A história dos Estados Unidos tem sido tão complexa durante as últimas décadas, que muitas vezes nos esquecemos do que aconteceu meio século atrás. Em 1977, quando James Earl Carter Jr. assumiu a Casa Branca, não só seu país era uma outra nação, mas o mundo seguia outra configuração. Os Estados Unidos tinham acabado de sair da Guerra do Vietnã, conflito sangrento, que referendou a mais inesperada derrota do mais forte exército do mundo, mas mobilizou grande parte da população americana para se colocar contra os esforços de guerra. A Guerra Fria seguia de maneira intensa, onde Leonid Brezhnev em Moscou não se sentia intimidado com o sucessor de Richard Nixon e Gerald Ford em Washington. Internamente, os Estados Unidos passavam por um período de efervescência política, após os movimentos de luta pelos direitos civis e a participação mais ativa de grupos minoritários nas grandes decisões nacionais.
A trajetória de Jimmy Carter cruzou com a essência norte-americana em vários pontos da sua vida, nascido no rural estado da Geórgia, cresceu em uma fazenda e manteve sempre seu amor pela agricultura e uma vida simples, se colocando na vida política de forma modesta desde sua primeira posição como membro da assembleia estadual até chegar à presidência. Antes de entrar para a vida pública também fez parte de uma das principais instituições norte-americanas, a Marinha dos EUA, onde atuou como engenheiro nuclear, trabalhando principalmente com submarinos movidos através da energia atômica. Anos mais tarde se tornou governador de seu estado natal por um mandato, e após os sucessivos escândalos dos republicanos com o caso Watergate chegou ao mais alto cargo da república. Sendo um homem simples e de sorriso conhecido, focou-se em implementar políticas mais voltadas a consolidar as conquistas da década anterior, expandindo os direitos concedidos às mulheres e às minorias étnicas. Seu passado ligado à agricultura, fez com que se dedicasse à preservação ambiental, estabelecendo o Departamento de Energia e promovendo iniciativas ligadas a proteção dos parques nacionais. Conquistas importantes, mas muitas vezes esquecidas pelos próprios americanos após turbulentas décadas desde Bush até Biden.
Talvez na política externa, todavia, Jimmy Carter tenha se tornado mais memorável para os estrangeiros do que para os seus eleitores e concidadãos. Logo no início de seu mandato teve um grande trunfo com o Acordo de Camp David em 1978, onde historicamente consegue mediar o encontro entre o presidente egípcio Anwar Sadat e o primeiro-ministro israelense Menachem Begin, resultando em um acordo de paz entre Egito e Israel, concluindo de forma pacífica décadas de conflito entre vizinhos que travaram múltiplas guerras. Desde a fundação do estado de Israel, tal acordo foi o passo mais importante até aquele momento para normalizar as relações entre os judeus e o maior estado árabe. Apesar da grande e simbólica vitória por uma parte no Oriente Médio, foi também no seu governo que a Revolução Iraniana aconteceu, onde a tomada de reféns na embaixada dos EUA em Teerã, deixou 52 americanos prisioneiros por 444 dias e abalou severamente sua popularidade.
Jimmy Carter foi um dos poucos presidentes na história dos Estados Unidos a servir apenas um mandato, mas após deixar a Casa Branca continuou a trabalhar pelas causas que acreditava. Em 1982 criou o Carter Center, focado em preservar os valores democráticos, a conscientização em questões de saúde pública e o combate as doenças. Mesmo com idade avançada continuou a ajudar os menos favorecidos, sendo voluntário ativo do programa Habitat for Humanity, construindo casas para famílias pobres em diversas partes do mundo. Foi vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2002 pelas suas iniciativas na resolução de conflitos de maneira diplomática, além de um autor prolífico, com dezenas de livros publicados com um olhar muito humano, mesmo tendo ocupado um dos cargos mais complexos da política mundial.
Aos 100 anos de idade, Jimmy Carter se tornou o ex-presidente mais longevo da história dos Estados Unidos, tendo literalmente visto um século de transformações, seja como observador, seja como figura ativa de muitas dessas mudanças. Talvez hoje, muitas de suas ações sejam esquecidas, mas serão para sempre perceptíveis na maneira como a maior economia do mundo se encontrou consigo mesma e com o resto do mundo. Descanse em paz, Mr. Carter!
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.