Em 2018, estava em um táxi a caminho do aeroporto de Kuala Lumpur quando fui perguntado pelo motorista sobre qual era a língua do brasileiro. Respondi-lhe que falamos português, mas, para minha surpresa ele retrucou assim: “não, Mister, qual a língua do brasileiro. Português é a língua do colonizador”. Não tive resposta.
Há 523 anos, os portugueses invadiram a Terra Brasilis e trataram de eliminar os traços culturais dos povos originários, inclusive a língua, assim como dos povos escravizados que vieram de localidades que hoje são países: Nigéria, Guiné, Cabo Verde, Senegal, Togo, Benin, Costa do Marfim, Serra-Leoa, Gana, Libéria e Mauritânia, dentre outros países do continente africano.
Nesse mais de meio milênio, vimos a cultura brasileira ser construída a partir dos muitos povos que aqui se estabeleceram. Atualmente, o modo de viver do povo do Brasil é contado em livros, novelas e filmes, e encantado no incrível repertório musical brasileiro.
Mas aí volto à pergunta do motorista malaio e penso: perdemos nossa fala, nossa língua, aliás, Caetano canta que nossa pátria é nossa língua, mas não é a nossa língua, é a do colonizador.
Ao aportarem na Terra do Pau Brasil, os portugueses assassinaram milhares de pessoas no tráfico de escravizados e nos maus tratos aos povos indígenas e, além de matar pessoas, trataram de eliminar ao máximo os traços culturais do povo que aqui vivia e que aqui chegou.
A privação de liberdade trazia junto a perda de identidade que começava pela mudança do nome, seguia pela imposição de uma nova religião e culminava com a perda da língua de origem.
E assim, chegamos ao dia 22 de abril de 2023, data em que comemoraremos o 523º ano da invasão da terra brasileira.
Acontece que parece que não aprendemos com os males trazidos pela colonização, pois insistimos em repetir as maldades perpetradas pelos invasores:
O racismo, institucional e estrutural, persiste como um tumor que não sara nunca; a violência contra os povos indígenas e a ganância pelas terras que brancos determinaram que eles poderiam viver como sendo suas, nos remete a cenas atrozes de homens, mulheres e crianças, brasileiras, indígenas, convivendo com alcoolismo e uso de drogas que lhes foram apresentados por bandidos ou morrendo à míngua por desnutrição e outras doenças; nossas florestas continuam sendo destruídas (o remanescente de Mata Atlântica é de apenas 20%, comparada com a sua extensão nos anos 1500).
A interpelação do motorista malaio ressoa em meus ouvidos toda vez que vejo como estamos empobrecendo, excluindo, maltratando e matando brasileiras e brasileiros e como conseguimos ser mais predadores de nossa fauna e flora que os invasores.
*Augusto Cruz, advogado e escritor, sócio da AC Consultoria.