A investigação que mira Carlos Bolsonaro e que levou a buscas da Polícia Federal na manhã desta segunda-feira em endereços do filho 02 do ex-presidente Jair Bolsonaro vai muito além do software de monitoramento usado clandestinamento pela Abin, o serviço secreto do governo, para esquadrinhar os passos de gente considerada inimiga do bolsonarismo.
Esta nova fase das apurações que têm o clã Bolsonaro como alvo surgiram, é bem verdade, a partir das evidências de uso indevido do FirstMile, o sistema de tecnologia israelense que, nas mãos de aliados do ex-presidente, parece ter se transformado em arma política. A trama, porém, não para aí.
Carlos entrou na roda da apuração em razão da suspeita de que ele comandava uma megaestrutura de arapongagem que servia ao governo do pai.
Há indícios diversos de que 02 foi mentor e gerente da chamada “Abin paralela”, que se servia de agentes instalados estrategicamente em órgãos do Estado brasileiro para produzir dossiês e escarafunchar a vida de rivais do governo, bem como para monitorar o andamento de investigações que poderiam causar embaraços ao próprio clã Bolsonaro e a aliados.
A ponta da apuração relacionada ao FirstMile acabou se conectando com as antigas suspeitas envolvendo a atuação da chamada “Abin paralela” — à qual o próprio Jair Bolsonaro chegou a se referir enquanto presidente, ainda que indiretamente, ao dizer que seus serviços informais de inteligência funcionavam melhor do que os oficiais.
Projeto mobilizou homens de confiança do clã A estrutura criada por Carlos tinha em Alexandre Ramagem, delegado da Polícia Federal alçado ao posto de diretor-geral da Abin, um de seus sustentáculos. Ramagem ganhou a confiança do clã, e especialmente do filho 02 de Jair Bolsonaro, ao trabalhar na equipe que passou a fazer a segurança do então candidato presidencial na campanha de 2018 após o episódio da facada, em Juiz de Fora.
Ao ser escolhido para chefiar a agência de inteligência do governo, o delegado levou consigo alguns agentes da PF de sua estrita confiança, e que também haviam se aproximado dos Bolsonaro durante a corrida eleitoral.
Na Abin, de acordo com as investigações, eles passaram a ter uma espécie de jornada dupla: para além das atribuições oficiais, atendiam às demandas paralelas de Carlos e do núcleo duro do Bolsonaro, que incluíam ações de arapongagem de interesse do grupo.
A acusação de Gustavo Bebianno Em 2 de março de 2020, no programa Roda Viva, da TV Cultura, o ex-ministro Gustavo Bebianno falou abertamente, pela primeira vez, sobre o plano da “Abin paralela”.
Bebianno havia sido um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro desde a campanha. Após a posse, foi nomeado ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, um dos cargos do primeiro escalão do governo que dão mais acesso ao presidente. Caiu ainda em 2019 por divergências com a família — um dos motivos foram justamente os entreveros com Carlos Bolsonaro.
Na entrevista, da qual participei a convite da âncora Vera Magalhães, Bebianno afirmou textualmente que foi de Carlos a ideia de criar a “Abin paralela”. Eis o que disse o ex-ministro:
“Um belo dia o Carlos me aparece com o nome de um delegado federal e de três agentes, que seriam uma ‘Abin paralela’ porque ele não confiava na Abin. O general Heleno foi chamado, ficou preocupado com aquilo, mas o general Heleno não é de confrontos e o assunto acabou ali com o general Santos Cruz e comigo. Nós aconselhamos o presidente que não fizesse aquilo de maneira alguma, porque é muito pior que o Gabinete do Ódio… Aquilo também seria motivo para impeachment.”
Objetivo era montar dossiês e atacar adversários, disse ex-ministro Perguntei a Bebianno qual era a ideia do 02 ao propor a criação da tal “Abin paralela”, discutida seriamente dentro do Planalto com os ministros mais próximos do então presidente da República. “Imagino que seja para ataques a adversários, montagem de dossiês, atacar políticos, jornalistas…”, respondeu Bebianno, que morreria doze dias depois, vítima de um infarto fulminante.
Veja o vídeo:
“Existe uma paranoia ali, familiar, de não se confiar em ninguém. No fundo ele não confia no general Heleno (Augusto Heleno Ribeiro, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional), no fundo ele não confia no general Ramos (Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo à época)… Ele não confia em ninguém”, deixando subentendido que estava se referindo não apenas a Carlos, mas também ao próprio Jair Bolsonaro. Indagado se a “Abin paralela” chegou a operar, Bebianno disse não ter a resposta porque deixou o governo pouco depois de se opor à proposta do 02.
Quase quatro anos depois, a história vai ganhando novos — e rumorosos — capítulos.