No desembarque de um aeroporto internacional, uma mulher trans é detida. Para provar ser uma cidadã regular, ela precisa apresentar mais documentos do que os outros viajantes, e mesmo depois de cumprir tudo o que lhe foi solicitado, é deportada de volta para o seu país, sem justificativa.
É o que relata a presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a baiana Keila Simpson. A ativista foi barrada e impedida de entrar no México onde participaria do Fórum de Movimentos Sociais, como palestrante em uma mesa sobre a violência contra a população trans, representando a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).
No último sábado (30), ela embarcou do Brasil para o México. Ao chegar ao Aeroporto Internacional da Cidade do México, na manhã do domingo (1), foi a única pessoa da fila em que estava a ser detida pelas autoridades. Keyla viajou sozinha, depois do restante da delegação da Abong, que já havia ido ao México na sexta-feira (28).
“As pessoas que estavam na minha frente passaram normalmente, mas eu não. É difícil não pensar em transfobia. O senhor que me atendeu viu que o nome [masculino, de registro] não condizia com minha imagem. Então, ele perguntou sobre o bilhete de volta e voucher de hospedagem, eu apresentei todos os documentos e mesmo assim fui barrada”, conta a ativista.
Ao ser detida, ela foi encaminhada para uma sala do aeroporto, onde foi mantida por dez horas, até ser enviada de volta para o Brasil. Seus documentos e seus dois telefones celulares foram retidos até o momento do embarque, e o seu passaporte só foi devolvido no final do voo.
A ativista ficou impedida de fazer qualquer contato com a família ou com colegas da delegação de trabalho das 7h até as 10h30 quando foi autorizada a realizar uma ligação de um minuto. Keyla, no entanto, não conseguiu contato, e foi mantida na sala até por volta das 16h30, quando foi encaminhada para o embarque de volta ao Brasil.
“Deixei recado com a delegação [da Abong] que estava no México, a presidente me atendeu, mas eu não tive certeza se ela me entendeu. Expliquei ao guarda e pedi para ligar novamente. Também sem sucesso, deixei outro recado para o presidente da associação no Brasil”, explica Keila
Uma hora após as ligações, um grupo da delegação da Abong, que estava no México, foi até o aeroporto na tentativa de ajudar a ativista, mas foram impedidos de vê-la. Sem sucesso, o grupo buscou o delegado que atua no aeroporto e ele solicitou que um representante de um órgão de direitos humanos do México falasse com Keila.
Antes de embarcar, Keila chegou a ser recebida pelo representante, que disse que a brasileira tinha direito a fazer uma denúncia formal pelo caso de transfobia. A denúncia, no entanto, não foi formalizada por falta de tempo hábil antes do embarque de retorno. A denúncia, segundo Keyla, será formalizada no Brasil, e autoridades brasileiras também serão acionadas.
A ativista voltou ao Brasil em um voo que pousou em São Paulo às 5h da manhã dessa segunda-feira (2) e acionará as autoridades competentes sobre o caso.
Keila só soube do efeito das suas ligações ao chegar no Brasil. Seu desejo é que o episódio sirva de impulso para discutir a necessidade da educação de gênero em aeroportos e para impedir que outras pessoas com menos voz passem pelo que ela passou.
“O que me fortalece é saber que quando ocorre um caso desse comigo, serve para que outras mulheres trans, que estejam tentando migrar para outros países, por causa da violência que sofremos no Brasil, não passem por isso”, deseja Keila.
Organizações de todo mundo, presentes no evento, declararam solidariedade à ativista. A mesa da qual ela participaria presencialmente, que ocorrerá no dia 4 de maio às 9h (horário do México), manterá sua participação de forma virtual e servirá como denúncia sobre o episódio e cobrança de retratação do país.
A reportagem entrou em contato com o aeroporto de Barajas, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo