Na manhã de uma sexta-feira, sob o frio de 14ºC, no centro de Brasília, o jovem Alisson Lima, 21 anos, espera o semáforo fechar para passar entre os carros balançando um saco de pipoca e levantar um cartaz que diz: “Preciso comprar alimentos”. O pedido é resultado de um cenário que, para ele, persiste desde o início da pandemia de Covid-19: o desemprego. Assim como Alisson, outros 3,4 milhões de brasileiros estão em busca de emprego há mais de 2 anos, e, nesse período, procuram as mais variadas maneiras para colocar comida na mesa.
É uma estatística composta por rostos angustiados e famílias pressionadas pela persistente falta de perspectiva. “Tem gente que pega meu celular, fala que vai arrumar emprego para mim, mas nunca chama”, diz o jovem durante os minutos até o sinal abrir. “Mas eu não perco a esperança, né? Tem que correr atrás.”
Alisson divide aluguel com a tia, os primos e irmãos. Todos trabalham de forma autônoma: um vigia carro, outro distribui panfletos. Antes de ficar desempregado, ele trabalhava em um hortifruiti, que fechou por conta da pandemia. Depois disso, não conseguiu mais emprego formal. “Resolvi vir pro sinal vender pipoca porque estava necessitando. Tinha vezes que não tinha nada para comer dentro de casa”, afirma.
O jovem sai de casa às 5h, no Jardim Ingá (GO), a 47 km de Brasília, e chega no semáforo próximo à Rodoviária do Plano Piloto por volta das 6h30. O “expediente”dura até às 16h. Em um bom dia, faz de R$ 70 a R$ 80. Desses, tira R$ 20 para comprar a mercadoria e R$ 12 cobrem a passagem. “No final, fico com uns R$ 45, R$ 40”. Para fugir da fome dentro de casa, Alisson raramente se alimenta durante as 10 horas em que vende pipoca na rua. “Eu só como quando chego em casa. Trabalho aqui o dia todo, mal tomo café, como um pão de queijo — isso quando como.”
Diante dessa situação, o jovem, que trabalha desde os 12 anos, topa qualquer tipo de serviço. “Já trabalhei como servente de pedreiro, atendente de caixa, capinei lote… Tudo. Para mim, não tem corpo mole”, sustenta.
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“A gente se sente um nada”
Na casa de Márcia Ferreira da Silva, 36, moradora da Favela dos Sonhos, em Ferraz de Vasconselos (SP), são cinco bocas para alimentar. Três delas amargam o desemprego. Márcia e o marido, que procuram uma oportunidade há mais de dois anos, e o filho, que completou 18 anos sem conseguir uma ocupação e entrou para a estatística.
A família sobrevive com R$ 400 do Auxílio Brasil — antigo Bolsa Família —, os bicos que aparecem uma ou duas vezes no mês e doações de ONGs. O valor serve para bancar apenas o básico nas compras do mercado. “É arroz, feijão, óleo… carne é a coisa mais difícil porque [o preço] está um absurdo. É um frango, um ovo. O que dá para a gente comer. E só isso”, diz a mulher.
Márcia mora há quatro anos na Comunidade dos Sonhos com o marido e três filhos: o mais de velho, de 18, um de 15 e uma menina de 3 anos. Antes do desemprego, trabalhou em restaurante e em casas de família. O último emprego foi em um escritório de pesquisa, que fechou por conta da pandemia.
De acordo com a mulher, que não terminou o ensino médio, a principal barreira para conseguir um trabalho é a qualificação. “Distribuo currículo. [recentemente] Ia até fazer uma entrevista, só que tinha que ter terminado o estudo, ter a qualificação, e eu não tenho”, afirma.
“É muito ruim. A gente se sente um nada, né? Às vezes, estamos precisando das coisas, a gente quer comprar, quer dar uma vida melhor para os nossos filhos e não pode”, lamenta Márcia.
Na esperança de conseguir uma vaga, ela também topa trabalhar em diferentes áreas. “Já trabalhei em cozinha, em casa de família, então, em qualquer uma dessas para mim está bom.”
Efeitos psicológicos
A falta de emprego não mexe somente com o bolso de quem vive nessa situação. É um problema que também abala psicologicamente. Fernanda Ferreira Gomides, 33, sentiu na pele os efeitos emocionais do desemprego.
“Eu tive uma crise de ansiedade e me vi num momento muito desesperador. Fiquei sete dias trancada dentro de casa, não conversava com ninguém, nem via minha família. Deixei o meu filho na casa da minha mãe, não conseguia nem vê-lo. Eu tirei todas as minhas redes sociais [do celular], fiquei incomunicável”, desabafa, ao falar do momento sombrio.
“Entrei numa crise de me sentir um lixo de mulher. Me sentia a pior das mães. Literalmente, essa é a palavra. Um lixo de ser humano. Eu não me sentia capaz de fazer nada, de exercer nenhuma função. Tudo que eu procurava era só ‘não’. Fora os [empregos] que a gente procura e não tem nenhuma resposta.”
Sem trabalho desde 2018, Fernanda mora em Taboão da Serra (SP), em uma casa de aluguel, com o filho de 9 anos. Ela trabalhou durante muito tempo na área de atendimento e comunicação em empresas de saúde. Quando decidiu sair e fazer uma transição de carreira, não conseguiu mais oportunidades no mercado de trabalho.
Nos últimos quatro anos, fez de tudo um pouco: foi contratada para fazer faxina, vendeu cosméticos, e, durante a pandemia, entrou em um serviço de produção de capas para celular. Um trabalho exaustivo e mal remunerado. Ganhava R$ 17 a cada mil peças. “Se eu pegasse 5 mil peças, no dia, eu trabalhava das 7h da manhã até as 20h, 21h.” O ofício, de domingo a domingo, rendia de R$ 1.200 a R$ 1.600, a depender do mês.
Paralelo a isso, ela tocava um empreedimento de customização de calçados, que hoje é de onde vem parte de sua renda. “Não vivo de luxo, mas também não passo necessidade.”
Capacitação e acolhimento
No início do último ano, ela decidiu deixar o bico de lado e voltar a estudar. Ingressou em um curso técnico de logística e agora busca a primeira oportunidade na área. “É como se tudo estivesse girando a favor de eu largar meus estudos. Porque preciso trabalhar e sustentar meu filho. Mas o meu objetivo hoje não é esse. É terminar os meus estudos”, diz ela.
Além do negócio como artesã, a renda é complementada por meio de bolsas governamentais de incentivo à capacitação. Atualmente, Fernanda se sente melhor consigo mesma em relação à falta de trabalho, principalmente em razão do apoio que recebe da ONG Cruzando Histórias, que acolhe mulheres desempregadas.
“Com o passar do tempo, fui me fortalecendo, conhecendo as histórias de outras mulheres e me identificando com várias competências que vi que eu tinha, várias habilidades. E fui deixando essa coisa de ‘eu não posso’, ‘eu não sei’. Estou deixando tudo isso para trás e correndo atrás do meu objetivo. Falei: ‘Eu posso, eu quero, eu consigo’.
Na mesma situação, Cleide Rocha, 58, mora em Osasco (SP) e está desempregada há 2 anos e 3 meses. Ela trabalhou por 14 anos como auxiliar administrativa em uma empresa da área da saúde. Desde que saiu da função, em 2020, não conseguiu mais se realocar no mercado. Atualmente, ela mora com o filho de 28 anos, e é ele quem mantém os dois. Com o salário e o auxílio-alimentação, que somam R$ 1.800, a família consegue se manter e pagar as despesas do mês.
Durante todo o tempo desempregada, Cleide decidiu investir em sua formação e está concluindo a faculdade de recursos humanos. No entanto, a mulher sente que a idade e a falta de experiência pesam na hora de alcançar uma vaga. “Neste momento, eu estou mandando currículo para várias áreas. Administrativa, recepção… o que aparecer, para não ficar desempregada, eu vou”, afirma ela.
No futuro, após conseguir um emprego, ela quer continuar estudando e ingressar em uma pós-graduação. “Eu acho que tenho tempo ainda. Não quero ficar em casa, não. Para o mercado, talvez eu esteja um pouco velha, mas não quero parar. Quero continuar”, projeta Cleide.
Acolhimento
Para enfrentar o desemprego, o acolhimento é fundamental. Nesse sentido, entidades buscam incentivar a capacitação e promover a entrada dessa população no mercado de trabalho. Fernanda e Cleide são assistidas pela ONG Cruzando Histórias, que atua na valorização e inclusão de mulheres no mercado. A instituição oferece suporte psicológico e orientação de carreira a quem está em situação de vulnerabilidade social.
Já Márcia e a família recebem doações da Gerando Falcões, que, em 6 de abril, firmou o Pacto pela Inclusão Econômica das Favelas, na Comunidade dos Sonhos. O acordo tem o objetivo de zerar o desemprego na região, gerando oportunidades para cerca de 90 pessoas economicamente ativas que moram na favela. No local, vivem 225 famílias, com renda média de R$ 796,65.
A iniciativa faz parte do programa Favela 3D (Digital, Digna, Desenvolvida), que, por meio de parcerias entre governo, empresários e socidade, visa criar soluções eficientes para a eliminação da pobreza.
Desemprego no Brasil
A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) mostrou que no primeiro trimestre de 2022 o desemprego atinge 11,1% da população brasileira. O índice, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o mesmo em relação aos três últimos meses de 2021.
Pernambuco e Bahia lideraram o ranking de desemprego no país no 1º trimestre. Ao todo, segundo o IBGE, 11,9 milhões de pessoas estão desempregadas. Santa Catarina e Mato Grosso apresentam os menores índices. A única queda estadual no desemprego ocorreu no Amapá, onde a taxa passou de 17,5%, no quarto trimestre de 2021, para 14,2%, no primeiro trimestre de 2022.
No fim de março, a maior parte dos desempregados no país estava em busca de nova oportunidade de trabalho há mais de um mês, mas há menos de um ano.
A coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Adriana Beringuy, ressaltou que o fato de não haver crescimento na busca por trabalho no trimestre explica a estabilidade da desocupação.
O número de pessoas ocupadas no país ficou em 95,3 milhões, sendo 67,1% de empregados, 4,3% de empregadores, 26,5% de pessoas que trabalharam por conta própria e 2% de trabalhadores familiares auxiliares.
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