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Como zune um novo sedã

Este é apenas um dia comum. Escuto Sobre o tempo no rádio do carro, enquanto a cidade vai ficando seca, lençol no rol de lavadeiras. Tempo mudou. Salvador inteira brilha. Ando por suas ruas distraída como se fugisse da primeira casa da infância, mãos dadas com a irmã, para brincar nos trilhos de trem da estação antiga.

Acho que Deus apontou no mapa este lugar e disse assim: vai lá, azul, pôr luz nas coisas. Dobro uma esquina, avisto o mar. E há tantas vistas quanto igrejas. Logo adiante, está a Paciência. Meio de semana e os meninos pegam jacaré, que é um modo de deslizar sobre a água em pranchas improvisadas, vale tudo de tábuas e isopor.

É assim: você vem correndo bem miudinho na areia, como se fosse bater um pênalti, joga um pedaço de madeira na água do mar e então salta sobre ela em pé. “Equilíbrio. Nem máximo nem mínimo”, como diz o poema de Orides Fontela. Alguns preferem matar as ondas no peito nu, seguindo de braçada na arrebentação.

Enquanto isso, ainda em terra, uns garotos sem camisa batem um baba na quadra ao lado da praia, suados e famintos de bola. Olho para eles e só consigo ver a dança que mora em cada drible. Quase que dá para ouvir uma música. Será um samba duro ou um afoxé? O som invade o dia aos poucos, indistinguível.

Não sei se chovo ou faço sol. A cidade beira o mar e a luminosidade, por trás das nuvens, é como um pássaro urbano que pousa no teto dos automóveis. Ainda lá, a minha velha Bahia vive. Tambores batendo aceleradamente, o coração no peito da América do Sul. E é Oxalá que dita o ritmo deste final de ano.

Salgadas, as águas de Iemanjá castigam as pedras da memória, erosão nas rochas de Capricórnio. E entre suas fendas, Tempo demora, Tempo nos olha, Tempo nos molha. Bicho inquieto, mar. Resguarda a paz absoluta, universo subterrâneo alheio a tudo que se passa. Ao carro que avança, ao menino que se lança dentro do azul.

Algas, estrelas, hipocampos, cadeias de montanhas, planícies abissais, restos humanos de naufrágios, fossas vulcânicas. Do outro lado do Atlântico, o rastro dos que, um dia, atravessaram. O movimento intenso dos barcos na cidade atrás do porto. Este é apenas um dia comum. Um dia comum. Aqui estou, abro meus braços.

 

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