Em um relacionamento reconhecido como união estável, uma médica e uma enfermeira que trabalham na Maternidade Climério de Oliveira, em Salvador, conseguiram na Justiça o direito à licença-maternidade pelo nascimento da filha. A decisão da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT-BA) manteve decisão da 37ª Vara do Trabalho da capital baiana, e ainda cabe recurso.
O caso foi parar na Justiça do Trabalho após a médica Bárbara (nome fictício) ter solicitado a licença-maternidade, em setembro de 2023, e teve o pedido negado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).
A sua esposa, a enfermeira Jéssica (nome fictício), gerou o bebê enquanto ela realizou tratamento para amamentar a criança. O casal optou pela técnica de reprodução assistida, na qual um embrião foi implantado no útero de Jéssica.
A EBSERH argumentou que não havia previsão legal para o caso e que a licença seria concedida apenas à esposa que gestou. Bárbara foi orientada a aguardar a decisão da Diretoria de Gestão de Pessoas e da Consultoria Jurídica. Sem receber uma resposta e com o parto previsto para janeiro de 2024, ela decidiu ingressar com uma ação.
Em sua defesa, a EBSERH alegou que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê o direito à licença-maternidade apenas para a mãe gestante, ou para quem adotar ou tiver a guarda judicial de uma criança. A empresa também afirmou que, no caso de adoção conjunta, apenas uma das mães teria direito à licença.
DECISÃO NA 1ª INSTÂNCIA
Para a juíza da 37ª Vara do Trabalho de Salvador, o nascimento de uma criança em uma família formada por um casal do mesmo sexo garante os mesmos direitos e deveres de qualquer outro casal. Isso inclui o reconhecimento de ambos como pais ou mães, com todas as responsabilidades legais, como o de cuidado, educação e proteção.
Segundo a magistrada, a união estável e o casamento homoafetivos são legalmente reconhecidos, o que legitima a maternidade de ambas. Para ela, a ausência de uma norma específica não impede o exercício da maternidade e dos direitos dela decorrentes. A juíza também destacou que a licença-maternidade não se limita à recuperação do parto, mas visa ao fortalecimento do vínculo afetivo com a criança.
O tratamento desigual dado à mãe não gestante, “uma mãe que acaba de ter uma filha e a amamentará, acaba por resultar em uma conclusão perpetuadora das desigualdades”, refletiu a juíza, ao conceder a licença-maternidade.
ANÁLISE DA 2ª INSTÂNCIA
A empresa recorreu da decisão. A relatora do recurso, desembargadora Ana Paola Diniz, baseou-se em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero para embasar sua análise.
A desembargadora ressaltou que ser uma mulher lésbica não implica no reconhecimento de uma identidade de gênero masculina, destacando que os casos devem ser avaliados individualmente, sem estereótipos. “As particularidades devem ser examinadas caso a caso, e não com um padrão preconceituoso de que todas as relações homossexuais são iguais”, afirmou.
A relatora considerou inaceitável uma interpretação limitada dos direitos de casais homoafetivos. Conceder licença-maternidade apenas à mãe que gestou, quando ambas podem amamentar, cria uma distinção de direitos baseada em questões biológicas, o que gera uma desigualdade jurídica e desconsidera a proteção à maternidade da outra mãe. A desembargadora manteve a decisão favorável à licença-maternidade, sendo acompanhada pelos desembargadores Renato Simões e Maria de Lourdes Linhares.