Foto: Marcello Casal Jr./Arquivo/Agência Brasil
Estados abrem mão de R$ 1 a cada R$ 5 de ICMS por causa de benefícios fiscais 10 de dezembro de 2023 | 07:38
Os estados e o Distrito Federal abriram mão de 21,6% da receita bruta do ICMS no ano passado por meio da concessão de benefícios fiscais, segundo a edição mais recente do Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, divulgado pelo Tesouro Nacional.
Isso significa uma renúncia de R$ 1 a cada R$ 5 que poderiam ser arrecadados com o principal imposto estadual. O impacto total dos incentivos foi calculado em R$ 211,2 bilhões.
Há estados em que o peso dos benefícios é ainda maior.
No Amazonas, com a Zona Franca de Manaus, as renúncias do ICMS alcançaram 52,4%. Em Santa Catarina, a proporção foi de 37%. Distrito Federal, Mato Grosso e Goiás vêm na sequência, cedendo cerca de um terço de sua arrecadação em favor de empresas e setores.
O cálculo do Tesouro considera a soma das renúncias em relação ao que teria sido arrecadado pelo estado caso os incentivos não existissem. Isso é chamado de receita bruta do imposto, antes das subvenções.
Os benefícios fiscais do ICMS estão no centro de duas pautas estratégicas para a equipe econômica: a Reforma Tributária e a MP (medida provisória) 1.185, que trata da tributação dos lucros de empresas contempladas por incentivos estaduais sem relação com investimentos.
A medida mais estrutural é a Reforma Tributária, que pretende pôr fim à chamada guerra fiscal, caracterizada pela corrida dos estados para atrair empresas por meio da concessão de incentivos generosos.
Estudos mostram que a prática não impulsionou a atividade na magnitude esperada e serviu para dilapidar a arrecadação dos entes.
Com a migração para o novo sistema IVA (Imposto sobre Valor Agregado), o ICMS será extinto e, com ele, seus incentivos. A lógica de fomento à atividade econômica também vai mudar, passando a depender de um fundo com recursos orçamentários.
Até lá, porém, o governo federal já prometeu R$ 160 bilhões (em valores de hoje) para ressarcir empresas que receberam benefícios por prazo certo e sob condição (com contrapartidas) e forem negativamente afetadas pela transição da reforma.
Nem todos os incentivos farão jus à compensação federal. Apenas 48,1% das renúncias têm prazo determinado, e mesmo dentro desse grupo é preciso observar quais foram convalidadas pelo Congresso Nacional.
Ainda assim, caso o valor seja insuficiente, a PEC (proposta de emenda à Constituição) obriga a União a arcar com o custo excedente do ressarcimento.
A economista Cristiane Alkmin Schmidt, consultora do Banco Mundial, avalia que a renúncia fiscal do ICMS é bastante elevada. “A guerra fiscal foi muito nociva para os caixas estaduais.”
Segundo ela, quando poucos estados concediam os incentivos para atrair investimentos, os impactos econômicos podem ter sido positivos. Mas, no momento em que os demais equipararam os benefícios, restou apenas o efeito corrosivo sobre a arrecadação.
Schmidt, que comandou a Secretaria de Fazenda de Goiás entre janeiro de 2019 e abril de 2023, afirma que “os lobbies são muito grandes”. “Tem uma pressão muito grande sobre o governador e os secretários”, diz.
“Espera-se que, com a reforma, não tenha a guerra fiscal como existe hoje. Ela pode existir no sentido de que os governadores podem querer fazer política pública, mas ela vai estar de forma transparente nas leis orçamentárias”, afirma.
A Folha procurou as secretarias de Fazenda dos estados com as cinco maiores taxas de renúncia. Amazonas, Distrito Federal e Mato Grosso não responderam.
A Secretaria de Economia de Goiás afirmou que fez “uma importante redução” em seus benefícios fiscais desde 2019.
“Promoveu-se uma revisão geral na política de incentivos que resultou em alterações relevantes na legislação tributária, reduzindo o montante da renúncia de receita, especialmente nos programas de benefícios direcionados ao setor industrial”, disse o órgão em nota.
Segundo a secretaria, desde então, os incentivos em Goiás têm se mantido estáveis, trajetória considerada importante para “manter um ambiente de segurança jurídica e previsibilidade” para as empresas. A pasta ainda atribuiu à política resultados positivos de crescimento e emprego no estado.
A Secretaria de Fazenda de Santa Catarina disse, em nota, que os incentivos têm “papel estratégico” para atrair investimentos, dar competitividade às empresas, fomentar setores específicos e reduzir preços de alguns produtos “com caráter social”.
“Grande parte dos incentivos não corresponde a uma receita que deixou de ser arrecadada, uma vez que as empresas beneficiadas não estariam em Santa Catarina se não contassem com o benefício”, disse a pasta.
O órgão afirmou ainda que os benefícios locais “são condicionados a projetos de investimento e à geração de empregos no estado” e que lançou, no fim de março, um programa para revisar renúncias “que já tenham cumprido seu papel e sejam passíveis de ajustes”, com economia potencial de R$ 1 bilhão.
IMPACTO DE RENÚNCIAS DO ICMS NA RECEITA FEDERAL ESTÁ NA MIRA DE HADDAD
A curto prazo, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) busca apoio no Congresso Nacional para estancar o efeito negativo que parte das renúncias do ICMS tem tido sobre a arrecadação federal.
As empresas têm direito a descontar da base de cálculo dos tributos sobre o lucro as subvenções ligadas a investimentos para aumentar sua capacidade produtiva.
O problema é que as empresas também descontam as subvenções ligadas ao custeio, reduzindo a arrecadação da União —indevidamente, na visão do Ministério da Fazenda.
“Para onde vai esse dinheiro? Em muitos casos, vai direto para o bolso do sócio da empresa”, disse o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, em entrevista no início de setembro.
Para o governo, é como se os estados dessem um incentivo com o chapéu alheio —brecha que a Fazenda quer fechar com a aprovação da MP.
A medida não interfere nos benefícios estaduais, mas evita que as subvenções ao custeio sejam descontadas da base de cálculo dos tributos federais. A expectativa é arrecadar R$ 35 bilhões com a iniciativa em 2024.
O boletim do Tesouro joga luz sobre o tamanho dos incentivos envolvidos e suas principais características.
Segundo o documento, 51,9% das renúncias do ICMS têm prazo indeterminado, ou seja, não têm prazo para acabar. Embora ainda seja um montante significativo, é um percentual menor do que o verificado em 2021 (59%).
Em relação à modalidade, o formato predominante é a concessão de crédito presumido (49,4%). Por meio desse instrumento, o estado concede um crédito de determinado valor que as empresas podem usar para abater o imposto a ser recolhido.
Trata-se de um incentivo de simples implementação, mas que, segundo o Tesouro, pode gerar ineficiências na alocação eficiente de recursos produtivos.
Outros 21,7% das renúncias do ICMS são concedidos via isenção tributária. Há ainda benefícios de modificação da base de cálculo (20,6%), alteração de alíquota (3,4%) e outros (4,8%).
A indústria de transformação é a principal beneficiada pelos incentivos do imposto, com 46,1% dos valores envolvidos. Na sequência, está o segmento de comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (33,2%). Os regimes especiais respondem por 8,2% das renúncias.
Além das renúncias, a arrecadação com ICMS nos estados em geral também foi afetada negativamente em 2022 pelo corte nas alíquotas sobre combustíveis, aprovado em lei federal com apoio do governo Jair Bolsonaro (PL) às vésperas da eleição.
Em média, houve queda real de 3,2%. No entanto, houve um comportamento bastante heterogêneo entre os estados.
Enquanto Santa Catarina ainda obteve uma expansão de 8%, o Rio Grande do Sul registrou um tombo de 13% na arrecadação do imposto em relação a 2021.
Idiana Tomazelli/Folhapress