O mais sincero e bem-intencionado interesse em se informar se amplia durante um evento como uma emergência sanitária ou um desastre climático. Quanto mais a audiência cresce e a opinião pública se envolve maior é sua disputa por diferentes meios comunicacionais e vertentes políticas. Desde que as chuvas intensas causaram inundações e tragédias jamais vistas ao sul de nosso território, assistimos também uma batalha comunicacional. Guerra travada entre os envolvidos na cobertura da tragédia, grosso modo a mídia profissional e a rede comunicacional formada nas redes sociais online.
A mídia profissional é a mais antiga e também a que tem seus interesses e equívocos mais conhecidos, o que ajuda a entender por que perde progressivamente confiança e audiência. Pesquisas internacionais afirmam que o fenômeno da desinformação é inseparável do distanciamento e desconfiança do público dos veículos de imprensa estabelecidos. O que não será resolvido com a demonização das redes sociais e o retorno à hegemonia da “grande imprensa”.
No sistema que se instalou desde meados da década de 2010, destacam-se digital influencers e afins, no que já podemos chamar de uma rede cada vez mais poderosa de comunicação alternativa ou paralela. Fenômeno possibilitado pelas plataformas comerciais que transformam espectadores em emissores competindo com a mídia profissional. A comunicação capilarizada é um mercado voltado ao lucro por meio da monetização dos canais. Influenciadores digitais buscam atenção porque ela se materializa em renda e a rede de comunicação que formam tem vantagens competitivas em relação às profissionais. A começar pela quase ausência de regulação de sua atividade, o que lhes permite adotar estratégias mais radicais na busca pela audiência.
A partir do exposto, não é de se estranhar que durante a tragédia gaúcha esse novo modelo comunicacional, que se consolidou entre nós nos embates políticos da década de 2010 e se expandiu durante a pandemia de Covid-19, tenha se voltado ao que se passa no Rio Grande do Sul. Influenciadores digitais vão aonde os holofotes estão, pois vivem em eterna competição por aparecerem e serem reconhecidos como relevantes. Ainda que desconheça a existência de um manual com estratégias explícitas para entrar, manter-se e competir no mercado da atenção é possível identificar algumas e explicitar a que objetivos correspondem.
A primeira tática de busca de audiência é ir, ou ao menos focar, no tema do momento, o que ajuda a compreender porque desde ex-BBB, medical influencers, celebridades de Instagram, entre outros que não tinham atuação associada ou treinamento para resgates, terem passado a criar e postar conteúdos sobre a tragédia. A segunda é “vender seu peixe” afirmando que sua visão é a verdadeira, o que costuma ser feito desviando a atenção de seus interesses por meio da acusação de que outros – sobretudo a concorrente mais poderosa, a mídia profissional – mente, erra ou atende a objetivos imorais. A terceira estratégia – claramente inspirada nos antigos programas policiais de rádio e nos sensacionalistas de tevê – é criar conteúdo que mobilize e possa ser mais disseminado por quem o consumir, daí os vídeos com senso de urgência e denúncia.
Enquanto um canal de tevê ou jornal prioriza fatos ou entrevista autoridades e especialistas produzindo o que compreendemos como informação, um digital influencer cria e divulga conteúdo concorrente que a audiência pode tomar como informação a despeito de poder ser mera opinião, boato ou posicionamento ideológico. Em contextos críticos como o de polarização política nacional, uma emergência de saúde ou uma tragédia humanitária ampliam exponencialmente as oportunidades para disseminar conteúdos sensacionalistas monetizando as visualizações de seus perfis em diferentes plataformas de vídeo e texto.
(Leia mais em Le Monde Diplomatique Brasil – https://diplomatique.org.br/desinformacao-no-brasil-da-polarizacao-as-tragedias/)