São Paulo — A execução de Vinícius Gritzbach, o delator do Primeiro Comando da Capital (PCC), em pleno Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, na última sexta-feira (8/11), acirrou o debate entre a esquerda e a direita sobre a PEC da Segurança Pública proposta pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O crime ocorrido no terminal de desembarque do maior aeroporto do país fez crescer a pressão do governo para aprovação da proposta de emenda à Constituição que aumenta o poder do governo federal na área, o que sofre resistência de governadores e da direita. O assunto também antecipa a troca de acusações sobre segurança para a eleição presidencial de 2026.
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, citou especificamente o assassinato do delator do PCC com tiros de fuzil no aeroporto caso para elogiar a PEC.
“A PEC da Segurança pode, eventualmente, prevenir no futuro operações criminosas desse tipo, na medida que há uma coordenação de esforços da União, estados, DF e, eventualmente, até as guardas municipais”, afirmou Lewandowski.
O texto estabelece que as diretrizes da PEC “serão de observância obrigatória por parte dos entes federados [ou seja, estados e municípios]”. Hoje, a segurança é responsabilidade dos governos estaduais e o trecho da proposta foi alvo de críticas de parte dos governadores.
Reação
A morte de Gritzbach fez com que o governo usasse o episódio para subir a pressão pela aprovação da PEC, o que gera reações.
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), por exemplo, afirmou na terça-feira (12/10), durante um evento, que a PEC não resolverá o problema da segurança pública e que ela não serve para muita coisa.
“Ela [PEC], por sinal, não serve para muita coisa, pra não dizer que ela não serve para nada”, afirmou. Tarcísio tem argumentado que é preciso endurecer as leis, que hoje permitem que ladrões de celular sejam presos e soltos em curto espaço de tempo.
O governador é cotado como um dos nomes mais fortes da direita para enfrentar Lula na disputa presidencial de 2026, quando o assunto do crime organizado pode ser um dos principais temas do pleito.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), por exemplo, já usou o tema para fustigar o governador.
“É de ficar de cabelo em pé: o PCC desafiou o estado de São Paulo ao matar um empresário em pleno aeroporto de Guarulhos. Qual a resposta do secretário de segurança pública de São Paulo @DerriteSP”, escreveu na rede social X (ex-Twitter).
Antes do episódio, o secretário da Segurança Pública paulista, Guilherme Derrite (PL), já havia criticado a proposta do governo. “O governo federal vai mal em muito aspectos, mas segurança público tenho convicção com base evidências e números que não conhecem nada”, disse, afirmando que a polícia não foi ouvida para a elaboração do texto da PEC.
O senador Hamilton Mourão (Republicanos) acusou o governo de atuar para “não apanhar muito” em 2026 e de não ter feito nada para combater o crime organizado.
“Em vez de inventar medidas protelatórias para não apanhar muito em 2026, o MJSP [Ministério da Justiça e Segurança Pública] deveria sim estar trabalhando e fazendo o dever de casa. Aqui no Parlamento, vou lutar para que o PT não consiga exercer controle político nos órgãos de Segurança Pública estaduais e defender o federalismo”, afirmou.
Politização
O cientista político Marco Antônio Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que as circunstâncias do crime acabam favorecendo a politização do tema.
“Obviamente o caso puxa 2026 porque o episódio aconteceu no estado de São Paulo, sob a gestão do governador Tarcísio de Freitas. A segurança pública é uma responsabilidade do governo estadual, e isso chama atenção. Esse incidente aconteceu em um local simbólico, o aeroporto internacional, e resultou na morte de um inocente”, diz.
Teixeira afirmou que o governo já havia admitido a dificuldade de tramitação da PEC e citou a tensão entre Lula e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), durante reunião com governadores sobre este tema.
O episódio é só mais um dos pontos tensão entre governos federal e estaduais na segurança, lembra o professor. Outro ponto é a questão do uso de câmeras corporais — o governo federal criou diretrizes estimulando o equipamento, mas estados com governo mais à direita resistem.
PEC
Entre os principais pontos da PEC está a inclusão do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), o chamado “SUS da Segurança Pública”, na Constituição. Com isso, o governo pretende colocar sob o guarda-chuva da União a competência de estabelecer uma política nacional de segurança pública e defesa social, que abrangerá o sistema penitenciário.
Outra mudança proposta no texto diz respeito à estrutura das polícias Federal e Rodoviária Federal. A ideia é replicar o modelo de divisão das forças que é adotado pelos estados no âmbito da União.
Dessa forma, a PF, no papel de polícia judiciária — equivalente à Polícia Civil —, seria responsável pela repressão a crimes ambientais, organizações criminosas e milícias privadas quando houver atuação interestadual dos criminosos.
A PRF, por sua vez, seria transformada na Polícia Ostensiva Federal. Entre as atribuições, se o texto for aprovado, o órgão poderá realizar o policiamento ostensivo em rodovias, ferrovias e hidrovias federais.
Também caberá à força o patrulhamento sobre proteção de bens, serviços e instalações federais, além de prestar auxílio às forças de segurança estaduais quando solicitada.
Outra novidade do projeto é a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária, voltado a apoiar ações de segurança pública. O texto veda o contingenciamento de recursos do fundo.