São Paulo – Sete é o número de pecados capitais e também das principais falhas que comprometeram a campanha de Guilherme Boulos (PSol) à Prefeitura da capital paulista. O deputado federal obteve 2.323.901 de votos (40,65% do total válido) e foi derrotado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), eleito com 3.393.110 de votos (59,35% do total) neste domingo (27/10).
Da mudança de postura aos questionamentos sobre a relatoria do caso da rachadinha do deputado André Janones (Avante-MG), algumas falhas fugiram ao controle da campanha, como as ausências do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, que cancelou compromissos de última hora e frustrou o entorno do psolista em mais de uma ocasião.
O Metrópoles elencou, abaixo, as sete falhas mais significativas que cercaram a campanha, sejam estratégias equivocadas ou situações que serviram de munição para que os adversários o atacassem.
Rachadinha de Janones
Em junho deste ano, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados arquivou um processo contra Janones por suspeita de rachadinha. Relator do parecer, Boulos defendeu o arquivamento, algo amplamente utilizado por seus adversários – sobretudo o prefeito Ricardo Nunes.
O psolista negou que tivesse a intenção de absolver Janones, aliado de Lula, e disse que havia seguido a “jurisprudência” do Conselho de Ética, que considera casos apenas da presente legislatura. As denúncias se referem a situações que teriam ocorrido no mandato anterior de Janones como deputado.
Mesmo repetindo que “pau que bate em Chico, bate em Francisco”, elencando denúncias que não foram feitas contra parlamentares por causa dos atos de 8 de janeiro porque teriam ocorrido antes da posse deles, Boulos foi cobrado durante toda a campanha pelo episódio.
Ele também falhou ao alegar ter sido sorteado para a relatoria, sinalizando que a situação fugiu de sua escolha. O influenciador Pablo Marçal (PRTB), inclusive, o lembrou durante a sabatina de sexta-feira (25/10) de que poderia ter se recusado a relatar o caso. O psolista afirmou que havia estudado bem a situação e declarou que não se arrependia.
Postura mais branda de Boulos
A versão mais mansa do psolista, que apareceu retratado no 1º turno como um pai de família que vive na periferia, com camisas de cores claras e fala pausada, foi criticada eleitores e aliados por contrastar com o perfil enérgico e disruptivo apresentado em outras eleições, em especial a de 2020 à Prefeitura de São Paulo.
A nova roupagem, em tese, buscava reduzir a alta rejeição ao psolista e afastar dele a pecha de “radical” e “invasor” colada por seus adversários por sua atuação como líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).
Na prática, a repaginada não surtiu efeito: a rejeição se manteve alta e afastou eleitores que buscavam algum tipo de rompimento com a política tradicional. Não por acaso, Marçal recebeu mais de 1 milhão dos votos com seu discurso de outsider, e foi justamente atrás destes votos que Boulos correu para tentar conquistar no 2º turno. Até mesmo aliados reclamaram que o psolista havia perdido a autenticidade com a forma como vinha se portando publicamente.
Na reta final, Boulos resgatou a postura “raiz” e entregou suas melhores participações em debates, escalando os ataques a Nunes e demonstrando uma firmeza que vinha sendo demandada por eleitores menos ideológicos.
Hino em gênero neutro
O primeiro ato de campanha ao lado de Lula, em 24 de agosto, deu espaço a uma grande dor de cabeça para Boulos. A cantora alterou a letra do Hino Nacional para o gênero neutro e cantou “des filhes deste solo és mãe gentil”, violando uma lei que proíbe qualquer modificação no Hino.
A campanha afirma que a mudança não havia sido combinada com a artista, que inclusive, teria sido contratada pela produtora responsável pelo ato, e não pela equipe do psolista. Boulos precisou se justificar diversas vezes e explicar que, se eleito, não implementaria a obrigatoriedade do gênero neutro nas escolas, algo propagandeado por adversários de direita.
Questionado pelo Metrópoles durante sabatina sobre sua opinião em relação ao uso do gênero neutro, já que seu campo político é defensor do linguajar, ele respondeu: “Você já me viu usar gênero neutro alguma vez?”.
Lula ausente
Apesar de ter sido um dos maiores fiadores da campanha de Boulos, Lula esteve poucas vezes ao lado do psolista. Foram apenas três agendas de rua, todas elas no primeiro turno, além de duas lives e três propagandas gravadas para o horário eleitoral gratuito.
Lula cancelou atos com o psolista por motivos diversos e quase sempre a pouco tempo de sua realização. Publicamente, Boulos e seus aliados negaram qualquer frustração, afirmando, inclusive, que o deputado foi o candidato mais abertamente apoiado pelo petista e o único para quem Lula fez campanha de rua no 1º turno.
Nos bastidores, no entanto, a ausência do petista foi sentida. Boulos esperava maior transferência de votos dos eleitores que votaram em Lula em 2022, mas as pesquisas indicam que 66% do eleitorado do petista declarou voto em Boulos, enquanto 26% decidiram votar em Nunes. A presença física de Lula, segundo alguns aliados do psolista, poderia ter melhorado o cenário a favor de Boulos.
Vice pouco atuante
A vice de Boulos, Marta Suplicy (PT), foi a vice menos atuante de toda a campanha à Prefeitura.
Poupada pelo núcleo duro, que alega que, aos 79 anos, ela não apresentava condições físicas de acompanhar Boulos, com 42 anos, em todas as agendas, Marta fez poucos discursos, evitou entrevistas, e agregou menos votos do que o esperado por aliados do PSol.
“Santo apagão”
A análise vazada de um integrante do PSol, ligado à campanha, sobre os apagões que deixaram milhões de paulistanos sem luz no início do 2º turno também prejudicou a campanha na reta final, sendo citada por Nunes contra Boulos no debate da TV Record.
Revelada pelo Metrópoles, a mensagem, obtida com membros da campanha, apresentava o título “Santo apagão” e indicava o aumento da avaliação negativa a respeito da gestão Nunes diante dos problemas enfrentados pela falta de energia elétrica, algo politicamente explorado por Boulos. O texto também dizia que “uma nova chuva com ventos fortes seria bem-vinda”.
A equipe de Boulos nega que a mensagem seja da campanha e afirma não se tratar de um posicionamento oficial. O PSol também nega qualquer relação do partido com a mensagem.
Mudanças de posicionamento
Para desviar da alcunha de “radical” e fazer acenos a eleitores mais ao centro, Boulos foi criticado por aliados pelo que chamaram de “mudança de postura” em relação a temas caros à esquerda, como a descriminalização das drogas.
Questionado por Nunes, no debate da TV Globo, sobre defender a legalização das drogas, Boulos disse que o prefeito estava equivocado e que ele, na verdade, defendia diferenciar o usuário do traficante.
No entanto, em entrevista ao Brasil 247 em 2018, quando se candidatou à Presidência da República, Boulos disse ser necessário descriminalizar as drogas no Brasil. “É preciso legalizar a maconha, como o Uruguai fez, como o Canadá fez, como os estados norte-americanos fizeram, como vários países europeus fizeram. O caminho é esse”, disse à ocasião.
No debate da TV Record, ainda no 1º turno, Tabata Amaral (PSB) provocou o psolista pela mudança de postura: “Você dizia que era a favor da descriminalização das drogas, agora é contra. Dizia que era a favor da legalização do aborto, agora diz que defende a lei do jeito que está. Nessa semana, exatamente, mudou sua postura em relação à Venezuela e diz, agora, finalmente, que é uma ditadura. Mas o seu partido mantém essas mesmas posições”.