Até 2050, o número de brasileiros vivendo com demência deve aumentar 206%, segundo a pesquisa da Global Burden of Disease publicada no Lancet Public Health. Com isso, a quantidade de pessoas com a doença no país deve saltar de 1,8 milhões para 5,6 milhões. Já em todo mundo a estimativa é de que o número passe de 50 milhões para 150 milhões no mesmo período, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Com a quantidade de pessoas com a condição triplicando em trinta anos, a demência deverá impactar significativamente o sistema de saúde brasileiro, que não está preparado para lidar com essa ampliação do números de casos, de acordo com especialistas ouvidos pelo site da Jovem Pan.
Médica especialista em Clínica Médica e Geriatria pela Universidade de São Paulo, Claudia Suemoto é uma das profissionais que observa que, enquanto sociedade, o Brasil não está equipado para atender o aumento exponencial da doença e acredita que possa ocorrer uma epidemia. “Com o envelhecimento populacional, temos observado um número crescente de doenças crônico degenerativas, e entre elas se destaca a demência. Cerca de 3% da população com 60 a 65 anos possui a condição e esse número dobra a cada cinco anos de progressão de idade, chegando a atingir entre 40% e 45% de indivíduos com demência entre aqueles com mais de 80 anos. Em países de baixa e média renda, como é o caso do Brasil, a probabilidade de aparecimento da doença aumenta e está entre as principais causas de incapacidade no país. Isso gera um custo enorme para a sociedade e é uma questão que ainda não está muito na agenda da gestão pública de saúde. Os programas de prevenção e de conscientização sobre demência deveriam acontecer mais porque é uma condição que a gente não previne a partir dos 65 anos, mas a partir da primeira infância, adolescência e idade adulta. As pessoas precisam entender que o estilo de vida que elas levam nos primeiros anos e na meia-idade é muito importante para aumentar ou diminuir o risco de ocorrência da doença na terceira idade”, esclarece.
A especialista cita um estudo liderado pela Universidade Federal de São Paulo que estimou que 32% dos casos de demência no Brasil podem ser atribuídos a sete fatores de risco: baixa escolaridade, hipertensão, obesidade, diabetes, sedentarismo, depressão e tabagismo. “Se conseguíssemos controlar esses fatores de risco, estaríamos prevenindo muitos casos de demência. Particularmente no Brasil, três principais fatores – baixa educação, hipertensão e perda auditiva – foram reportados em quase 22% dos casos de demência. Se eu fosse gestor público e tivesse verba para abordar alguns fatores seriam esses. Isso diminuiria bastante o risco de desenvolvimento da doença”, indica. Presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz), Elaine Mateus esclarece que a demência é um termo guarda-chuva usado para se referir a desordens neurodegenerativas que acometem principalmente pessoas acima dos 65 anos de idade, mulheres e grupos socioeconômicos desfavorecidos.
“O aumento de casos tem sido alertado pela Organização Mundial de Saúde há pelo menos uma década. Os países tem sido convocados a olharem para a demência como uma prioridade na saúde pública. Os impactos disso serão cada vez maiores quanto mais as lideranças demorarem para atuar, principalmente nas áreas de prevenção de riscos. Estudos mostram que até 40% poderiam ser evitados se a sociedade atuasse sobre os doze fatores de risco. As consequências para os países que adiarem o investimento em políticas públicas que trabalhem com práticas de prevenção e diagnóstico em tempo serão mais severas conforme esse número crescente de casos for se acumulando. Temos trabalhado para que o Brasil responda a isso com seriedade e compromisso. Existe um projeto de Lei na Câmara dos Deputados de cuidado integral para pessoas com demência e seus familiares. Não é o suficiente, mas é um começo. Mas o Brasil não está preparado para lidar com o quadro que se aproxima. Atualmente, estima-se entre a queixa no consultório e o disgnóstico leva-se cerca de um ano e meio. A estimativa é que isso se agrave à medida que mais pessoas levem queixas que indiquem um possível diagnóstico de demência. Além disso, temos o envelhecimento da população que é um fator para a doença não modificável. O que se loca no horizonte no Brasil é um cenário de muita preocupação”, pontua.
O neurocirurgião Bruno Burjaili complementa que as pessoas estão conseguindo envelhecer mais e com mais saúde, devido à melhoria de tratamentos para outras doenças, mas que a demência ainda enfrenta desafios nesse sentido. “Como isso ainda não é tão notável para as demências, ou seja, não existem tantas estratégias de medicina para melhorar seus sintomas de uma maneira muito impactante, a tendência ainda é que muita gente passe por isso, juntamente às suas famílias. Isso faz com que tantas grandes mentes, após extensa experiência de vida, percam gradualmente seu potencial de ajudar sua comunidade e, em última instância, a sociedade como um todo. O implante de eletrodo cerebral profundo, ou marca-passo cerebral, muito utilizado na doença de Parkinson, no tremor essencial e na distonia, que são outras doenças neurológicas, já foi tentado em estudos internacionais para a doença de Alzheimer. Infelizmente, o resultado desses estudos não foi muito animador até agora. Continuamos batalhando para tentar trazer novas maneiras de ajudar a melhorar os sintomas da demência. No Brasil, muitas pessoas não têm acesso a todo o cuidado necessário para quem tem a doença. Isso só torna tudo mais difícil. Pode ser complicado, ou mesmo impossível, conseguir esse suporte através do SUS e dos planos de saúde”, explica.
Ana Heloísa Arnaut perdeu a mãe para o Alzheimer em 2015. Contudo, por mais de dez anos, ela foi a principal cuidadora da senhora. Segundo ela, existe muito a ser melhorado nos cuidados de pessoas com demência, principalmente na área pública e política. “Não temos nenhum respaldo na área da saúde. É muito difícil conseguir visita médica em casa e sair para levar uma pessoa já super debilitada ao médico é um sofrimento horrível, tanto para a pessoa como para o cuidador. Às vezes, a pessoa está agitada no dia e não aguenta ficar esperando atendimento e é muito difícil você conseguir controlar. Deveria ter Home Care para todos através do SUS. Medicamentos são muito caros e deveriam ser gratuitos. As fraldas que estão disponíveis são de péssima qualidade, geralmente dão alergia e não seguram a urina. O cuidador para de trabalhar para poder se dedicar aos cuidados e quando a pessoa morre ela já está com idade adiantada. Não tem como voltar ao mercado de trabalho e não é aposentada. Como sobreviver, então? O governo não ampara essas pessoas. Muitas pessoas no serviço público também não sabem lidar com quem sofre com o Alzheimer. Isso dificulta muito, pois temos que ficar explicando como devem agir. Você já está desgastada e ainda tem que ficar ensinando o que pode fazer e o que não deve”, desabafa. Ela ainda ressalta que essa é uma doença muito cara e que pessoas que não possuem uma situação financeira confortável acabam tendo que abrir mão de muita coisa.