InícioEditorialEntenda a relação da Arábia Saudita e a prática do sportswashing

Entenda a relação da Arábia Saudita e a prática do sportswashing

Cristiano Ronaldo, Benzema, Kanté, Roberto Firmino… a lista de craques do mundo da bola que já desembarcaram na Arábia Saudita para atuar em clubes do país não para de crescer desde a última temporada e é provável que, enquanto lê essa matéria, mais um nome já tenha sido anunciado recebendo cifras salariais astronômicas. Mas se engana quem vê este movimento como mais uma ‘onda de contrações’ do mundo do futebol. O que os sauditas têm feito é por um objetivo muito maior. E tem um nome para isso. O termo em inglês sportswashing, que não tem uma tradução exata para o português, é uma prática que consiste em utilizar o esporte para remodelar ou apagar a imagem que se tem de um grupo, organização ou, como é o caso da Arábia Saudita, um país. Isso tudo através da técnica de soft power, um conceito elaborado pelas relações internacionais que mostra como um Estado ou corpo político busca influenciar de forma indireta os comportamentos e percepções de outros Estados e governos através de ações que atraiam e gerem interesse dessa população. E neste caso estamos falando do esporte como esse mecanismo de influência. Basta dar um google pesquisando o nome do país para entender por que o governo saudita busca um reposicionamento diante de outras nações. Segunda maior produtora de petróleo no mundo, a Arábia Saudita tem seu nome ligado ao mercado dos combustíveis fósseis e cada vez mais passa a estampar as manchetes de jornais ao redor do mundo pelas repetidas ações de desrespeito aos direitos humanos, tendo sido alertada diversas vezes por organizações como a ONU e a Anistia Internacional. Em um país onde mulheres só foram liberadas para frequentar estádios de futebol em 2018, e diariamente têm o seus direitos limitados, e onde o jornalista Jamal Khashoggi foi torturado e esquartejado por críticas à ditadura saudita, o esporte parece ser um caminho viável para um ajuste de rota perante a visão do restante do planeta. A prática do sportswashing faz parte do plano elaborado pelo governo saudita chamado de ‘Saudi Vision 2030’ – ou ‘Visão Saudita 2030 -, onde o objetivo é reduzir a dependência do país da extração de petróleo e diversificar a economia, dando foco em setores como o turismo. E é claro que, para alcançar essa meta é preciso se inserir em mais mercados, não apenas do petróleo, e fazer com que marcas e figuras públicas de peso passem a se interessar pelo país e, consequentemente, atraiam a atenção de forma positiva do público em geral. É um plano arquitetado que respeita etapas e precisa de tempo e – muito – dinheiro para funcionar. Afinal, um país bem visto pelo resto do mundo tende a prosperar nos negócios. O futebol é apenas uma dessas etapas elaboradas pelo país. E que já está em funcionamento há alguns anos. No começo de 2023, por exemplo, a Arábia Saudita recebeu as disputas da Supercopa da Espanha e Supercopa da Itália, campeonatos nacionais europeus que foram negociados e vendidos para que o governo saudita recebesse Barcelona e Real Madrid, e Milan e Inter de Milão, respectivamente. O ápice das competições futebolísticas é a Copa do Mundo, sonho de consumo do país para a edição de 2030. Em 2027, já será sede da Copa da Ásia. Fora dos gramados, o Saudi Vision já conseguiu atrair o mercado da Fórmula 1 com a prova disputada em Gidá desde 2021, e tem em seu calendário os Jogos Asiáticos de 2034. A meta é incluir ainda os Jogos Olímpicos de 2036. Vale ressaltar que o sportswashing praticado pela Arábia Saudita não é o único na nossa história recente. O Catar, que recebeu a Copa do Mundo de 2022, é um dos exemplos mais claros de como utilizar o futebol para limpar sua imagem com o mundo. As construções modernas nos estádios, a reunião de diferentes culturas em um só lugar durante o Mundial e o sucesso de audiência nas transmissões ajudaram a encobrir centenas de casos caracterizados como trabalho escravo nas obras para a Copa. Ou ainda para as falas e gestos homofóbicos que partiram de autoridades cataris contra a comunidade LGBTQIA+. Em um cenário onde o futebol predomina como o esporte mais praticado e acessado no mundo, é fácil entender que ele é a principal arma para a execução do sportswashing pela Arábia Saudita. Diante disso, o governo saudita tomou uma decisão que muda drasticamente o panorama da liga dentro e fora do país. O governo assumiu a administração dos quatro principais clubes da Arábiua Saudita e o projeto prevê um investimento de 1 bilhão de dólares para contratações e salários. Al-Nassr, Al-Hilal, Al-Ittihad e Al-Ahli foram os clubes adquiridos pela monarquia saudita e anunciaram recentemente nomes de peso. O curioso é que, entre os nomes da lista, estão alguns que fogem do padrão ‘medalhão’, de jogadores sem idade avançada que já fizeram carreira no futebol de primeiro nível e estão em queda técnica. O trio do Chelsea Mendy, Kanté e Koulibaly, por exemplo, tinham mercado entre times de alto nível na própria Inglaterra. Mas deram prioridade ao alto salário e à chance de elevar ainda mais o patamar financeiro. Os meias Rúben Neves, Milinkovic-Savic e o atacante Jota também são nomes que já foram requisitados em diversos clubes europeus, mas a proposta aceita foi a do futebol árabe. Até o próprio Benzema, que venceu o prêmio de Melhor do Mundo na temporada retrasada, poderia atuar em equipes das cinco melhores ligas da Europa. Escolheu rivalizar com o ex-companheiro Ronaldo indo para o Al-Ittihad. Esse movimento se diferencia, por exemplo, do Catar. Que ao invés de fortalecer o futebol nacional, escolheu levar sua marca e seu nome até a Europa, com o investimento quase que infinito no Paris Saint-Germain, ou os Emirados Árabes Unidos, com a administração de um conglomerado de clubes o qual o Bahia faz parte, o City Football Group. Ou seja, a Arábia Saudita se mostra ainda mais ambiciosa ao incluir em seus planos levar a Liga Saudita ao top 10 de melhores campeonatos do mundo na próxima década. Tudo isso através do sportswashing.

Você sabia que o Itamaraju Notícias está no Facebook, Instagram, Telegram, TikTok, Twitter e no Whatsapp? Siga-nos por lá.

Últimas notícias

Investimento direto tem melhor março em 12 anos, diz BC

Somou US$ 9,6 bilhões, com alta de 30,6% em comparação com o mesmo período...

Wanessa e Dado planejam construir casa na Chapada dos Veadeiros

Tão pouco reataram o namoro, Wanessa Camargo e Dado Dolabella estariam planejando o próximo...

Mais para você