A orquestra do acaso

Sempre que pensamos no presente alguém recorda que no passado imaginávamos nossas vidas sem a perspectiva de um futuro sombrio. Era até divertido clamar pela vinda de um meteoro com o ímpeto corajoso de um dinossauro, louco para ser extinto. Aprendemos na escola que, ao entrar em contato com a atmosfera, asteroides costumam se dividir em fragmentos luminosos e cair do céu sem estardalhaço.

Só uma bagunça no Universo nos colocaria em rota de colisão com Ceres, Palas ou Vesta. Já aconteceu antes. Pestes tão devastadoras quanto a que flagelou nosso planeta idem. Meses antes do início da pandemia em Wuhan, cientistas arriscaram a reconstituição do dia do impacto do Meteoro de Chicxulub, há mais de 66 milhões de anos, analisando uma rocha de 130 metros, retirada do local da queda, no Golfo do México.

Especialistas contam que o planeta teria ficado por quase dois anos em escuridão completa, por conta da fumaça de incêndios recorrentes que obnubilaram (sempre quis usar essa palavra em um texto) o Sol. Brincávamos de pique-esconde com a indesejada das gentes, em bravatas sobre o fim do mundo, porque o rumo de nossas vidas parecia bem traçado. De acordo com o cálculo das probabilidades, uma pilhéria.

Com a devida licença poética, Manuel Bandeira, o máximo que poderia acontecer seria topar com um amor imprevisto aos 70 anos ou com uma trupe de pinguins perdida nas praias da Bahia. A doença e a morte eram certezas das quais fugíamos, forjando pequenas alegrias cotidianas. Do futuro, cuidavam a cartomancia, o I Ching e os búzios. Vivíamos entregues à batuta do acaso, esse maestro de vastos recursos técnicos.

Na orquestra do acaso, nós éramos os músicos e pouco arriscávamos no improviso. Seguros de que as oportunidades se sucederiam, seguíamos sempre a mesma partitura histórica, certos de que aquela era a única música possível. Nós, os sonsos essenciais, como bem descreve Clarice Lispector em Mineirinho. Nunca ousávamos desafinar o coro dos contentes, porque o coro dos contentes era o nosso.

Ando lendo um livro chamado Notícias: manual do usuário, escrito por Alain de Botton. Trata-se de autor suíço, radicado em Londres, celebrado por popularizar a filosofia em títulos que beiram a autoajuda, do tipo Como pensar mais sobre sexo. Há um trecho nesse livro que ando lendo que me levou a escrever esta crônica. Nele, o autor afirma que é o medo que nos leva a assistir todos os dias o noticiário.

Nosso pai e nosso companheiro, como canta Drummond em seu “congresso”. O medo de que um imprevisto nos alcance, seja um desastre aéreo, o extremismo bárbaro ou a disseminação de um novo vírus. Para nos antecipar ao inesperado, estabelecemos ciclos e monitoramos até mesmo o nosso desejo. Também por medo inventamos esperar um meteoro imaginário que nos devolva algum controle sobre o imprevisível.

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