Última versão do texto, entregue pelo relator Orlando Silva (PC do B), inclui a retirada de um dos pontos mais criticados: a criação de uma agência fiscalizadora da atuação das plataformas
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Fachada do palácio do Congresso Nacional, localizado em Brasília, com a Câmara dos Deputados à direita e o Senado Federal à esquerda
Frente a uma série de crimes que teriam sido estimulados pelas redes sociais, como as invasões do 8 de Janeiro e os atentados em escolas, o PL das Fake News se expandiu para além do combate à divulgação de notícias falsas e se tornou uma iniciativa para regulamentar as big techs que atuam no país. Na mira de mudanças estão as plataformas mais populares, como o Facebook, Twitter, Google, TikTok e Telegram, apontadas como as grandes responsáveis pela veiculação e compartilhamento de conteúdos de terceiros considerados ilegais. Até o momento, as redes sociais só podem ser punidas caso não tomem ações após um pedido judicial. A última versão do texto do PL das Fake News, entregue pelo relator Orlando Silva (PC do B), inclui a retirada de um dos pontos mais criticados pelas empresas e opositores, a criação de uma agência fiscalizadora da atuação das plataformas. O órgão seria responsável por abrir protocolos de segurança para atuar quando houvesse risco a direitos fundamentais, caso as plataformas descumprissem qualquer obrigatoriedade.
Nos destaques apresentados na versão atual também há a retirada do termo “discriminação” e a obrigação do Estado de promover campanhas contra a desinformação a fim de combater discursos de ódio. Também foi alterado o trecho que versava sobre o dever das plataformas atuarem preventivamente no combate a conteúdos potencialmente ilegais feitos por usuários e a previsão de responsabilidade solidária das plataformas com usuários por conteúdos por conteúdos distribuídos por meio de publicidade. Para Luiz Augusto D’urso, advogado especialista em direito digital, com a eliminação da entidade fiscalizadora os usuários devem ter mais liberdade nas redes: “O principal ponto de alteração foi foi o relator Orlando Silva voltar atrás sobre o conselho de fiscalização das redes sociais. Muito se debateu sobre qual seria a atividade desse conselho, e se ele seria um conselho de possível censura. Mas com a exclusão desse órgão no possível andamento desse projeto de lei, nós teremos muito mais liberdade nas redes sociais, restando muito mais carga sobre a responsabilidade das plataformas no texto que ficou”.
O especialista também avalia que a obrigação de ações diligentes, ao invés de preventivas, contra conteúdos ilícitos é algo considerado bastante relevante para as big techs: “Espera-se que as plataformas auxiliem a Justiça nas investigações, fornecendo dados e cumprindo decisões judiciais. A lei fala em um prazo de até 24 horas, posterior a isso podemos chegar em multas de até R$ 1 milhão por hora de descumprimento. Com essa diligência no auxílio à Justiça, espera-se que seja possível remover conteúdos ilícitos de maneira mais célere”. Em contraponto, a também advogada especialista em direito digital, Elaine Keller, a agência reguladora seria importante para os usuários: “Para além do acesso judicial, ou seja, de você poder reclamar algum problema que você tenha com as plataformas utilizando o judiciário, você também teria uma entidade própria, extrajudicial, onde você poderia relatar e fazer qualquer reclamação, sem precisar utilizar os meios do judiciário”. Na última versão do PL, foram mantidas as seguintes determinações:
Criminalização da divulgação de conteúdos falsos por meio de robôs; Proibição de contas automatizadas que não sejam identificadas; Limitação de distribuição de conteúdos em aplicativos de mensagens; Produção de relatórios semestrais de transparência pelas plataformas; Obrigação das companhias de tecnologia manterem sede no Brasil; Remuneração de conteúdos jornalísticos reproduzidos nas plataformas; Transparência sobre os critérios de algoritmos Extensão da imunidade parlamentar às redes sociais Entre as punições previstas pelo PL, estão advertências para correções em até trinta dias, multas de até 10% do faturamento ou até R$ 50 milhões por infração e suspensão ou proibição das atividades em caso de descumprimento das normas. “O PL 2.630 me parece que tem mais pontos positivos do que negativos. É uma lei com necessidade inclusive mundial, a própria União Europeia tem uma lei muito parecida. Muda a situação de combate às fake news nessas plataformas (…) Me parece que as big techs com certeza estarão bastante incomodadas com o texto que tramita, porque não era o que se esperava por parte das big techs, uma vez que a tem a responsabilidade e questões de monetização para conteúdo de direito autoral. Ele afeta não só as questões jurídicas, mas também financeiras das plataformas”, argumenta Luiz Augusto D’urso.
Já Elaine Keller avalia que o texto apresentado é similar à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD): “As soluções são as mesmas, é adotada a mesma dosimetria, também é uma lei principiológica. Mas, lá na LGPD, você tinha a criação de uma autoridade nacional de proteção de dados que tinha ali o poder de fiscalizar e criar novas diretrizes, porque a vida digital é muito dinâmica. Esse texto antigo, a versão antiga que o deputado Orlando Silva trazia, também mencionava a respeito de um comitê que teria 21 membros multidisciplinares e a possível criação de uma entidade”. Vale destacar que as sugestões apresentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral não foram incorporadas à proposta. Apenas um item foi parcialmente contemplado e trata da responsabilização solidária das big techs. As sugestões do TSE rejeitadas eram:
Dar poder às empresas de internet para identificar o que seria uma publicação imprópria, para que pudesse indisponibilizar imediatamente conteúdos e contas com a dispensa de notificação aos usuários Multa de R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora de descumprimento de determinação da Justiça Eleitoral para a remoção de links Inserção de crimes tipificados no código penal que poderiam autorizar a remoção de divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, que atinjam a integridade do processo eleitoral O texto, que teve a urgência aprovada na última terça feira com 238 votos à favor e 192 contrários, vai à votação em plenário no dia 2 de maio. Até lá as negociações ao redor da proposta continuam. O relator também não descarta a apresentação de uma nova versão do texto com mudanças. Para ser aprovado, o PL precisa de maioria simples, desde que confirmado o quórum mínimo de 257 deputados em plenário. Caso aprovada, a matéria retorna para análise do Senado Federal.
*Com informações da repórter Letícia Miyamoto