Narizes tortos e desavenças internas, aplausos pela maestria da articulação. Desde que Marta Suplicy atendeu ao pedido do presidente Lula para voltar ao PT e ser candidata a vice do psolista Guilherme Boulos, seu retorno tem motivado sentimentos antagônicos entre os petistas. Independentemente do erro ou acerto da alternativa, a movimentação escancara que, mesmo detentor da Presidência da República, o PT de Lula tem dificuldades de se impor. Parece padecer da mesma síndrome que arrasou com a representatividade do antigo adversário PSDB. Repete os mesmos candidatos, frustrando o surgimento de novas lideranças.
No seu período áureo, com Fernando Henrique Cardoso à frente, os tucanos chegaram a eleger 918 prefeitos no país. Isso foi em 1996. À época, o PT emplacou apenas 112, crescendo exponencialmente nas disputas seguintes. Mesmo sem ultrapassar o principal adversário, chegou a 632 prefeitos eleitos em 2012 contra 701 do PSDB. Perdeu a cidade de São Paulo, por duas vezes, e a icônica São Bernardo do Campo, berço político de Lula, cujo prefeito tucano Orlando Morando está concluindo seu segundo mandato.
Podando o voo de novos nomes após FHC, Mario Covas, José Serra e do próprio Geraldo Alckmin, tucano histórico que debandou para o PSB para ser vice de Lula, o PSDB definhou.
Perdeu o então prefeito Bruno Covas para o câncer, um dos poucos líderes da nova geração do partido, e não se cansa de estimular brigas internas criando dificuldades para o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e para a governadora pernambucana Raquel Lyra, que estaria pronta para abandonar a legenda. Quase a metade dos 173 prefeitos que elegeu no estado de São Paulo em 2020 já migrou para outros partidos, a maioria para o PSD de Gilberto Kassab, e também para o PL, do ex Jair Bolsonaro.
O PT sentiu o golpe da condenação de Lula e do crescimento do novo opositor Bolsonaro. Em 2020 elegeu apenas 314 prefeitos, nenhum nas capitais, contra mais de 1.700 dos partidos que apoiaram o ex. Quase sumiu no estado de São Paulo. Elegeu 70 prefeitos em 2012, 8 em 2016 e apenas 4 no pleito seguinte. Chega a 2024 com candidatos próprios definidos em apenas duas capitais: os deputados federais Maria do Rosário, em Porto Alegre, e Rogério Correia, em Belo Horizonte.
O partido do presidente afirma que pretende ter candidatos em 10 capitais. Mesmo que alcance a meta, será pouco para quem tem assento na cadeira máxima da República. Como se viu, flopou na capital paulista, sem encontrar entre seus quadros um candidato para cumprir o acordo com Boulos. Catou Marta, com seus prós e contras, por falta de opção eleitoralmente viável. No Rio não há garantias nem de indicar o vice. E na querida São Bernardo de Lula não tem liderança forte, enfrentando o dilema de disputar ou não com um nome próprio.
Não à toa, o ministro da Fazenda Fernando Haddad externou sua preocupação com o futuro. Não para 2026, disputa que tem a candidatura Lula à reeleição como certa, mas para 2030, quando o grande-chefe terá 85 anos. Haddad, que em 2018 foi escolhido por Lula para substituí-lo, foi execrado em quase todas as alas que se digladiam dentro do PT, mas apontou com precisão o drama do partido: a ausência de quadros competitivos, problema que tem origem na majestade Lula, primeiro e único, insubstituível.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), que há anos luta para ser indicada por Lula como sua sucessora, foi a primeira a sentir o golpe. Soltou os cachorros em cima de Haddad. Por sua vez, ele também tem olhos para a sucessão, especialmente depois de ganhar espaço e confiança como chefe da Fazenda, credenciais que não tinha quando disputou com Bolsonaro, em 2018. Ninguém descarta ainda a chance de Lula repetir o que fez em 2010, quando tirou do bolso Dilma Rousseff, nome que corria longe da representatividade petista. Desta vez, embora em tom de piada, teme-se que ele aponte o dedo para a sua mulher Janja.
É certo que o poder mexe com a cabeça dos políticos e, claro, com o peso dos partidos. O PL de Valdemar da Costa Neto que abriga Bolsonaro começará a sentir isso neste ano depois de sua fase de foguete. Tranquilo mesmo, só o pragmático MDB, que compõe com qualquer governo de plantão. Desde a redemocratização, quando ainda era PMDB, lidera em número de prefeitos eleitos – chegou a 1.202 em 2016.
O PSDB e o PT, que reuniram as melhores cabeças nacionais, se entregaram à soberba. Asfixiaram seus quadros – e pagam o preço. E uma coisa é certa: mais dependente de Lula do que os tucanos foram de FHC, o PT fará sempre o que o mestre mandar, por mais amargos que sejam os sapos a engolir.
Mary Zaidan é jornalista