InícioEntretenimentoCelebridadeAssociação dos Nativos de Caraíva proíbe festa nacional na vila

Associação dos Nativos de Caraíva proíbe festa nacional na vila

O festival MECA Caraíva, um evento nacional de música, turismo e sustentabilidade previsto para acontecer na vila de Caraíva, em Porto Seguro, entre os dias 8 e 11 de junho de 2023, teve sua realização proibida pela Associação dos Nativos de Caraíva (Anac). A decisão, tomada após reunião dos associados na última quinta-feira (6), foi motivada pelo impacto ambiental negativo e perturbação do sossego ocasionados por eventos de grande porte no local, que costumam alterar o dia a dia e o território dos nativos. 

De acordo com Lucas Borges, presidente da Anac, a produção do MECA entrou em contato pela primeira vez com a associação há cerca de oito meses para apresentar o festival, mas não informou programação, data ou estimativa de público para o evento. Sem essas informações, a Anac encarou a possibilidade de o festival acontecer como praticamente nula, uma vez que não havia materialidade para apresentar à população tradicional a fim de obter ou não sua aprovação. 

Contudo, mesmo sem avanços no processo de oficialização do evento, a comunidade nativa de Caraíva foi surpreendida com a divulgação da venda de ingressos para seis mil pessoas através das redes sociais do MECA. Isso repercutiu entre os moradores da vila e na internet, o que levou o evento a mudar sua programação e torná-la majoritariamente diurna, com término às 21h e com público estimado de 800 pessoas por dia. 

Ainda assim, a reportagem apurou que o festival, que não divulgou ao público os locais onde realizaria a programação na vila, sondava três opções de lugares, sendo dois deles à beira mar, a Pousada Coco Brasil e a Ponta do Camarão, e outro próximo de um rio, em um local chamado Lagoa. Sendo assim, para o presidente da Anarc, apesar das modificações na proposta, levar o evento para Caraíva não compensaria os estragos causados ao meio ambiente.  

“Caraíva é um ambiente totalmente vulnerável. Não temos ainda um estudo de capacidade de carga, mas eventos de grandes proporções acabam deixando poluição sonora, grande quantidade de lixo e incômodo ao sossego”, afirma.  

Além disso, segundo Lucas Borges, o MECA Caraíva levaria à vila um público desconectado da realidade local e que não teria tempo suficiente para dedicar à cultura, tradição e atrativos de Caraíva. “É um público totalmente diferente do que desejamos, porque vem exclusivamente para esse tipo de festa, não interage com a comunidade. A festa é vendida em passaporte, então o turista é obrigado a ficar cinco dias na festa. Ele não vem para conhecer o lugar, os atrativos ou para fazer um passeio de lancha”, reitera. 

Em publicação no Instagram, o MECA disse estar surpreso, mas afirmou que irá respeitar a decisão da Anac e reembolsar aqueles que adquiriram os ingressos. “Se o MECA (Caraíva) não for o projeto escolhido para ser um exemplo positivo de evento responsável e integrado com a comunidade, que os próximos eventos aprovados sejam boas referências para todos nós”, diz em trecho do post. O CORREIO tentou contato com a produção do evento para novo posicionamento sobre o caso, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. 

Medidas de preservação 

A proibição do festival Meca Caraíva se soma a outras variadas medidas já tomadas pela Anac na tentativa de preservar o meio ambiente e o modo de vida da população nativa de Caraíva, protegida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT 169), que trata sobre Povos Indígenas e Tribais, e tem o direito de definir as situações que impactam no cotidiano e no território do vilarejo.  

Junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e a Prefeitura de Porto Seguro, a Anac já delimitou o número máximo de duas mil pessoas por dia em festa na vila, sendo 850 pessoas o número máximo por local de evento. Ainda, após a meia-noite, o único estilo musical permitido é o forró. Isso porque a associação leva em conta, ao avaliar a viabilidade de um evento, os ritmos tradicionais que valorizem a identidade local. 

Apesar dos avanços, Lucas Borges afirma que em breve novos regramentos devem surgir com estudo urbanístico de Caraíva e a avaliação da capacidade de carga, que tem o intuito de conseguir mapear as condições locais e proibir em definitivo eventos de grande porte que possam prejudicar o ecossistema da vila. Segundo ele, não são poucos os casos de turistas que não têm consciência ambiental e acabam fazendo descarte inadequado de lixo, além daqueles que andam com caixas portáteis de som, causando poluição sonora. 

Para Consuello Lopes, integrante do Conselho Comunitário de Caraíva, um fator determinante para sustentar a proibição de eventos na vila é a falta de saneamento básico. “Esses eventos a vila não suporta. Já estamos com nosso solo pedindo socorro. Minha casa tem um poço de 96 metros e já não bebemos mais água de lá, porque a água não é potável. Então, esses grandes eventos trazem transtornos com a quantidade pessoas, o impacto no nosso solo e muita sujeira”, relata.  

Para diminuir os impactos do descarte incorreto de lixo, a Anac junto a Prefeitura conseguiu decretar a proibição da venda de long necks, visto que as garrafas de vidro, além de poluir os lençóis freáticos, oferecem risco de acidentes à população. Essa, como as outras medidas, podem diminuir o potencial de turismo na cidade, mas advogam por uma boa causa, reconhece o presidente da Anac. “Às vezes compensa não ganhar muito economicamente hoje para poder manter aqui a nossa população”, garante. 

Paraíso de luxo 

Considerado o vilarejo mais antigo do Brasil, de acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Caraíva foi o local onde os primeiros portugueses chegaram por volta de 1530 e aonde viviam diversas comunidades indígenas, tendo a presença da forte cultura das aldeias pataxós em sua região. Atualmente, a vila possui uma população estimada entre 2.300 e 2.500 pessoas, conforme dados da Prefeitura de Porto Seguro. Conhecida por suas praias paradisíacas, sossego e festas, Caraíva se tornou um dos destinos luxuosos mais buscados pela classe média e elite do Brasil, sobretudo do eixo Sul e Sudeste do país. 

Verônica Menezes, comunicadora da Prefeitura de Porto Seguro, afirma que dentre os atrativos que tornam o local tão requisitado estão a cultura nativa dos moradores, os princípios de sustentabilidade respeitado pela comunidade, além de experiências únicas, como caminhar em ruelas de areia pouco iluminadas, festinhas tradicionais que mantêm as características originais de comunidade de vilarejo. 

“Hoje também [conta] com opções contemporâneas, eventos raízes com clima simples, além de passeios a remo ou de bote pelo rio, trilhas entre a Mata Atlântica, diversão em triciclos e bugues em estradas de área, bem como, vivencias étnicas nas aldeias pataxós”, acrescenta. 

O público que frequenta o local engloba desde famílias com crianças, casais em lua de mel, até jovens que querem curtir uma festa à beira de um mar azul turquesa e aproveitar uma aventura em meio à natureza. Mas, via de regra, é preciso ter dinheiro sobrando para não passar aperto. O motivo? O alto custo de alimentação, estadia e atrações.

“Se hospedar em Caraíva está mais caro do que em Noronha”, aponta uma turista.  

*Com a orientação da subeditora Fernanda Varela

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