro)  

Goya surgiu na efervescência da década de 70, revolucionando a moda preta e é uma das pioneiras na estamparia afro-brasileira. Criadora das marcas Didara e Goya Lopes Design Brasileiro, ela já trabalhou para marcas como Tok&Stok, Boticário e Grendha, além de ter obras nos acervos públicos do Palácio do Itamaraty, Fundação Palmares e também no Museu de Arte Moderna (MAM-BA). 

Este conteúdo especial em homenagem ao Aniversário de Salvador integra o projeto Salvador de Todas as Cores, realizado pelo Jornal Correio, com patrocínio da Suzano, Wilson Sons, apoio institucional da Prefeitura de Salvador e apoio da Universidade Salvador – Unifacs.

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