InícioEditorialComo se compram votos (Por Miguel Esteves Cardoso)

Como se compram votos (Por Miguel Esteves Cardoso)

Investigava eu um dos labregos inteligentes que agora estão na moda nos Estados Unidos, de nome Theo Von, quando dei com uma entrevista de Donald Trump.

Vi só o bocadinho que me interessava – aquele em que falam de tabaco, álcool e droga, claro –, mas fiquei impressionado com a paciência e a atenção de Trump.

Apesar de ser muito conhecida a história do irmão Fred – recomendo, a propósito, o filme The Apprentice que Trump tentou proibir –, o irmão Donald explicou cuidadosamente o que lhe tinha acontecido.

Ocorreu-me então que a vitória de Trump sobre Kamala Harris também se pode dever à muito maior disponibilidade de Trump.

É muito fácil gozar, dizendo que Trump vai a todas, mas a impressão que Harris deixou é muito pior: a de quem não vai a nenhuma.

No estilo antigo da política, os políticos são distantes, circunspectos e misteriosos. Cultivam este mistério, para que cada eleitor o preencha como quer.

Trump é um político moderno. Discursava durante horas, deixando que as multidões, grandes, médias ou diminutas, se dispersassem à vontade.

Falava do que lhe apetecia, dizendo o que não devia, defendendo-se e elogiando-se obsessivamente, aborrecendo toda a gente.

Dava entrevistas a quem quer que fosse que pudesse ajudá-lo a ganhar um voto ou dois.

Numa palavra, trabalhava. Estava lá. Sabia-se o que pensava sobre tudo. Era chato. Não se ia embora. Não escondia os piores defeitos. Não escondia nada.

Compare-se com Kamala Harris, elitista e distante, tentando sempre dizer o mínimo possível.

Na verdade, Trump comprou os votos um a um. Tentou convencer todos os grupos, por muito pequenos que fossem.

Não tentou generalizar. Não tentou falar para o máximo número possível de pessoas, para ficar despachado.

O resultado foi que Trump passou por ser sincero. Mandou às urtigas o mistério. A impressão que deixou aos eleitores foi ter-se dado a conhecer. Era aquilo que era. Não havia mais.

Foi mais moderno. Foi mais humilde. Foi mais esperto.

 

(Transcrito do PÚBLICO)

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