São Paulo – O primeiro ano de concessão dos cemitérios paulistanos à iniciativa privada teve três quedas de muros, reclamações sobre aumento de preços, denúncias sobre falta de zeladoria e até ossadas expostas. Entre os pontos positivos estão modernizações e o relato de melhorias na segurança do Cemitério Consolação.
O Metrópoles separou alguns dos casos que marcaram os primeiros 12 meses de administração privada nos cemitérios da cidade e os pontos que ainda dão o que falar entre os moradores que têm familiares no local. Confira:
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Muro do Cemitério Vila Formosa caído após chuva Divulgação / Defesa Civil
capela do cemitério é usada por agencia funeraria
Capela do Cemitério da Consolação está ocupada por agência funerária Arquivo pessoal
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Cemitério de Santo Amaro foi fiscalizado pelo TCM em 2023 Divulgação/TCM-SP
Quedas de muros Três cemitérios municipais tiveram quedas de muros durante as chuvas deste início de ano. O primeiro caso foi no Cemitério do Araçá, na zona oeste de São Paulo, no dia 14 de fevereiro. A força da água derrubou a parede que separava o terreno da rua Monsenhor Alberto Pequeno. Relembre:
Nove dias depois foi a vez do Cemitério Vila Formosa, na zona leste, enfrentar o mesmo problema. Uma árvore derrubou o muro onde estava um dos ossuários do local, deixando expostas as ossadas que estavam armazenadas no espaço.
Nesta terça-feira (5/3), a terceira queda de muro foi registrada no Cemitério da Consolação, no centro da cidade. Cerca de 25 metros da construção na Rua Mato Grosso desabaram durante as chuvas. Imagens mostram que a queda deixou parte dos jazigos expostos.
A Consolare, que administra as unidades da Vila Formosa e da Consolação, diz que a reforma no muro da Vila Formosa já foi concluída e aguarda aprovação dos órgãos competentes para iniciar as obras na Consolação.
Caixões boiando Outra imagem que chamou a atenção neste ano foi um alagamento registrado no local destinado às urnas do Cemitério Vila Formosa. A cena, gravada no início de fevereiro, mostra três caixões boiando em um jazigo.
Segundo reportagem do jornal Brasil de Fato, funcionários encontraram o local inundado ao chegar para trabalhar. Em nota ao Metrópoles, a concessionária Consolare afirmou que os caixões que boiaram eram destinados ao sepultamento de membros amputados e que a água da chuva foi bombeada antes do sepultamento.
Zeladoria A falta de zeladoria em algumas unidades neste primeiro ano de concessão gerou reclamações entre os paulistanos que têm parentes enterrados nos cemitérios.
A psicóloga Natália Humberto, 36, afirma que o caminho que leva ao ossuário onde estão depositados os ossos de seu tio, no Cemitério Vila Formosa, vive cercado de mato alto e entulhos.
Ela diz que a cena é de “abandono” e destoa da renovação feita na sede da administração do espaço, que agora conta com “até com Wi-Fi”
“A administração é gigantesca, tem segurança, guarita, Wi-Fi, floricultura… Todo aquele cenário maravilhoso. Só que, quando você se depara com o ossuário [vê que], não mudou nada. Pelo contrário, tá pior do que estava antes”, afirma a psicóloga, que se diz decepcionada com as mudanças.
“É muito triste você tentar manter a memória do seu ente em uma situação tão precária”, disse.
Na zona norte da cidade, a técnica de enfermagem Eliane Cristina Lima Pereira, de 56 anos, também reclamou da falta de zeladoria no Cemitério Vila Nova Cachoeirinha, administrado pela Cortel, e disse que tem sido comum encontrar montes de entulho espalhados pelo local.
“Junta um monte de pedaço de caixão, pano rasgado, mato cortado. Fica bem alto e chega a ficar mais de uma semana ali [cada monte]”, diz ela.
Eliane reclama ainda do descaso da administração ao fazer a capinagem no local dos túmulos. Segundo a técnica de enfermagem, os funcionários que cortam a grama têm retirado também as flores deixadas semanalmente no local. A família paga um jardineiro particular para manter o túmulo bem conservado.
“É um desrespeito, isso não pode acontecer”, diz Eliane. O Metrópoles solicitou nota à concessionária responsável pelo espaço, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Pilha de ossos Em abril de 2023, o deputado estadual Simão Pedro e o vereador Helio Rodrigues, ambos do PT, entraram com uma representação conjunta no Ministério Público após terem acesso a imagens que mostram uma pilha de ossos amontoados no Cemitério da Saudade, na zona leste.
As ossadas estavam sem identificação ou lacre, em um local sem cobertura, à vista da população. Segundo reportagem da TV Globo, a pilha foi coberta por funcionários após as imagens viralizarem nas redes sociais. O Metrópoles tentou contato com o Grupo Maya, responsável pelo cemitério, mas não foi respondido até a publicação desta reportagem.
Aumento de preços O aumento dos preços cobrados para alguns serviços também foi motivo de reclamação entre paulistanos após a concessão. Em entrevista ao Metrópoles, a psicóloga Natália Humberto disse que o valor cobrado para a manutenção dos ossos de seu tio subiu de R$ 89 para R$ 354,39.
Ela afirma que procurou a ouvidoria para reclamar sobre o aumento e a falta de melhorias no local. Em resposta à reclamação, a concessionária Consolare disse a ela que os procedimentos e tarifas “são prestados em conformidade com as disposições contratuais”.
Agência funerária na capela No Cemitério da Consolação, a instalação de uma agência destinada à venda de serviços funerários dentro da capela do local fez com o que um grupo de moradores ligados ao cemitério enviasse um ofício à concessionária solicitando explicações.
Membro do Movimento de Defesa do Cemitério da Consolação, que enviou o ofício, Francisco Gomes Machado afirma que as famílias com parentes enterrados na unidade têm sentido falta de um local para realizar suas preces.
“Capela é para velório, oração, missas. Não para uma agência funerária”, diz o diretor da associação. Em nota ao Metrópoles, a Consolare disse que o espaço será desocupado até o final deste mês.
Apesar da queixa sobre a utilização da capela, Francisco afirma que a chegada da iniciativa privada trouxe melhorias na zeladoria e segurança do Cemitério da Consolação, que tem um histórico marcado pelos constantes furtos no local.
Francisco diz que as entradas da unidade estão melhor vigiadas agora e que a associação que ele dirige tem recebido um número menor de queixas sobre furtos do que recebia antigamente. O Movimento de Defesa do Cemitério da Consolação foi criado em 2015 após uma onda de denúncias sobre problemas com a segurança do local.
Na época, o grupo chegou a denunciar o descaso com o cemitério ao Ministério Público, que abriu investigação para apurar os problemas.
Francisco associa as denúncias de furtos que ainda restam ao horário de funcionamento do local. Segundo ele, o cemitério tem permanecido aberto durante a noite por causa da presença da agência funerária. “O cemitério antes fechava às 18h”, diz ele.
Reformas e investimento Apesar dos problemas relatados, as duas concessionárias que responderam o pedido de nota do Metrópoles afirmam que têm feito investimentos no local.
A Velar SP, que administra os cemitérios São Luiz, Freguesia do Ó, São Pedro, Itaquera e Penha, além do crematório de Vila Alpina, diz que fez intervenções que melhoraram as condições gerais de banheiros, salas de velório e áreas administrativas e de atendimento ao público.
A concessionária também cita melhorias na infraestrutura e acessibilidade, a presença de Wi-Fi gratuito nos locais e o reforço das equipes de segurança.
“Com essas intervenções, já se pode constatar significativas melhoras em itens como segurança, limpeza, conservação de áreas verdes, pintura, informações sobre preços, entre outras que vem sendo trabalhadas pela Velar SP”, diz a empresa em nota.
Já a Consolare afirma que foram investidos aproximadamente R$ 40 milhões em infraestrutura e manutenção das 7 unidades administradas pela concessionária: Quarta Parada, Santana, Vila Formosa I e II, Vila Mariana, Tremembé e Consolação.
A empresa diz que a necrópole da Vila Formosa passa por reformas estruturais, incluindo a substituição das covas rasas por gavetas de concretos. Quanto ao Cemitério da Consolação, a empresa afirma que tem um Plano de Restauro em andamento e aguardando aprovação final dos órgãos competentes.
“O projeto contempla a reforma dos muros, dos dois pórticos de entrada e também da capela, que está temporariamente sendo utilizada como agência funerária, e será desocupada até o final deste mês. A empresa aguarda a aprovação dos órgãos para dar início às obras”, diz a nota.
Em fevereiro, a concessionária entregou as obras no Cemitério Quarta Parada. A reforma contou, entre outros, com a revitalização dos espaços internos e dos muros, a instalação de câmeras de seguranças e a obra da capela.
As concessionárias Cortel e Grupo Maya não responderam a reportagem.