InícioEditorialFachadas escondidas de prédios históricos da Avenida Sete são reveladas por projeto

Fachadas escondidas de prédios históricos da Avenida Sete são reveladas por projeto

Os edifícios podem ser um pouco como as ruas. No trecho mais comercial da Avenida Sete de Setembro, em Salvador, a mistura de colorido  na via se repete no térreo dos prédios. A história está quase sempre metros acima. A um minuto, a pé, da Igreja e Mosteiro de São Bento, é preciso erguer o pescoço para ver o que ainda existe da face do Edifício Robert Schmidt.
 
O prédio bege, do início do século 20, tem seis andares, dos quais dois são disputados por duas lojas com letreiros publicitários vermelhos – em uma delas, funcionava a Farmácia Caldas, aberta em 1865 e fechada nos anos 70 – e outro estabelecimento envelopada de preto. Depois de quatro anos de pesquisa, arquitetos redescobriram a arquitetura escondida em edifícios como aquele.
 
Em 2019, arquitetos da Fundação Mário Ferreira Leal (FMFL), órgão da Prefeitura de Salvador encarregado do patrimônio, e a Unesco, representada por uma consultora técnica, começaram a estudar as fachadas de 53 edifícios da Avenida Sete. Queriam descortinar o que havia ficado para trás em meio aos engenhos publicitários do comércio.

Nesse movimento, depararam-se com riquezas arquitetônicas – como portas ricamente trabalhadas.

O estudo sobre como seriam as fachadas sem tantas intervenções é parte de um projeto maior. A parceria firmada entre a FMFL e Unesco serviria para estudos gerais sobre regulamentações para aquela área no entorno do Centro Histórico. Os engenhos publicitários eram um dos itens, mas, de tão abundantes sobres prédios, levaram o grupo a uma ação específica sobre o assunto.
 
Os arquitetos, então, passaram a pesquisar as partes das fachadas que não conseguimos ver por meio de arquivo fotográficos e visitas. Com o material de pesquisa em mãos, conseguiram prospectar, em desenho, o que os engenhos publicitários cobriam.

Edifício R.S. na época da Farmácia Caldas (Foto: Arquivo/Pesquisa de Ana Bierrenbach)

A Avenida Sete tem 4,6 quilômetros – vai do Farol da Barra à Praça Castro Alves – mas o projeto focou em 1,2 quilômetro, a partir da Rua Politeama de Cima. O perfil dessa fatia da avenida motivou a escolha: se o objetivo era estudar o impacto das publicidades nas fachadas, nada melhor que a zona histórica e comercial onde estão mais de 400 lojas, calcula a Associação dos Empresários da Cidade Alta.
 
As responsáveis pelo projeto dizem que não se trata voltar à Salvador do passado, sim destacar a paisagem como um dos caminhos de valorização daquele território. O projeto é finalizado enquanto a Avenida Sete vive uma escalada de violência e acirramento dos conflitos entre lojistas e ambulantes.
 
O trabalho se inspirou nos exemplos de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, cujos governos criaram manuais para placas publicitárias não cobrirem alguns dos edifícios históricos. 

“O que a gente está é mostrar a importância de fazer uma revisão das fachadas. Não queremos trazer de volta o antigo, mas a beleza”, avalia a arquiteta Beatriz Lima, uma das integrantes do projeto, pela FMFL, onde chefia a Diretoria de Planejamento e Informações. 

 
A Avenida Sete conta histórias

A Avenida Sete pode contar histórias. No trecho estudado pelo projeto, há exemplos de estilos arquitetônicos como o Art Déco, Art Nouveau, modernismo (vide o Edifício Fundação Politécnica, que não entrou nesta fase do levantamento), ecletismo e o protomodernismo. 

Os edifícios estudados não são tombados, mas estão no entorno da área considerada patrimônio mundial pela Unesco – o Centro Histórico. É a “zona de amortecimento”. 

“A diversidade da Av. 7 está caminhando para a homogeneização. O que a gente gosta na cidade de Salvador é a diversidade de situações, [e a valorização das fachadas] pode ajudar a enxergar a passagem do tempo. Pode parecer inútil, no meio de tantas questões urgentes, mas é o tipo de ação que individualiza a cidade.”, acredita a arquiteta Jurema Machado, consultora técnica da Unesco no projeto e ex-presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Quando o catálogo das fachadas dos 53 edifícios for concluído (está na fase dos últimos detalhes), será criada uma agenda de diálogo com os empresários da região, para sensibilizá-los quanto ao poder que mudanças nas fachadas dos prédios pode ter. “Sacrificar a imagem daquele lugar é tirar o sentido econômico, inclusive”, acrescenta Jurema.

Em média, 300 mil pessoas transitam diariamente pela Avenidas Sete, segundo a Secretaria Municipal de Ordem Pública. 

Por ora, não é obrigação legal dos empreendedores adequar as fachadas de acordo com o valor histórico dos imóveis. Eles precisam seguir uma norma que considera a proporção entre as metragens total do imóvel e do engenho publicitário.

De 2018 a abril de 2023, foram expedidos pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) 406 alvarás de publicidade (71 só na Rua Carlos Gomes, na Avenida Sete). Os números podem está superestimados, por incluir a renovação de licenças de uso.

Mas há, sim, ilegalidade. De abril de 2021 a 2023, foram removidas 4.160 publicidades irregulares da Avenida Sete (trecho completo) – 822 só na Rua Carlos Gomes.

O avanço dos engenhos publicitários, que não é exclusividade de lá, acompanhou a consolidação da avenida como uma região comercial, a partir dos anos 60. O térreo de um só edifício é compartilhado por até quatro estabelecimentos, que competem por atenção. E fazem isso, entre outras estratégias, por meio das cores . 

Desde os primeiros passos, Haroldo Núñez, 85 anos, viveu a Avenida Sete – primeiro, como morador, depois, como empresário. A publicidade das lojas, ele lembra, era feita por placas que acendiam e apagavam.

Admirador do patrimônio histórico e arquitetônico de todo o centro da cidade, ele considera a possibilidade de mudança das fachadas, mas vê mais obstáculos à visualização dos prédios – como os ambulantes nas calçadas. As estimativas dos lojistas, reunidos, é de que 8 mil ambulantes atuem no território.

Em 2020, a Prefeitura de Salvador entregou uma obra que realocou parte dos ambulantes para corredores. A estimativa é de 162 ambulantes licenciados para trabalhar na localidade.

“As lojas, os prédios, já estão escondidos pelos ambulantes. Isso é um desastre, deveríamos primeiro corrigir essa situação. Não é uma história de coitadinhos. Você não vê o que está atrás. Tudo isso prejudica. Os lojistas aceitam qualquer coisa que possa ser positiva, como esse projeto, mas não vai adiantar sem contornar outros problemas”, acredita o empreendedor.

Da via de ligação a marco de Salvador

Parados em frente ao Relógio de São Pedro, ao lado de uma viatura da Polícia Militar, quatro policiais acompanhavam o movimento no entorno na última quarta-feira. Em 10 minutos no local, a reportagem viu quando quatro policiais correram até a faixa de pedestre mais próxima, onde havia ocorrido um furto.

“É esse tipo de outra problema que ainda precisa ser contornado. Às 17h, já estamos fechando as lojas, com medo da bandidagem”, acrescenta o lojista Haroldo Núñez.

As ocorrências de violência na avenida não destoam do restante da cidade. “É mais uma questão estrutural, mas é simbólica lá, porque a Avenida Sete é um lugar muito caro à cidade, à história”, pontua Neivalda Freitas Oliveira, doutora em História e professora desse curso na Universidade do Estado da Bahia. 

Alguns edifícios são da data da fundação (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Inaugurada em 1915, a Avenida Sete fez parte do conjunto de intervenções urbanas do governo de J.J. Seabra. A via – nomeada pelo dia da inauguração – serviria para interligar a região dos comércios, como a Rua Chile, às áreas residenciais das famílias ricas, como a Graça.

O auge do comércio na área só aconteceu cinco décadas mais tarde. E a tendência comercial perdurou por lá – mas modificada. A princípio, na Avenida Sete se comprava tudo de mais moderno.

Hoje, a via abriga uma camada intermediária do comércio, das lojas mais caras às mais populares. Também há filiais de gigantes do varejo brasileiro. Um deles, por exemplo, tamponou de placas amarelas toda a fachada do edifício, incluído no projeto da FMFL e Unesco. 

Visão serial de parte da Av. 7 sem engenhos publicitários (Foto: Catálogo)

Na segunda metade da década de 70, a abertura do Shopping Iguatemi e projetos urbanos do governo municipal voltados para o Norte da cidade impactam a Avenida Sete. As maiores lojas migram, mas as de pequeno e médio porte permanecem. Salvador se expande sem um “planejamento para locais centrais como a Avenida Sete”, avalia a historiadora Neivalda.

“O que aconteceu foi que o local acabou virando uma espécie de presépio, onde as pessoas transitam e vem as coisas, mas não se pensa elementos para quem continua ali, comerciante ou morador, principalmente, que é quem faz um lugar ter vida”, explica.

Para ela, o projeto de alterações das fachadas pode, se aliada a outras intervenções, fortalecer a Avenida Sete. “Mas não pode servir para espantar as pessoas que estão ali e que fazem aquela avenida ou servir de pretexto para transformar em uma boutique. Tem que atrair mais pessoas mantendo quem está”. Sem gente, não há cidade possível. 

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