Na prateleira dos grandes nomes da música baiana, Armandinho Macedo é visto em destaque. Filho do inventor do trio elétrico, foi dele a autoria da criação da guitarra baiana, um feito que deu continuidade com maestria ao legado do pai Osmar. Nesta quarta-feira (24), dois dias após seu aniversário de 70 anos, o cantor e compositor teve sua importância reconhecida para além da convicção popular e unânime quanto ao seu talento: elevado a Doutor, Armandinho recebeu o título Honoris Causa, honraria concedida pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), no Salão Nobre da Reitoria.
O título foi proposto pelas Escolas de Música, Direito e Faculdade de Medicina, e aprovado pelo Conselho Universitário da Ufba. A distinção de maior importância da universidade é dada apenas às personalidades que tenham prestado serviços relevantes ao ensino, às letras, às pesquisas ou às artes, fora do ambiente acadêmico.
Com cerimônia prevista para começar às 17h, Armandinho entrou no salão acompanhado dos irmãos Haroldo, Betinho e André Macedo. Por volta das 18h25, recebeu, pelas mãos do reitor Paulo Cesar Miguez, a titulação de doutor. Antes, ouviu em silêncio contemplativo as homenagens do diretor da Escola de Música e Maestro da Orquestra Sinfônica da Ufba, José Maurício Brandão, do diretor da Escola de Medicina da Ufba, Luis Fernando Adam, e do professor da Faculdade de Direito da Ufba, Heron Gordilho, representando o diretor da unidade, Júlio Rocha.
Em seu discurso, Armandinho começou agradecendo e, em seguida, resgatou o início da sua carreira, sob alegação de que as homenagens estavam o transportando para o princípio de tudo. Imerso nas memórias, lembrou da infância e do transe que entrava toda vez que ouvia o pai tocando cavaquinho ou tamborim. Sem deixar de lado a reprovação da mãe pelo seu interesse na música, ele recordou sem remorso o apelo dela para que ele fizesse a vida através dos estudos formais, algo que não aconteceu.
É que não foi preciso estudo, no caso de Armandinho, para se tornar doutor no que se propunha a fazer. Expert na sua arte, foi com 9 anos, depois da morte da mãe, que ele pediu a Osmar para que lhe ensinasse a tocar cavaquinho. O pai não hesitou em atender o pedido do filho, que não só aprendeu a tocar, como começou a dar seus primeiros passos na música seguindo tão somente sua vocação. Osmar ainda tentou incentivar os estudos para que o filho participasse do concurso “A grande chance”, do programa do apresentador Flávio Cavalcanti, mas, mais uma vez, Armandinho tinha em mente o que faria com os acordes do seu futuro.
“Meu aprendizado consistia basicamente em escutar meu pai tocando. E é quando nasce uma escuta atenta, sensível, dedicada e dedilhada”, pontuou.
Sem acreditar que pudesse aprender através dos livros e de aulas, Armandinho ainda contou o que fez quando foi desafiado por Osmar a estudar para tocar as músicas dos clássicos. “Com o tempo mais lento na radiola, eu ouvia a música e, em três meses, eu já tinha toda aquela melodia decoreba. Era só praticar a velocidade. Esse foi meu maior treinamento”, brincou.
No Teatro Municipal do Rio de Janeiro, na final do programa de Flávio Cavalcanti, Armandinho estreou e brilhou para o Brasil. Ele lembrou do momento com alegria, embora no dia não tenha contido as lágrimas. Afinal, não se tratava apenas da sua apresentação para o mundo, mas o início de uma nova fase na sua arte. “Considero que neste momento singular que começa a minha vida profissional na arte, mais precisamente em 1969, com três discos gravados nesse período”, destacou.
Armandinho Macedo finalizou a cerimônia de titulação tocando sua guitarra baiana (Foto: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO) |
Armandinho ainda trouxe a lembrança da sua reprovação na Escola de Música da Ufba e sua aprovação no curso de Artes Plásticas, que abandonou para seguir a carreira musical. Irreverente, ele brincou que não é formado, mas agora é doutor. “Esse aqui é um prêmio completamente fora de tudo que eu propus na minha vida, porque eu nunca estudei nada. Eu só toquei e fui agraciado pela Ufba. Esse prêmio é honroso, é uma outorga, é o título da minha vida”, afirmou.
Diretor da Escola de Música, José Maurício Brandão fez questão de frisar que a reprovação na faculdade não fazia de Armandinho pouco conhecedor da música.
“Talvez, a Escola de Música não soubesse o que fazer com você. Talvez, fosse você que tivesse que ensinar à Escola de Música”, disse o diretor da unidade.
Reitor da Ufba, Paulo Cesar Miguez afirmou que o título que a universidade estava concedendo a Armandinho era um reconhecimento ao seu talento. “Esse título celebra a excelência e a trajetória de um grande músico baiano e brasileiro. Ultrapassa a figura de Armandinho, na medida que também é uma homenagem à criação genial de Dodô e Osmar, que é o trio elétrico. Sem Armandinho, que foi um dos grandes continuadores do trio, a Bahia certamente não teria a alegria que tem hoje”.
Luis Fernando Adam, diretor da Escola de Medicina da Ufba, transmitiu ao homenageado e à plateia o reconhecimento de outros grandes nomes da música baiana. Com a licença de Gilberto Gil e Caetano, ele leu as palavras dos cantores ao inventor da guitarra baiana.
“Armandinho é um músico com alta formação, um atleta musical com habilidade manual e mental excepcionais. O mais importante é que ele é um músico de muito bom gosto, com bom ouvido para o que é interessante. É um músico que reflete todo respeito que todos os músicos brasileiros têm pela música”, afirmou Gil.
“Armandinho é um dos músicos mais elegantes e refinados do Brasil. Um artista completo que toca com uma sensibilidade incrível combinando virtuosismo e emoção. Armando Macedo, por todas as realizações e conquistas em sua vida, o senhor é um herói e um símbolo de inspiração para todos nós”, completou Caetano.
Presente na cerimônia, o titular da Secretaria de Cultura da Bahia (Secult-BA), Bruno Monteiro, ressaltou a importância de homenagear os artistas que contribuíram para a cultura baiana e não escondeu a admiração por Armandinho. “Nesse marco de 70 anos da vida de Armandinho, no ano do centenário do pai dele, ele ainda está cheio de vigor, produzindo e levando cultura para todos os lugares. É muito prazeroso estar nesse momento que celebra este grande patrimônio da nossa cultura, que é Armandinho Macedo”.
Ao lado dos familiares e amigos de música, Armandinho finalizou a cerimônia fazendo o que, segundo ele, sabe fazer de melhor: tocando sua guitarra baiana e fazendo uma homenagem a Moraes Moreira, seu companheiro de trio elétrico. Com ‘Chame Gente’ como música derradeira do seu repertório no evento, ele embalou o Salão Nobre da Reitoria fazendo valer a sua vocação, acima de tudo, para manifestar e inspirar a alegria.
Conheça outros músicos baianos que já receberam o título:
Caetano Veloso
Em 1998, o cantor e compositor Caetano Veloso recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Ufba. A entrega ocorreu em cima do trio elétrico Folia Universitária, na abertura do Carnaval daquele ano.
Maria Bethânia
A cantora, compositora e intérprete baiana, Maria Bethânia, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Ufba, em 2016. A cerimônia de titulação ocorreu no Salão Nobre da Reitoria da Ufba.
Dona Cadu
Em 2021, a ceramista, sambadeira e também rezadeira Ricardina Pereira da Silva, mais conhecida como Dona Cadu, recebeu o título de Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia (Ufba). A cerimônia virtual aconteceu através do canal TV Ufba no YouTube.
Mateus Aleluia
O cantor, compositor e pesquisador Mateus Aleluia recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em Cruz das Almas, em 2022.
Gilberto Gil
O cantor e compositor Gilberto Gil recebeu, em março deste ano, o título de Doutor Honoris Causa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (Ifba).
*Com orientação da subeditora Fernanda Varela