A morte da cantora Rita Lee, na última segunda-feira (8 de maio), aos 75 anos, vítima de um câncer de pulmão, consternou o Brasil. E não era para menos. Além da sua genialidade, Rita quebrou padrões como a primeira mulher a liderar uma banda de rock, desafiando um ambiente totalmente machista; compôs canções que moldaram toda uma geração e sincera não tinha papas na língua. Ela nunca foi uma santa. E isso a tornava uma mulher fascinante dai nos últimos anos de vida tornou-se uma unanimidade.
Rita Lee e Gilberto Gil num dos muitos encontros nos anos 1970 – Foto: Divulgação |
Tudo o que se tinha a falar da artista foi falado desde que sua morte foi anunciada. Mas, o Baú do Marrom vai lembrar da relação quase umbilical dessa paulistana com a Bahia e os baianos. Principalmente os Doces Bárbaros. A começar por Caetano Veloso que bem a definiu no clássico Sampa (em homenagem à cidade de São Paulo) “ainda não havia para mim Rita Lee a tua mais completa tradução”.
Gal Costa gravou a música “Me recuso” (me recuso a ficar só, antes mal acompanhada) no disco Caras e Bocas. Maria Bethânia cantou com ela “Baila Comigo no programa Chico e Caetano de 1996. Mas foi com Gilberto Gil a quem ela chamava de Jiló que Rita teve a maior intimidade. Afinal foi Gil quem, ao conhecer Rita com os Mutantes, convidou o grupo para se apresentar no Festival da Canção de 1967 da Record, com a música Domingo no Parque que ficou em segundo lugar.
Também foi Gil quem foi à casa dos pais de Rita pedir autorização para que ela pudesse viajar para o Rio de Janeiro e participar do famoso show na Boate Sucata quando a policia invadiu o recinto e todos fugiram. “Uns foram presos outros escaparam” relembraram os artistas durante a gravação do programa de Bela Gil pelo GNT quando Gil e família foram até São Paulo encontrar com Rita.
Os caminhos deles dois iriam se cruzar em 1970 no exilio londrino de Gil e Caetano, quando Rita ao sair dos Mutantes (ela disse que foi expulsa) atravessou o Atlântico para encontrar com ele na capital da Inglaterra. Passada a turbulência e de volta ao Brasil, mais uma vez o destino iria juntar os dois. Em 1976 durante a turnê dos Doces Bárbaros, Gil foi preso em Florianópolis por porte de maconha. Foi julgado e condenado a um ano de prisão. Como se declarou usuário ficou quatro meses em um hospital psiquiátrico. Nesse show tinha uma música chamada Quando que era uma homenagem a Rita:
Rita Lee, i, i
Tiu, tiu, ru, ru, ru
Rita Lee, i, i
Tiu, tiu, ru, ru, ru
Com todo prazer
Quando a governanta der o bode
Pode crer que eu quero estar com você
Superstar com você
Há muito tempo
Uma mulher sentou-se
E leu na bola de cristal
Que uma menina loira
Ia vir de uma cidade industrial
De bicicleta, de bermuda, mutante, bonita
Solta, decidida, cheia de vida etc e tal
Cantando o yê, yê, yê, yê, yê, yê, yê
Também em 1976, grávida de seu primeiro filho Beto Lee, Rita foi presa por porte de maconha. Gil e Rita Lee são compadres. Ele batizou Beto Lee o primeiro filho da cantora com Roberto de Carvalho. Tanta coincidência levou os dois a fazerem em 1977 o show Refestança que percorreu o Brasil. E passou por Salvador no hoje inexistente Ginásio Antônio Balbino o Balbininho. Em um baú especifico sobre o tema eu escrevi:
“O Balbininho ficava ao lado do antigo Estádio Otávio Mangabeira (Fonte Nova) e era palco de grandes eventos musicais e esportivos. Tinha uma acústica horrorosa. Infelizmente com a construção da chamada Arena Fonte Nova, resolveram derrubar o ginásio ao invés de reformarem e melhorarem como fizeram com o estádio. Coisas da política que a gente não entende.
Independente de saber que a acústica não era das melhores a multidão lotou o espaço e caiu na Refestança. Era um show bem prá cima com Gilberto Gil e Rita Lee se divertindo. Se fosse nos tempos de hoje com as redes sociais, com certeza todos os flashes seriam dirigidos ao casal Nelson Mota e a saudosa Marilia Pera que assistiram o espetáculo como duas pessoas comuns.
No repertório a inédita Refestança que dava nome ao show e os grandes sucessos dos dois artistas. A exemplo de Ovelha Negra, Back in Bahia. De Rita, “Arrombou a Festa”, “Jiló”, a canção que ela fez para Gil; De Leve, versão pra Get Back dos Beatles, Odara (Caetano Veloso) e é Proibido Fumar sucesso de Roberto Carlos que funcionou como uma espécie de ironia já que eles tinham sido presos justamente por terem fumado a chamada ‘erva maldita”.
Rita Lee e Gilberto Gil num de seus últimos encontros (Foto: Guilherme Samora Divulgação) |
O último encontro entre Gil e Rita aconteceu durante o programa Refazenda com Bela Gil em janeiro de 2020 no canal GNT quando ele se reencontraram depois de dez anos. Além dos petiscos vegetarianos preparados por Bela, Gil cantou Refazenda uma das músicas preferidas de Rita. E num gesto carinhoso, Rita se referiu a ele como “meu cancerianozinho lindo’ e ele retribuiu “minha cabrinha caprichosa, Capricórnio”. Para quem não entende de astrologia, Câncer (Gil) e Capricórnio (Rita) são signos opostos complementares