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Ex-funcionários da GDK aguardam há 10 anos para receber valores na Justiça baiana

Não se passam três meses sem que um ex-funcionário da GDK Engenharia, antiga gigante da engenharia nacional, vá até o Fórum Ruy Barbosa, no Centro de Salvador, cobrar atualizações. O pedido de recuperação judicial da empresa se arrasta há dez anos, junto à espera de trabalhadores pelo pagamento dos seus direitos trabalhistas. A dívida com eles soma até R$ 17 milhões. 

O andamento do processo de recuperação judicial pode ser acompanhado online, mas há trabalhadores que preferem ir ao fórum, onde está a 1ª Vara da Fazenda Pública, pressionar como podem. A dívida da empresa com ex- trabalhadores de todo o Brasil chega a R$ 36,4 milhões, mostram documentos públicos – metade disso é devido só a quem atuava na Bahia, segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Construção e da Madeira do estado (Sintracom).

Os anos de espera pelo pagamento incluem desacordos, crises políticas e econômicas, adiamento de assembleias, objeções e acusações de que a GDK prolonga o processo. A empresa baiana tem como credores de banqueiros bilionários a ex-encanadores que veem a casa alagar quando chove. A dívida total dela é R$ 333,5 milhões.

“O que eu posso dizer é que nenhum banco tem depressão”, diz Raileucio Oliveira, 62 anos, ex-funcionário que passou 17 anos na GDK e é diretor de aposentadoria do Sintracom.

“Saí da empresa já mais velho e não consigo me empregar. Muitos estão passando dificuldades financeiras. Isso por conta da situação da empresa, chega às dívidas, chega tudo. Sempre honrei meu nome e hoje está sujo”

Na última semana, ele foi, novamente, ao Fórum Ruy Barbosa. Saiu sem boas notícias: o novo plano de recuperação precisava ser analisado em mais uma assembleia. Ao longo desta reportagem você lerá as manifestações da defesa da GDK e do criador e presidente da empresa, César Roberto Santos Oliveira.

Entre os ex-trabalhadores da empresa, a espera pelo pagamento se alonga como as dificuldades. Os amigos e antigos colegas Miguel Mendes, 67 anos, e Ovídio Santos, 65, precisam fazer reparos em casa.

Miguel, à esquerda, e Ovídio (Dino), à direita (Foto: Marina Silva/CORREIO)

O fundo da residência de Miguel está coberto por uma lona que deve segurar o barranco molhado. Ovídio tira de balde a água que se avoluma no chão quando chove. A renda dos dois não dá para as reformas devidas.

“Peão trabalha em cima da rescisão, que é a chance que a gente tem de ter algo. Isso é geral do trabalhador que ganha pouco”, diz o aposentado Miguel, que passou uma década na GDK, como soldador. 

Ovídio, também soldador, complementa o amigo minutos depois, conforme a conversa com a reportagem avança: “Espero que não tenha que esperar a gente morrer para receber”. Ele conhecia duas pessoas que morreram sem ter os direitos trabalhistas pagos.

Até solicitar a recuperação judicial, em janeiro de 2013, a GDK era uma das líderes do mercado de petróleo e gás no Brasil.

Em um vídeo promocional da década de 2000, ela se anunciava como “uma das principais empresas de engenharia do Brasil”, “sendo reconhecida nacional e internacionalmente” e “mantendo investimentos em pesquisa e formação”. Os ex-funcionários concordam com essa versão. 

“Todo mundo queria trabalhar lá. O salário era pago em dia ou antecipado. A gente sentiu o impacto da notícia, só não imaginava que ia ser essa dificuldade para receber”, diz Ovídio. 

Início das demissões e adiamento de assembleias

Desde 2013, trabalhadores e o restante dos credores se reúnem com a GDK para discutirem o plano de recuperação judicial da empresa. A aprovação desse documento de propostas da empresa depende da aceitação dos credores.

No plano mais recente, está previsto o abatimento  de 50% da dívida com os trabalhadores – o  restante seria pago quando a empresa vendesse um dos seus bens imobiliários. 

Leia mais: Relembre outros casos famosos de recuperação judicial

A última assembleia aconteceu em março, sem desfecho. A nova reunião deveria ocorrer nos primeiros 15 dias de junho, mas uma migração do sistema judicial adiou o chamamento.
 
Com a proximidade do São João, ex-funcionários acreditam que devem esperar até o próximo mês. O tempo de aguardo de cada um deles pelo pagamento das suas verbas rescisórias varia de acordo com as datas de demissões.

As primeiras delas ocorreram em novembro de 2012, dois meses antes de a GDK pedir recuperação judicial. Sergivaldo Santos, 58, integrou os primeiros grupos de demitidos, depois de 13 anos como encanador da GDK.

 “A gente teve uma reunião e disseram que iam pagar a gente em dez dias. Quando passaram os 10 dias, já achei estranho, mas confiei na palavra”.

O propósito da recuperação judicial, permitida por lei, é que uma empresa em crise se organize, sob supervisão do Judiciário. As cobranças são suspensas e um plano de recuperação é apresentado a credores, que o aceitam ou não. O processo de recuperação judicial, na teoria da lei, deveria durar dois anos. Mas, na prática, ele pode se alongar.

Sergivaldo aguarda pagamento há 10 anos (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Demitido antes da recuperação judicial, Sergivaldo deveria ter recebido o que lhe era devido em 10 dias. Esse limite é determinado pela Consolidação das Leis Trabalhistas. Quando um pedido de recuperação judicial é deferido, os valores das multas trabalhistas que não foram pagos pela empresa passam a constar na lista de dívidas dela e o montante só é liberado quando o plano é aceito. 
 
Desde então, o encanador trabalha informalmente em serviços de hidráulica. Ele conversa com a repórter ao lado de quatro ex-colegas, em uma casa no Centro de Salvador. Todos moveram processos trabalhistas contra a GDK. Enquanto detalham os anos de espera, lembram de colegas, como Cecília Sales.
 
Em fevereiro de 2020, ela, secretária na empresa por 17 anos, faleceu, vítima de um câncer. Atravessava um período de restrições econômicas: não podia arcar um plano de saúde e a aposentadoria (R$ 1,2 mil) era insuficiente para as demandas. 

“O dinheiro poderia ter feito muita diferença no tratamento dela, eu acredito. Mas hoje, depois de tantas promessas, chega uma hora que você quer ter paz, então tem coisas que você busca dar como esquecidas”, afirma Cátia Sales, filha de Cecília.

Oficialmente, a empresa alega que o principal motivo da crise foi a queda financeira da Petrobras, para quem ela prestava 90% dos serviços. Desde 2010, mostram balanços financeiros anexados ao processo de recuperação judicial, a empresa deixou de receber pagamentos por serviços prestados à estatal.
 
A operação Lava Jato, deflagrada em 2014 pela Justiça Federal, traria novos capítulos para  a GDK, ao incluí-la na lista de investigadas em esquemas de corrupção entre Petrobras, o Estado e empreiteiras. 

Na versão de ex-funcionários, a empresa havia criado um “cabide de empregos” para acomodar pessoas com os sobrenomes certos. O presidente da empresa, César Oliveira diz que “nunca empregou ninguém com ligações políticas”. 

Em 2019, parte dos ex-funcionários se mobilizaram para receber adiantamento parciais de valores que a empresa deve. A situação financeira, à época, atingiu o limite para alguns deles.

“O juiz se sensibilizou um pouco e disse que ia emitir alguns valores. Minha esposa estava sofrendo de depressão e sofre até hoje e eu precisava arcar com essas despesas, porque eu perdi o plano de saúde”, conta Agnaldo Ferreira, 62. 

O ex-chefe de almoxarifado foi demitido em abril de 2016, depois de 20 dias de um trabalho de catalogação de todos os equipamentos disponíveis no canteiro 900, no bairro de Águas Claras. Em cinco anos de espera, Agnaldo calcula ter ido “mais de 20 vezes” no Fórum Ruy Barbosa cobrar respostas.

GDK era referência no mercado de petróleo e gás

A GDK foi fundada em 1989 por dois irmão baianos, com o nome de Geral Engenharia Ldta. Em três décadas, tornou-se um dos principais nomes de construção e manutenção de gasodutos, instalações industriais e oficinas de produção de petróleo e gás. A empresa chegou a ter mais de 5 mil funcionários no país.
 
Hoje, a GDK permanece em atuação, reduzidamente, em Salvador: o canteiro em Águas Claras ainda funciona, com 12 trabalhadores – eram 380 – e uma ala administrativa no Comércio.  Entre 2017 e 2019, a empresa chegou a ficar impedida de fechar contratos com o poder público, depois de a Controladoria Geral da União declará-la “inidônea”. 

Segundo a CGU, “a GDK efetuou pagamentos de propina a agentes públicos da Petrobras com finalidades ilícitas, com “objetivo era exercer influência indevida e receber tratamento diferenciado em contratações realizadas pela Petrobras”. 

Década de 2000 na GDK (Foto: Ex-funcionário)

O presidente da empresa chama a decisão de “um absurdo de uma tese sem comprovação efetiva”. Ele foi denunciado e condenado (com multa), em julho de 2020, por corrupção ativa, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF). À época, a defesa taxou a condenação de “absurda” e recorreu da sentença. 
 
Advogado do escritório responsável pela recuperação judicial da GDK, Hernani Sá Neto elenca as principais dificuldades do processo. A principal delas, segundo ele, é a espera pelo pagamento de dívidas da Petrobras com a empresa. 

Ainda há as questões típicas de um processo desse tipo, como a “diversidade de credores”, a pandemia da covid-19 e um imbróglio que envolve a venda do principal bem imobiliário da GDK – o terminal da Ponta da Laje, em Candeias. No último plano apresentado pela empresa, consta que viria da venda do terminal parte do montante para pagar as dívidas.

“Vários interessados na aquisição do terminal estão em negociação, porém a prefeitura de Candeias emitiu um decreto de desapropriação das áreas portuárias”, afirma Sá Neto. 

A Justiça Federal foi acionada. Procurada, a Prefeitura da cidade não se manifestou. 

Os planos de recuperação judicial podem ser modificados, a depender da análise dos credores. Só no ano passado, foram nove objeções à proposta da empresa – de bancos e fornecedores, nenhuma feita judicialmente por ex-funcionários.

Em janeiro deste ano, uma empresa, em objeção ao plano da GDK, escreveu que a companhia baiana pretende pagar 10% da dívida à parte dos credores, o que seria “praticamente um perdão da dívida”. 

Para essa credora, “a GDK não tem condições de se recuperar e utiliza o Poder Judiciário como ferramenta para prejudicar os demais credores”. Hernani Sá Neto nega que a empresa prolongue a situação. Em novembro de 2013, um plano de recuperação chegou a ser aprovado pela empresa baiana com os credores, mas ele foi anulado em 2017 – nesse intervalo, a GDK havia deixado de pagar o que devia. Um novo plano, então, precisou ser posto em discussão. 

“A GDK não pode pagar os credores sem antes ter seu Plano de Recuperação aprovado pelos próprios credores, por exigência legal. Só eles têm poder  de resolver e não a GDK”.

Se os credores não aceitam as propostas, explica o especialista em Recuperação Judicial e Falências, “o processo de recuperação judicial se transformará em falência, e – certamente – outros credores entrarão no processo com prioridade de recebimento, como a União e as dívidas tributaria, dificultando ainda mais a solução”.  

O presidente da GDK, César Oliveira, diz que espera, ainda este ano, resolver a recuperação e pagar aos trabalhadores. Em resposta escrita à reportagem, ele conclui que acredita no restabelecimento da empresa. Os ex-funcionários da empresa ouvidos por esta publicação não creem nessa possibilidade. 

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