A pressão da cúpula do Congresso Nacional, somada à pressão sobre a articulação política, alvo de fritura após a aprovação de um projeto que visa derrubar os decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o marco do saneamento, impuseram uma mudança na estratégia do governo federal. Como a Jovem Pan mostrou, o Planalto liberou, em dois dias, mais de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. No total, foram cerca de R$ 700 milhões na terça-feira, 9, e R$ 433 milhões na quarta-feira, 10. Isso representa 68% de todo o montante distribuído desde o início da gestão. O movimento ocorre às vésperas da votação de projetos caros ao governo Lula 3, como o novo arcabouço fiscal, e simboliza uma tentativa de salvar a agenda prioritária da administração federal.
A eleição de um Parlamento notadamente de direita era o prenúncio da dificuldade que Lula teria no Legislativo. Os partidos da coligação petista elegeram cerca de 130 deputados. Isso reforçou a necessidade do presidente da República atrair parlamentares de outras legendas, a fim de construir uma base que garantisse a aprovação de matérias consideradas fundamentais. O primeiro ato do Planalto foi entregar nove ministérios a partidos que não estiveram oficialmente com os petistas na disputa presidencial com Jair Bolsonaro, como União Brasil, MDB e PSD. Cada um deles ficou com três pastas. Com isso, Lula esperava fidelizar votos de legendas de centro, enquanto, em paralelo, tentava avançar sobre as alas fisiológicas dos partidos do Centrão (PP, PL e Republicanos), base de sustentação do governo Bolsonaro. As emendas, em um primeiro momento, ficariam represadas e só seriam liberadas depois do “teste do painel”, expressão que petistas passaram a usar para se referir aos votos e à fidelidade da base lulista no Congresso. Não funcionou.
Na votação da urgência ao PL das Fake News, 12 deputados do MDB foram contra a tramitação acelerada do projeto. O PSD deu 16 votos a favor e 15 contra. No União Brasil, por sua vez, 26 dos 45 parlamentares que registraram voto rejeitaram o requerimento. A título de comparação, o Republicanos, ligado à Igreja Universal, entregou 28 votos favoráveis e oito contrários. O recado explícito, porém, veio na votação do projeto de decreto legislativo que visava sustar trechos dos decretos de Lula sobre o saneamento básico, no dia 3 de maio. O PDL, incluído na pauta sem aviso prévio ao Planalto, foi aprovado com 295 votos a favor e 136 contrários. O líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), chegou a pedir mais tempo para chegar a um acordo sobre a proposta. “Quero fazer um apelo aos líderes para que nós pudéssemos retirar de pauta esta matéria para que dialogássemos até terça-feira, de um jeito ou de outro, ou votando este PDL ou uma outra solução, nós buscaremos uma solução”, disse na ocasião.
“Esses momentos no Parlamento são muito importantes, isso nos leva a refletir sobre as relações aqui dentro. A relação que os líderes que estão encaminhando contra o governo têm com o governo. Eu acho que fica isso como lição para todos nós aqui dentro. É um recado? Evidente que é, por várias razões. Eu sei o que está por trás disso e às vezes eu prefiro muitas vezes ser derrotado do que caminhar para a rendição. Isso não deve fazer prática do Parlamento. Essa decisão que a maioria dos líderes que participam do governo estão encaminhando contra o governo fica registrado aqui, isso não é ameaça é apenas uma declaração de que nada mais importante do que você ser transparente, do diálogo. Esses líderes foram intransigentes a não dialogarem com o líder do governo para votar essa matéria terça ou quarta-feira. Eu nunca vi isso aqui no Parlamento”, afirmou Guimarães. O deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE) debochou do resultado e da derrota do governo. “Estão vendo isso? A base derreteu”, disse, enquanto parlamentares bolsonaristas riam.
Com a derrota na Câmara, Lula ordenou um freio de arrumação. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, foi escalado para intensificar as conversas com as bancadas e cobrar fidelidade dos partidos contemplados com ministérios. Em outra frente, o Planalto ordenou que os articuladores políticos liberassem as emendas aos parlamentares. Uma parte considerável deste montante foi acertada na votação da PEC da Transição, quando Lula sequer havia sido empossado. Este atraso, inclusive, ajuda a explicar a má vontade do Congresso com o governo federal. Com a liberação bilionária de recursos nos últimos dias, o governo Lula 3 espera azeitar a máquina, estancar a crise e salvar uma agenda que, no mês de maio, ainda não emplacou.