O olhar atento de Rafael Sousa Santos, 16 anos, estudante do segundo ano do Ensino Médio indicava que algo de especial acontecia por ali. Assim como o encanto da jovem Brenda Sousa, da mesma idade, moradora de Cajazeiras. A dupla acompanhou o Festival Literário Nacional em momentos distintos nesta quinta-feira (9), na abertura do Flin. De igual, tinham o encanto por ter um evento do tipo tão perto de casa.
A festa realizada pelo Governo do Estado da Bahia, através da Fundação Pedro Calmon e Secult, começou pela manhã, com a conversa entre o rapper Baco Exu do Blues e a jornalista Rita Batista e tem programação que vai até amanhã. O Ginásio de Cajazeiras ganhou vários espaços, com atividades que vão desde espetáculos de contação de história até shows.
Baco falou sobre a importância desse tipo de evento para dar autoestima à juventude negra. Diversas escolas estiveram presentes no evento em um dia diferente da sala de aula, e o cantor contou sobre o quanto isso pode ser importante.
“Eu já fui expulso da escola e já fui desacreditado, mas aprendi a me disciplinar quando percebi que fazia arte. Eu acredito que não tinha a percepção do sentir. Só sabia sentir raiva e ódio, e isso me deixava ansioso frente ao amor. Cantar sobre meus sentimentos hoje é percebê-los”, disse Baco para o ginásio cheio.
Rita Batista faz sua fala na Flin (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
A conversa entre os dois foi uma verdadeira troca de experiências. Baco ainda comentou sobre as dores de viver esse processo e de como a arte o tornou uma pessoa diferente, ciente das próprias dores. “É um exercício cansativo e doloroso, mas aprendi a transformar a dor em arte”, completou o artista, que fala sobre afetividade em seu disco mais recente, Quantas Vezes Você Já Foi Amado?.
Por sua vez, Rita Batista falou das dores inerentes à mulheres e meninas negras: os espaços que se fecham, as dúvidas, a solidão e os estereótipos construídos. “Nós mulheres negras costumamos reagir às situações e isso cristalizou uma ideia de que somos sempre bravas, pois o amor é sentimento que nos é desencorajado”, disse.
Os depoimentos deixaram a jovem plateia emocionada. “Baco é uma revolução política, que traz outra imagem para o cenário do rap Brasil. Estamos falando de outros pontos de vista que não eram vistos na cena, e que mudou a forma de olhar para minha vida”, contou Pedro Sérgio Gusmão, estudante egresso do Colégio Edvaldo Brandão Correia, em Cajazeiras IV.
Presidente da Fundação Pedro Calmon, Zulu Araújo afirmou que a Flin tem objetivo de propiciar à juventude o acesso irrestrito àquilo que lhes é de direito: “o livro, a escrita, a leitura e as manifestações culturais”, enumerou. Ele completou dizendo que é importante descentralizar as festas literárias, levando esse tipo de atividade para o interior dos bairros de maneira a democratizar o debate e o acesso às discussões.
Essa também foi a linha de raciocínio do escritor Evanilson Gonçalves: “É muito importante ter eventos presenciais trazendo esse diálogo com a literatura. Trazer isso para Cajazeiras é importante para ver as belezas das margens da cidade. Essas festas trazem uma troca muito grande e isso é fundamental para a sociedade porque precisamos de diálogo, trocas”, avaliou.
No período da tarde, o trio formado pela colagista Keila Godim, a educadora financeira Karine Oliveira e a jornalista Luana Souza – que mediou a mesa – deu um show de carisma e prendeu a atenção da garotada com uma edição do Conversa Preta, falando sobre afroempreendedorismo e a importância da valorização dos sonhos e do próprio entorno.
“Mesmo quando a gente acha que está só, não estamos, principalmente quando você é uma pessoa preta. Toda oportunidade vem de uma porta que se abriu para nós e isso foi feito por alguém que veio antes, ainda que a gente não conheça”, explicou Karine Oliveira ao mencionar a importância de valorizar afroempreendimentos e educar, inclusive, os nossos sonhos de consumo para construir uma rede.
O segundo dia do Flin tem a mesa com produtor de conteúdo digital, Adriel Bispo, que bate um papo sobre a influência dos livros com estudantes de Cajazeiras. Logo na sequência, a cordelista indígena Auritha Tabajara e a escritora Michelliny Vernuschk discutem sobre os direitos sociais igualitários
Na tarde da sexta (10), o ganhador do Prêmio Jabuti Itamar Viera Junior e Paulliny Tort, finalista do Prêmio Oceanos dividem a mesa “O mundo que nos resta a partir de agora”. Ainda tem apresentação musical do rapper Hiran e o soteropagotrap do Guedez.
O último dia da programação tem a cara de Cajazeiras: Na mesa “Cajacity é meu país”, o idealizador da página “Cajazeiras da Depressão” Wendel Muniz e a vocalista do “Samba Ohana” Marcela Guedes, conversam com Eduardo Luz, do site “Fala Cajazeiras”. Ainda tem conversa sobre pessoas trans com a paraibana Bixarte e o baiano Esteban Rodrigues, com mediação do poeta Alex Simões e a resenha é certa na mesa com os humoristas Jhordan Mateus e Tiago Banha, que dialogam com a atriz Luana Xavier. O encerramento fica com show da Banda Afrocidade.
PROGRAMAÇÂO
10 de junho
10h
Mesa 3 – Onça Que Ruge, Onça Que Fala
Com Micheliny Verunschk, Auritha Tabajara e André Santana
15h
Mesa 4 – O Mundo que Nos Resta a Partir de Agora
Com Itamar Vieira Júnior, Renato Cordeiro e Paulliny Tort
18h
Apresentação Musical de Hiran e Guedez
11 de junho
10h
Mesa 5 – Mente Sã em Corpos Trans
Com Bixarte, Esteban Rodrigues e Alex Simões
15h
Mesa 6 – A Resenha, o Riso, o Limite
com Jhordan Matheus, Tiago Banha e Lua Xavier
18h
Apresentação Musical de Afrocidade
Programação completa em www.flin.ba.gov.br