Um alvo, um sinal de resistência, um distintivo de honra, um símbolo da era nazista – o triângulo vermelho invertido pode ter vários significados. E por um deles, políticos da Alemanha querem impedir seu uso.
Ele apareceu, por exemplo, em vídeos divulgados pelas Brigadas Al-Qassam, o braço armado do Hamas, para marcar possíveis alvos militares israelenses, como tanques, logo após a invasão de Gaza por Israel.
A União Europeia, os Estados Unidos, a Alemanha e vários outros países classificam o Hamas como uma organização terrorista. Após os ataques do Hamas a Israel em outubro de 2023, a ministra do Interior alemã, Nancy Faeser, proibiu todas as atividades do grupo na Alemanha.
Em Berlim, o triângulo tem sido pintado com spray em vários locais, inclusive em um clube de techno e em um bar que tem realizado eventos contra o antissemitismo ou expressado solidariedade a Israel após os ataques de 7 de outubro. A polícia berlinense, no entanto, não sabe precisar a frequência com que o símbolo tem sido usado neste contexto.
O mesmo triângulo vermelho, embora não invertido, também aparece na bandeira palestina, que deriva de uma imagem pan-nacionalista de 1916. Quando os manifestantes colocam a bandeira em volta dos ombros ou quando ela é pendurada verticalmente em janelas, o triângulo aparece voltado para baixo.
Recentemente, o símbolo tem sido visto em vários contextos durante protestos pró-palestinos em câmpus universitários ao redor do globo, inclusive na capital alemã. Além disso, ele também tem aparecido em publicações nas redes sociais e em manifestações contra a guerra.
Pedidos de proibição por políticos na Alemanha No início de julho, a Câmara dos Deputados de Berlim aprovou uma moção de emergência que buscava estender a proibição do Hamas pelo governo alemão para incluir explicitamente o triângulo vermelho. O uso de símbolos de organizações anticonstitucionais ou terroristas é punido com pena de prisão de até três anos.
A moção apresentada pelos partidos governistas de Berlim – os democratas-cristãos (CDU), de centro-direita, e os social-democratas (SPD), de centro-esquerda – afirmava que “simpatizantes de organizações terroristas palestinas” estavam usando o símbolo para “marcar possíveis locais de ataque, ameaçar oponentes e reivindicar o espaço público como seu”.
A proposta acrescenta que o cartaz é uma ameaça à segurança e à ordem pública e está provocando medo, especialmente na comunidade judaica: “O objetivo é impedir a visibilidade pública do símbolo e garantir que o uso do triângulo vermelho invertido no contexto do conflito no Oriente Médio e do Hamas seja punido por lei”. O Ministério do Interior da Alemanha agora analisa a questão em nível nacional.
Triângulo vermelho: símbolo histórico de perseguição e orgulho Embora repetidamente evocado nos últimos meses como o “símbolo do Hamas”, o triângulo vermelho invertido é muito anterior à organização. Na Alemanha, por exemplo, ele é mais conhecido como um símbolo da era nazista e que mais tarde foi reivindicado por suas vítimas.
A Federação Nacional dos Perseguidos pelo Regime Nazista, Combatentes da Resistência e Antifascistas, a VVN-BDA, acusou os parlamentares de “amnésia histórica”. A entidade alemã também atacou os representantes da cidade de Berlim por se engajarem em uma política irrefletida na luta contra o antissemitismo e a inimizade contra Israel. Ao mesmo tempo, a VVN-BDA expressou horror com o “mau uso” do símbolo.
Desde meados da década de 1930, os prisioneiros eram obrigados a usar distintivos de pano com triângulos vermelhos nos campos de concentração nazistas. Isso fazia parte de um amplo sistema de classificação desumanizante.
“No começo, a maioria dos presos políticos eram social-democratas ou comunistas alemães e o vermelho do triângulo se referia às cores de seus partidos”, disse à DW o diretor da Fundação Memorial de Buchenwald e Mittelbau-Dora, Jens-Christian Wagner.
Mais tarde, explica, a maioria dos prisioneiros eram não-alemães de todo o espectro político que se opunham ao nazismo ou à ocupação de seus países pela Alemanha nazista.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os sobreviventes perseguidos, seus familiares e simpatizantes adotaram o símbolo como um distintivo de honra para a luta contra o fascismo, principalmente na Alemanha, mas também em toda a Europa. Da mesma forma, o movimento pelos direitos dos homossexuais posteriormente reivindicou o triângulo nazista de cor rosa.
O uso recente do triângulo vermelho foi condenado por Jens-Christian Wagner como “historicamente revisionista”. “Isso desacredita o triângulo vermelho como um símbolo da resistência contra o nazismo. Se seu significado for alterado e ele for usado para marcar inimigos a partir de uma perspectiva antissemita, isso precisa ser interrompido.”
Ambivalência de símbolos Mas o que os manifestantes pró-palestinos querem dizer quando seguram triângulos vermelhos em protestos contra a guerra contra Gaza ou os adicionam a postagens contra a guerra nas redes sociais?
“Símbolos são inerentemente ambivalentes, por isso são difíceis de regulamentar”, aponta Ralf Michaels, diretor do Instituto Max Planck de Direito Privado Comparativo e Internacional, em entrevista à DW. “Não se pode simplesmente presumir que eles significam apoio ao terrorismo quando os palestinos os utilizam e outra coisa quando outros o fazem”, acrescentou.
No final do ano passado, o Ministério do Interior da Alemanha listou o slogan “Do Rio ao Mar” como um símbolo do Hamas e proibiu seu uso nesse contexto. Alguns afirmam que o slogan, que é muito anterior ao Hamas, só pode ser interpretado como antissemita e como um apelo à matança em massa de judeus; outros o descrevem como um apelo à liberdade e à igualdade de direitos para todas as pessoas entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo.
Desde então, manifestantes pró-palestinos foram levados aos tribunais por usarem o lema em plataformas online ou em protestos, mas a legitimidade da proibição foi questionada por alguns tribunais em decisões recentes; em junho de 2024, uma decisão de um tribunal regional declarou que “a expressão desse slogan não é, de forma alguma, punível de forma geral”.
Paula Zimmermann, da Anistia Internacional da Alemanha, disse à DW: “A possível natureza criminosa de declarações e símbolos sempre deve ser verificada individualmente, com atenção especial à liberdade de expressão”.
Decisões controversas Desde os ataques de 7 de outubro e a subsequente invasão de Gaza por Israel, houve outras decisões controversas em Berlim em resposta aos eventos no Oriente Médio.
Entre elas, a proibição do uso do keffiyeh, o lenço palestino quadriculado em preto e branco, nas escolas de Berlim e o encerramento do “Congresso Palestino” de três dias na capital. além da proibição de entrada de dois de seus palestrantes, uma dos quais já foi anulada pelo tribunal.
“Tem havido uma confusão entre ser pró-palestino e contra a guerra em Gaza e ser antissemita ou pró-Hamas”, avalia Ralf Michaels, ressaltando que isso também se aplicou a judeus que expressaram solidariedade aos palestinos.
Na Universidade Humboldt de Berlim (HU), o triângulo foi usado no contexto de ameaças envolvendo os nomes da reitora da universidade e até mesmo do prefeito da cidade. Michaels questiona a necessidade de uma proibição para a acusações em tais circunstâncias.
“Se você marcar civis ou pessoas na Alemanha com um triângulo vermelho, a associação com agressão é muito forte. Nesse contexto, eu consideraria esses usos do símbolo altamente problemáticos. Não tenho certeza, porém, se seria necessário proibi-los especificamente porque, mesmo sem a proibição, eles podem ser vistos como incitação à prática de um crime grave”, acrescentou o especialista jurídico.
Confira mais reportagens como esta em DW, parceiro do Metrópoles.