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Políticas públicas e Ministério Público: debate sobre Direitos Humanos

Por que legislações progressistas e emancipatórias contrastam com uma realidade que nega a prescrição normativa? Somente por meio de enunciados normativos concretizamos direitos? Essas perguntas deveriam animar os debates das pessoas com formação jurídica – os juristas.

Aliás, a negação da norma pela realidade deveria ser a preocupação primeira e urgente de todos os atores do sistema de Justiça. O Ministério Público é instituição delineada pela Constituição para justamente concretizar essas prescrições normativas de caráter mandatório.

A determinação de realização obrigatória dos direitos que movem a atuação do Ministério Público mostra-se, normativamente, condição para a realização do Estado de Direito e da cidadania.

As respostas a essas perguntas tocam diretamente a missão do Ministério Público. Entendê-lo como garantia institucional para concretização dos direitos sociais e individuais indisponíveis conduz diretamente ao debate sobre o próprio papel que o direito exerce diante da ação do Estado para concretização de direitos.

O papel que o direito exerce na sua relação com as políticas públicas é multidimensional: entender essas dimensões é premissa para uma prática que leve, concretamente, à fruição de direitos.

O direito exercita uma dimensão substantiva, quando se apresenta como o próprio objeto da política pública. Ele cristaliza opções políticas e as formaliza (ou deveria formalizá-las) como opções cogentes, mandatórias. Ainda, o direito estabelece a ordem de prioridades entre os objetos das políticas públicas.

Essa compreensão é particularmente relevante em contextos de escassez ou de escolhas trágicas na execução dos parcos recursos do Estado. O direito igualmente cumpre uma dimensão estruturante: ele estabelece quem faz o que e com quais competências. Essa dimensão é particularmente relevante quando se discute a responsabilidade das instituições quando descumpridas ou falhas as políticas públicas.

Há uma dimensão instrumental que o direito cumpre nas políticas públicas, pois ele estabelece os meios jurídicos adequados, à luz dos objetivos a serem perseguidos, para a implementação da ação do Estado.

Ação do Estado

O direito não é obstáculo; antes, ao contrário, é a via pela qual transita a ação do Estado. Por fim, há uma dimensão participativa, na qual o direito deve se preocupar em dar voz e garantir controle social da política pública – especialmente dos atores potencialmente interessados nessas ações.

Trata-se do direito como vocalizador de demandas, pois, no jogo político, nem todas as vozes são ouvidas, máxime quando falamos de minorias, vulneráveis e grupos invisibilizados.

Explicitar as dimensões e, a partir delas, compreender os papeis que o direito cumpre na política pública (objetivo, arranjo institucional, ferramenta e vocalizador de demandas) pode conduzir falsamente a um certo fetiche dirigido ao papel do direito na concretização de direitos humanos.

Aqui reside o necessário constrangimento para compreender adequadamente o que são os direitos humanos.

Entender os direitos humanos como prescrições normativas de direitos é reduzi-los e esvaziá-los do conteúdo que verdadeiramente os move. Direitos humanos são processos de luta, são campos de tensionamento para a abertura política de novos sujeitos ou novos espaços que potencializam direitos.

O sentido concreto de direitos humanos não os confudem com os enunciados que, juridicamente, os formalizam. São processos de luta, para assegurar justamente o acesso igualitário e não hierarquizado aprioristicamente a bens materiais e imateriais.

Pensemos concretamente nessas ideias. O acesso aos serviços públicos, no Brasil, é assegurado de maneira igual a todos? A segurança pública é assegurada igualitariamente a todos os cidadãos? Asseguramos a mulheres e a grupos que desafiam a heteronormatividade iguais condições de segurança e respeito à integridade, para o exercício das potencialidades dessas pessoas?

Seria curioso “testar” essa proposição passeando pelas ruas do Distrito Federal em iguais condições, mas em diversos lugares, para enxergarmos o que restaria do nosso passeador imaginário. Ou questionar se o acesso à própria Justiça se dá igualitariamente pelas camadas da população mais vulnerável financeira e socialmente. Ou, ainda, questionar se acessamos a educação, bem que deveria ser universal e assegurado a todas as crianças, aos adolescentes e jovens de maneira igual seja pelas vias do ensino público, seja pelo caminho das instituições privadas. Os testes são inúmeros.

Se o leitor enxergou as distinções dos fazeres sociais a partir de uma hierarquia que não é informada propriamente pelo direito, então ficou claro o grau de complexidade missões outorgadas ao Ministério Público hoje.

O compromisso do Ministério Público é justamente com essa ideia viva e latente de direitos humanos. Não se trata de uma pauta institucional ou de titularidade única, mas que anima – numa radicalidade insurgente – os tensionamentos institucionais para concretizar direitos.

Direitos dos mais vulneráveis

Os exemplos são múltiplos: a prioridade das políticas de proteção da infância; as políticas dirigidas a gerações futuras no campo do meio ambiente, da ordem urbanística e do patrimônio histórico; a promoção dos direitos dos mais vulneráveis; a emergência da população idosa como parcela vulnerável da população; grupos historicamente discriminados, como negros, indígenas e coletivos LGBTQIAPN+; as preocupantes cifras da criminalidade violenta que castigam justamente as populações mais vulneráveis economicamente; a precarização dos serviços de saúde; etc. A lista de temas é enorme. Mas, ao contrário de revelar o impossível, presta-se para indicar que hoje enxergamos o que até pouco atrás sequer víamos.

Reduzir a distância cruel entre o enunciado normativo e o direito vivido pelo cidadão é a missão que anima a atuação do Ministério Público. Quando isso é visto pelo prisma da política pública, tal qual o Ministério Público cobra dos demais Poderes o cumprimento dos objetivos da ação do Estado, é preciso igualmente se cobrar para a institucionalização de ações e práticas que movimentem esses direitos humanos.

Na tarefa de colocar os direitos humanos em prática, são etapas necessárias a visibilidade dos sujeitos que titularizam esses direitos, o questionamento dos critérios que pavimentaram uma realidade tão dissociada do que enuncia a norma e a proposição de alternativas para mudança dessa realidade.

Transformar o mundo para alcançar o que ele pode ser: essa construção utópica deixa o campo do sonho para ingressar na realidade quando os processos de luta por direitos são pauta das instituições do sistema de Justiça.

Antonio Henrique Graciano Suxberger é promotor de Justiça no Distrito Federal, doutor e mestre em direito e professor universitário

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