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A Enel vai sair do país? Confira o que pode acontecer, de acordo com especialistas

O que vai acontecer agora com a Enel no Brasil? Ela pertence à segunda maior empresa de energia do mundo, a Enel italiana, e aqui é responsável por levar eletricidade a 15 milhões de unidades consumidoras no País, sendo que mais da metade somente na grande São Paulo. Sua situação é delicada e pode estar por um fio, após o apagão que deixou milhões de consumidores no escuro no último dia 11.

Num primeiro momento a companhia havia informado que 2,1 milhões de domicílio tinham sido afetados, mas sete dias depois seu presidente, Guilherme Lencastre, convocou uma coletiva para informar que na verdade foram 3,1 milhões. Como pode uma empresa desse porte e com essa responsabilidade errar em 50% seus prognósticos?

+Ministro não vê possibilidade no momento de anular contrato de concessão da Enel SP

A Enel informou ainda que a situação beirava à normalidade com 36 mil domicílios no escuro. Será esse mesmo a régua de qualidade com que a companhia trabalha?

Para o professor Marco Sabino, professor da FIA Business School, a revisão de clientes prejudicados “demonstra completa falta de controle” e, pelas declarações, há tentativa de vincular os desastres aos eventos fortuitos. Sua demora em agir, dar respostas aos clientes e solucionar os problemas levou ao acúmulo de prejuízos gigantes a consumidores e empresas. Causou indignação ao responder que não tinha previsão para a normalização dos serviços após o inferno que causou na cidade, permitiu que o caos se instalasse e virasse uma ferida exposta por vários dias na maior cidade do Brasil.

Mas o que vai acontecer daqui para frente? Será multada? Sofrerá intervenção? Sua licença de operação vai ser cassada? Ou terá de deixar o Brasil?

Com a queda de árvores e o rompimento das linhas de transmissão, consumidores da capital paulista ficaram sem luz por mais de sete dias (Crédito:Marco Ambrosio/Ato Press) (Crédito:AFP)

Do ponto de vista técnico, especialistas afirmam que a resposta vai depender das cláusulas que assumiu em seu contrato de concessão e da interpretação da agência reguladora, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).  Se esta entender que a empresa não está cumprindo o que prometeu, a companhia fica sujeita a penalidades severas, não apenas de advertência ou aplicação de multas, mas de intervenção imediata e da suspensão ou término de sua licença para operar na distribuição de energia.

Movimentos das mais variadas frentes não faltaram nesse sentido e tiveram uma escalada surpreendente em menos de uma semana diante da gravidade da situação. “Não há vantagem em manter o contrato de concessão. A enel deve sair do brasil. O ministério de minas e energia e a aneel sem dúvida falharam”, disse Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo.

O Ministério das Minas e Energia, por seu lado, abriu um processo disciplinar contra a Enel e solicitou o fim de sua permissão para operar. A Controladoria-Geral da União (CGU) entendeu que a maior falha foi da Aneel, por não fiscalizar devidamente a empresa com tamanha responsabilidade no fornecimento de um serviço público essencial. Por isso, vai promover uma auditoria no processo de fiscalização da Aneel.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, se juntou aos prefeitos de municípios afetados, inclusive a Ricardo Nunes, seu aliado da capital, para pedir ao Tribunal de Contas da União (TCU) intervenção imediata na empresa ou extinção (caducidade) do contrato em vigor.

Em ação movida pelo Ministério Público de São Paulo e Defensoria Pública estadual, a Justiça concedeu liminar no último dia 16, em primeira instância, permitindo à Enel recorrer da decisão. Na decisão, há um prazo de 24 horas, a partir do momento de sua publicação no Diário Oficial da Justiça para o restabelecimento total dos serviços e está prevista uma multa de R$ 100 mil por hora de descumprimento da sentença.

Outras regiões

O cerco vai se fechando, e os precedentes em território nacional são negativos. Definitivamente, a companhia não está bem na foto. Com operações no Ceará e Rio de Janeiro, além de São Paulo, a Enel já foi alvo de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em todos esses estados.

No relatório da CPI do Ceará, a Assembléia Legislativa concluiu que a empresa “descumpriu de forma sistemática as obrigações previstas no contrato de concessão”. O mesmo documento pede a extinção da concessão, afirmando que houve redução nos investimentos para a manutenção do parque elétrico, descumprimento de prazos para a entrega de obras e falhas na fiscalização e aplicação de sanções pela Aneel.

No Rio, a Enel foi multada em R$ 13 milhões em decorrência de interrupções no fornecimento de energia entre novembro de 2023 e janeiro de 2024, sendo que em uma delas o restabelecimento dos serviços demorou cinco dias.

Em São Paulo, embora o relatório tenha apontado irregularidades e negligências cometidas pela concessionária entre 2018 e 2023 e solicitado uma intervenção na empresa, nada aconteceu. Todos os processos, que pareciam submersos, vieram à tona depois do último apagão e com cobranças para o fim da operação da concessionária.

Foi o que aconteceu em Goiás, onde a companhia caminhava para ter sua licença cassada. Uma manobra habilidosa de transferência de controle evitou do desfecho drástico. A Equatorial, outra empresa que opera no País, comprou a Enel de Goiás por R$ 1,58 bilhão e assumiu a dívida de R$ 5,7 bilhões no final de 2022. A operação foi concluída em fevereiro de 2023, quando a transferência foi então efetivada.

Concessionária tenta atribuir à Prefeitura paulistana, sob a gestão de Ricardo Nunes, a responsabilidade pelos incidentes. O ministro Alexandre Silveira (abaixo) abriu processo disciplinar e pediu o fim do contrato de concessão (Crédito:Divulgação)

Ajustando as lentes para uma distância maior, é possível ver que a história se repete em países vizinhos. Em agosto, o Chile enfrentou problemas de abastecimento de energia com a Enel local. O presidente do país, Gabriel Boric, pressionou a empresa exigindo rapidez para normalização dos serviços, além de pedir a revisão da concessão. Na ocasião, exigiu um comunicado ratificando que a empresa atenderia a sua solicitação.

No Peru, a concessionária fechou um acordo com a China Souther Grid para vender seu ativos por US$ 2,9 bilhões com a redução de suas dívidas em 3,1 bilhões de euros (R$ 19 bilhões). A operação está em linha com o plano da Enel italiana de reorganização da presença geográfica como forma de reduzir o endividamento.

Na estratégia, está prevista de venda de negócios na Argentina e Romênia avaliados em 21 bilhões de euros. São cifras que não parecem tirar o sono de seus diretores nem dos investidores, afinal a Enel global atingiu um lucro líquido de 1,9 bilhão de euros (R$ 11,7 bilhões) apenas no primeiro trimestre de 2024. No semestre, o resultado sobe 4,1 bilhões de euros (R$ 25,3 bilhões).

Diferentemente do que acontece no hemisfério Sul, a Enel italiana não enfrenta questões dessa natureza na matriz.

CPIs foram instaladas em outras regiões de concessão da Enel, como Ceará (abaixo) e Rio de Janeiro (Crédito:Tauan Alencar)

Ao contrário, lá ela é vista como uma das operadoras de maior prestígio, confiável e estável por deter uma fatia de 23,6% de seu capital nas mãos do governo da Itália, aí representado pelo Ministério da Economia e Finanças. Há destaques para a participação da BlackRock, uma das maiores gestoras de ativos do planeta, com 5% do capital.

A maior parcela do capital (58,6%) está com investidores institucionais, os fundos de pensão. Desse universo, 42,8% pertencem a fundos de investimentos ESG, signatários do PRI (Princípios do Investimento Responsável), que recebe o apoio da ONU. Os minoritários respondem por 17,8% do total e não parecem muito satisfeitos com a escolha pelo governo do atual presidente do Conselho da companhia, Paolo Scaroni.

Alçado à posição, na opinião de parte dos minoritários (3%), participantes de hedge funds e do fundo soberano de petróleo da Noruega, muito mais por seu trânsito político (era antigo aliado do ex-primeiro-ministro Sílvio Berlusconi) do que pelo seu conhecimento do setor e experiência em energias renováveis, onde a Enel desempenha papel de liderança. Houve contestação, que veio a público, mas com 23,6% da Enel, o governo conseguiu emplacar a nomeação.

(Maximo Moura)

A regulação No Brasil, ainda que haja processos sendo tocados em diferentes esferas contra a Enel, vai pesar muito para seu destino no País a leitura que a Aneel terá sobre os acontecimentos que envolveram o último apagão.

O professor da Fundação Getúlio Vargas Direito Rio Sérgio Guerra, especialista por acompanhar o funcionamento das agências por 30 anos, ressalta que é esse mesmo o papel da Aneel. Precisa ter a devida distância das pressões políticas, do clamor público e da empresa.

A análise deve se basear em questões técnicas firmadas em contrato, aos fatos, à falta de energia por conta de queda de árvores e se havia a possibilidade, ou não, de ter uma resposta imediata da empresa. E, além disso, se os investimentos estão sendo feitos, se há funcionários compatível com número de clientes e assim por diante.

Do que ficar provado, a empresa pode receber advertências, multas e, a partir daí, há uma bifurcação no processo, explica Guerra. O processo de caducidade, em que a concessão é cassada, pode ser instaurado. Mas haverá um prazo, de 180 dias, para que a empresa demonstre se tem ou não condições de continuar operando como concessionária. Se tiver condições, o processo é extinto e a concessão é devolvida e a empresa continua fornecendo os serviços. Caso contrário, a agência acaba com a concessão e uma nova operadora assume.

A Aneel, órgão regulador do sistema elétrico no País, tem sido questionada pela falta de fiscalização sobre as empresas de distribuição (Crédito:Divulgação)

(Divulgação)

Uma outra possibilidade é a intervenção, como foi pedida pelo governador e prefeitos de municípios de São Paulo ao TCU. “Ela é instantânea, e é uma medida extrema, não é um processo banal, a situação tem de se muito grave”, afirma o professor da FGV. Ele esclarece também que a intervenção pode ser feita pela própria Aneel, que passou a ter competência com a Lei 12.767, de 12/08/2012, uma medida provisória editada pela ex-presidente Dilma Rousseff que se transformou em lei.

O presidente da República também tem amparo legal para tomar essa mesma providência. O professor Sabino, da FIA, lembra que estão bem claras as responsabilidades em relação ao consumidor. A Enel deverá responder aos prejuízos perante seus clientes. Ele recomenda que antes de entrar com ações na Justiça contra os prejuízos, que até poderão ser tomadas de modo coletivo, o consumidor tente as formas administrativas, pelos canais que a própria empresa abre em seu site para isso.

Já o professor da FGV lembra que, em paralelo aos processos de caducidade ou intervenção, os serviços de proteção ao consumidor, ou a própria Secretaria Nacional do Consumidor podem ser acionados.

(Divulgação)

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