Para fazer um jingle de sucesso, mais do que nunca é necessário conhecer o tempo da política – e das redes sociais. Não há sentido em jogar no mundo um pagodão no início da campanha, pois os eleitores estão em casa. Assim como seria trabalho jogado fora lançar uma música lenta agora, às vésperas do 2º turno das eleições. É uma ciência musical que chegou até cômodos improvisados em estúdios no interior baiano.
De Iguaí, no sudoeste baiano, Júlio Hermínio Luiz, 48 anos, seguiu essa cartilha e produziu jingles políticos que repercutiram em todo o país apenas com um teclado, microfone e notebook. Sabe o “tá na hora do Jair já ir embora”? É de Juliano Maderada, nome artístico do ex-professor de matemática que há 20 anos é jinglista. Um dos parceiros musicais, Tiago Doidão, empresta a voz à canção, que ganhou clipe gravado em Ibicuí.
Desde agosto, Maderada compôs para mais de 100 políticos – nem todos de esquerda, como o “Tá na Hora do Jair Já Ir Embora” pode sugerir.
“Só não gravo quando as ideias são absurdas. Um cara queria que eu gravasse: vota, vota e atira. Aí é violência. Se não for violência e apelação, vale”, conta ele.
Se a produção dos jingles políticos estava centrada nas agências de publicidade, produtores independentes como Maderada subverteram a ordem. Isso significa também liberdade artística de músicos.
Em Iguaí, inclusive, a produção de jingles para os candidatos à presidência não vem só de Maderada. O outro produtor é Saulo Santos, 39: na farmácia, o balconista atende pelo nome civil; nos shows e na internet, é conhecido por Saulo Balada, músico e criador de jingles bolsonaristas, que representou por 29% da população local no 1º turno das eleições. 70% votaram em Lula.
Saulo é um aprendiz de Maderada, que o convidou a cantar, há 20 anos, na banda Cravo e Mel. Só uma década depois, ele mergulhou nos jingles para vereadores e prefeitos. Na cidade, onde existem quatro estúdios musicais, sobram opções de produtores, mas só Maderada e Saulo têm criado para os presidenciáveis.
“Tem uma tradição musical e acho que isso se estendeu para a política”, conta Saulo, que cria jingles no quarto de casa, a porta fechada. Este é o primeiro ano em que ele grava jingles para um candidato à presidência. E sua escolha por Jair Bolsonaro (PL) foi pragmática. “Havia muita coisa do Lula”, explica.
A sua composição mais famosa é “Bolsonaro é o melhor”, piseiro frequente nas motociatas promovidas pelo candidato à reeleição. Certo dia, depois desse lançamento, Santos foi parado por conhecidos. “É você cantando?”, perguntavam. Era um dos sinais do sucesso. O outro é a quantidade de visualizações no seu canal do Youtube: 2 milhões de pessoas, número 75 vezes maior que toda a população de Iguaí.
O lucro dos jinglistas: até R$ 6 mil por dia
O alcance dos dois iguaienses reflete as transformações do negócio dos jingles, na última década. Em 12 anos, Naiane Ministro, sócia da empresa de marketing Echois, viu as produções elaboradas, que contavam histórias, serem mescladas (e, às vezes, substituídas) pelas independentes, que prezam pela repetição de estrofes e gêneros eletrônicos, como o piseiro, que funcionam nas redes sociais e nos paredões, festas em torno de aparelhos de som.
Nas gravações independentes, muitas vezes paródias de outras canções, reflete-se uma originalidade que pode ser vantajosa para as campanhas, acredita Ministro. “Elas saem também de eleitores, com suas vivências e isso pode invadir positivamente as campanhas”, opina.
O ponto de partida de Maderada teve inclinação política. Com os show proibidos durante a pandemia, o músico, já longe da sala de aula, precisava de uma renda. A saída surgiu como uma epifania quando, em 8 de março de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou as condenações do ex-presidente Lula (PT).
Naquele dia, Maderada gravou a primeira composição, que comemorava a volta do petista ao páreo. Não parou mais. Em setembro, faturou até R$ 6 mil por dia. Na última semana, foi o 1º artista mais compartilhado do Brasil, segundo o Spotify.
“Minha rotina tem de tudo. Primeiro, fiz por conta própria, monetizando os vídeos. Depois, chegaram as encomendas”, conta Maderada.
No Youtube, os donos de canais com no mínimo mil inscritos ganham, a cada mil visualizações, entre R$ 3 a R$ 26. Quanto mais famosas ficam as músicas, mais visíveis seus criadores aos partidos. Quando são encomendados, jingles custam entre R$ 2 mil e R$ 26 mil – nessa variação de milhares de reais cabem diferenças como a duração do jingle e o artista contratado, segundo a Echois.
“Coloco minhas músicas no Youtube também como vitrine para outros políticos. Ninguém [da campanha de Bolsonaro] entrou em contato comigo, mas os filhos dele, ele próprio colocou minha música no canal. Isso significou muito”, diz Saulo Balada.
O objetivo final é um só: fazer com o que eleitor assimile o que um candidato representa. Na música “Capitão do Povo”, lançada em julho, Bolsonaro é apresentado a partir de partituras do hino e letra pela defesa de “Deus e da família”, com menção ao agronegócio.
Já a campanha de Lula apostou no clássico “Sem Medo de Ser Feliz”, escrita em 1989 por Hilton Acioli, quando o petista concorreu ao primeiro mandato de presidente. “Nasce a esperança”, da versão original, virou “renasce a esperança”.
A mudança dos jingles na história brasileira
Os jingles são tão antigos, no Brasil, quanto a república. Nos anos 1920, pesquisadores apontam registros de paródias com fins políticos. Na década seguinte, Getúlio Vargas utilizava jingles como meio de atrair votos. As músicas políticas, que já eram comuns em países como os Estados Unidos, só se fortaleceram. O frevo “Varre, Varre Vassourinha”, por exemplo, se tornou marca de Jânio Quadros, nos anos 80, em São Paulo.
Na Bahia, o marketing político se consolidou nos anos 90. E essa história tem tudo a ver com o sucesso dos jingles, sobretudo de um deles, “Você se lembra de mim? Eu nunca vi você tão só. Oh meu amor, oh meu xodó, minha Bahia” – se você tem mais de 35 anos, leu esse trecho no ritmo. A música “ACM, Meu Amor” marcou a disputa de Antônio Carlos Magalhães, em 1990, pelo governo da Bahia.
A campanha eleitoral durava três meses, não 45 dias, como agora. Nessa época, o músico Walter Queiroz, 78, já era um jinglista experiente – orgulhava-se de ter escrito “A Bahia vai Mudar”, para a campanha de Waldir Pires ao governo da Bahia, em 1986, e o jingle de Gilberto Gil, eleito vereador em 1988. Walter lembra como funcionava a produção:
“A agência de publicidade trabalhava o perfil do candidato e nós, músicos, éramos brifados [informados] das intenções dos candidatos. Ouvíamos e fazíamos provas. Os jingles tinham de 30 segundos a um minuto. Mais longos, eram raros”.
Eram os perfis dos políticos, do mercado e a época do ano que definiam o gênero musical escolhido.
A força dos jingles baianos é impulsionada pela dimensão que o marketing político do estado adquire no país, a partir de publicitários como Nizan Guanaes, Duda Mendonça, Fernando Barros e João Santana. Nos anos 90, o Marcos Carvalho que hoje é produtor de jingles, participava desse ambiente – era redator publicitário.
Foi Marquinho, como é mais conhecido, quem adaptou “ACM, Meu amor” para a campanha de ACM Neto nestas eleições. No processo, a produção alinhou a sonoridade original a ritmos mais atuais, com participação do Olodum e sons metais e de violoncelos. Besouro, da versão de 1990, cantou mais uma vez a canção.
“O jingle tem que estar alinhado ao discurso. Musicalmente, o primeiro critério é que nós temos que gostar do que estamos produzindo. Mas é incrível como há, claramente, uma tendência para o que está tocando nos paredões, nas festas”, explica.
Nas eleições, arriscou em algo que pode se revelar em tendência: o jingle dance. O nome é o que sugere: uma música produzida em conjunto com uma coreografia. “O jovem está se envolvendo mais na política e o candidato precisa agregar isso”, justifica.
Neste ano, aponta o TSE, a participação de jovens entre 16 e 17 anos, para quem o voto é facultativo, no processo eleitoral cresceu 47% em relação a 2018.
Para Dito Martins, que há 25 anos trabalha como jinglista, seja qual for a idade do eleitor ou o partido do candidato, vale uma máxima: “fazer o pelo da pele dançar, outro jeito de falar do arrepio”. Em três meses de campanha, produziu músicas para seis campanhas – dentre elas a campanha de Lula para presidente.
Cada geração tem sua linguagem, claro, e isso reverbera nas escolhas dos jinglistas. “Mas para mim, não existe gênero ou formato certo, o que existe é música boa e ruim. Meu foco sempre será o coração, o racional será levado pelo primeiro”, diz. E esse movimento, que mira no voto, pode começar nos interiores ou nas metrópoles, em piseiro, funk ou pagode.