InícioEditorialCine Clube faz refletir sobre a morte enquanto se come uma pipoquinha

Cine Clube faz refletir sobre a morte enquanto se come uma pipoquinha

Um filme alemão que conta a história de uma esposa que recebe o diagnóstico de uma doença terminal do marido. Ela decide não contar ao companheiro e guarda toda tensão e angústia para si, desencadeando um enredo que trata sobre a morte e o luto. Quando o drama tem seu desfecho e o telão do cinema se apaga, ninguém se levanta. O silêncio ecoa, até que alguém a quebra.  “Eu gostaria de ser avisada, viu”, disse Sofia, com o marido ao lado. Se a única certeza que temos na vida é a morte, por que não falar sobre ela? É justamente a ideia do Cine Clube da Morte (@cineclubedamortessa).

Qual a primeira coisa que passaria na sua cabeça se fosse convidado para assistir a um filme no projeto com este nome? Muita gente certamente acharia que seria um festival de terror ou algo bem mórbido. Nada disso. O termo ‘morte’ remete quase sempre a medo, tristeza ou angústia. Contudo, compreender o fim é contemplar a vida. O Cine Clube da Morte pretende quebrar este tabu e ocorre todo mês na Saladearte Cine Daten, no Shopping Paseo, Itaigara. A proposta é exibir uma película que trata sobre o tema, fazendo pensar sobre a perda, além de abrir uma roda de conversa sobre o enredo da trama, com especialistas e sempre com uma visão naturalizada sobre o fim da linha.

Na última terça-feira, foi exibido o filme alemão “Cerejeiras em Flor” (2007) e fomos conferir. Na baixa iluminação do cinema, as vozes que falam sobre a partida soam com serenidade, sem a necessidade de ver de onde vem o relato. É como se cada poltrona do cinema fosse uma reflexão diferente, sem medo da morte.  Mal deu para enxergar onde estava Sofia, aquela do início do texto, tampouco a encontramos depois. Os relatos se tornam um grande enredo pós-crédito, sem a necessidade de rostos e nomes completos. Então, achamos por bem preservar cada experiência dos espectadores da sessão que acompanhamos, apenas dando o nome de quem se sentiu à vontade de dizer diante de todos. 

“O filme mostrou sobre comunicar a morte, como falar com alguém sobre o seu fim próximo. Meu marido sabe que quero ser informada sobre doença terminal, mas sei que não existe estratégia para isto. A grande questão é como lidar com a morte anunciada. Minha mãe foi assim e avisamos. Ela escolheu até a roupa que seria enterrada e foi tudo muito tranquilo. Todos merecemos saber e escolher o que fazer no fim da vida”, disse Sofia. “Como diria Gilberto Gil, não tenho medo da morte. Meu medo é morrer em vida, ser esquecida”, completa. 

Filme alemão Cerejeiras em Flor (2007)

Humanas

Apesar de um público variado, a maioria das pessoas que estavam no Cine Clube da Morte e deram seus relatos trabalhavam na área de saúde, talvez  buscando algo mais humano na hora de falar sobre a morte aos pacientes. “Eu decidi cursar psicologia quando assisti o Cine Clube pela primeira vez, em 2019. Hoje estou aqui retornando com o olhar de uma estudante da área e com uma nova visão sobre a morte e o luto”, resumiu Marília. 

No final da sessão, a Dra. Jacy Andrade, médica infectologista com especialização em cuidados paliativos, além do Dr. Tarcísio Andrade, médico e psicanalista, acompanharam os relatos e falaram sobre o tema proposto no filme, norteando o público da sessão. Sobre a forte presença de pessoas ligadas à saúde,  Jacy Andrade foi cirúrgica. 

“Sobre profissionais de saúde, eu fico muito à vontade pra falar isso, porque eu também sou da área: nós não somos educados para cuidar de pessoas, nós somos educados para tratar doenças. São duas coisas completamente diferentes”, resume Jacy, enquanto escutava o público. Ela acha que os profissionais da área precisam aprender a respeitar seu paciente e tudo que envolve os cuidados paliativos, principalmente quando a morte é inevitável. É uma questão de humanidade.

O doutor Tarcísio Andrade afirma que o projeto não visa explicar a morte, mas naturalizar aquilo que é a única certeza de nossas vidas. “Ninguém morreu aqui para ter a convicção do que é a morte e explicá-la. É sobre lidar com ela e tudo que envolve, como perda, luto e respeito. Sempre lembro de uma fala do professor de medicina, Doutor Gilberto Rebouças: ‘nunca minta para um paciente, mas nunca diga toda a verdade se ela for cruel demais’”, afirma. 
 
O Cine Clube da Morte nasceu para naturalizar o que é natural. O projeto acontece em São Paulo desde 2017 e foi idealizado pela médica Ana Claudia Arantes, especialista da área de cuidados paliativos, além de Tom Almeida, especializado em desenvolvimento humano. O projeto chegou a Salvador dois anos depois, com uma pausa durante os primeiros anos da pandemia, retornando ano passado. Já são 20 sessões exibidas, com filmes reflexivos e depoimentos marcantes. 

“São inúmeros depoimentos emocionantes, carregados de pessoalidade, mas não consigo medir isso. Outros relatos importantes são os não ditos. São os olhares. Ao final de cada sessão, as pessoas vão embora e passam por nós com aquele olhar… Sabe? Tem algo poético ali, entende? Algo que as palavras não dão conta de explicar, mas que nos enche de orgulho e responsabilidade. Para mim, este é o sentido do projeto”, disse o escritor e poeta, George Lima. Ele é coordenador do Cineclube da Morte em Salvador.

“Em toda sessão eu vou com o coração aberto para as mudanças. As pessoas compartilham seus sentimentos, e toda essa partilha muda o nosso olhar sobre a finitude. E eu aproveito e aprendo. Falar sobre a morte nos aproxima da vida”, completa. O projeto acontece em parceria com a Clínica Florence e a Faculdade Santa Casa. Já tem, inclusive, a data da próxima sessão: 16 de maio, com o filme ‘A Família Savage’. Acredite, vale a pena refletir sobre a morte enquanto comemos pipoca.  
 

Próxima sessão

A Família Savage  será exibido no próximo dia 16/05/2022 (terça), na Saladearte Cine Daten – Paseo Itaigara, das 19h às 22h 
Valor do ingresso: R$ 28,00 (inteira) e R$ 14,00 (meia) (Mesmos valores praticados pela bilheteira)

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