InícioEntretenimentoCelebridade'Feliz Ano Velho' completa 40 anos e ganha edição especial

‘Feliz Ano Velho’ completa 40 anos e ganha edição especial

“Bati a cabeça no chão e foi aí que ouvi a melodia: biiiiiiiiin (…) não mexia os braços nem as pernas, somente via a água barrenta e ouvia: biiiiiiiiin”. Este é o início do livro Feliz Ano Velho (1982). Aí, o autor Marcelo Rubens Paiva descreve o mergulho que deu e que o deixou paraplégico, aos 20 anos de idade. Em uma bebedeira com amigos, numa festa, ele decidiu dar um pulo no açude de um sítio, imitando aquele clássico gesto de Tio Patinhas, que mergulha em sua piscina de moedas.

Mas, apesar da angústia que causa conhecer a história de um jovem que vai ficar a vida inteira com movimentos restritos, Marcelo Rubens Paiva conseguiu escrever um livro leve e, às vezes, surpreendentemente bem humorado. Mas sem abrir mão também de questões políticas, já que, quando ele sofreu o acidente, em 1979, o Brasil vivia ainda sob a ditadura militar.

Agora, para celebrar os 40 anos do livro, o selo Alfaguara, da Companhia das Letras, lança uma edição especial, em capa dura e com novo prefácio, escrito pelo autor. Tem ainda um texto de apresentação da atriz Maria Ribeiro. Aos 47 anos, ela pertence a uma geração muito marcada pelo livro, que, durante anos, esteve entre os mais vendidos do país e foi adotado em inúmeras escolas. Estima-se que no ano de lançamento foram vendidos, por mês, 10 mil exemplares. Hoje, o autor e o editor Luiz Schwarcz calculam que as vendas passam de 1,2 milhão de cópias.

O escritor Lima Trindade, hoje com 56 anos, lembra do impacto que Feliz Ano Velho causou nos anos 1980: “Pra minha geração, o livro era foi catarse. Em todo lugar que a gente ia, os amigos estavam lendo e comentando. As pessoas se identificavam com a personagem”.

Lima observa ainda outro traço marcante, o humor:

“Tem também a linguagem coloquial, a ‘pegada’ pop e muitas gírias. Mas o humor é marcante, porque ele insere humor numa história trágica, uma tragédia particular que simbolizava as tragédias cotidianas dos jovens da época, que eram tidos como alienados”.

Franklin Carvalho, também escritor, de 54 anos, leu o livro quando estudava na Escola Técnica Federal. “A gente era de uma geração que tinha saído da ditadura, mas que não queria voltar a ser hippie. Queria uma nova forma de encarar as coisas. E o livro de um novo sinal pra gente de onde a gente queria chegar”, diz Franklin. Para Franklin, o rock tinha esse mesmo papel de orientar aquela geração. Lembremos que o gênero musical vivia sua fase áurea no país, com a explosão de bandas nacionais e o Rock in Rio.

No novo prefácio, Marcelo também faz uma relação daquele período com a música da época: “Uma geração que Renato Russo imortalizou como Geração Coca-Cola [título de uma música da Legião Urbana], considerada consumista, considerada fútil e apocalíptica (…). Na verdade, éramos o oposto disso”.

Franklin, como Lima, destaca o tom bem-humorado do livro: “Existe uma alegria em torno do personagem, embora trate de um tema difícil, de um acidentado que ficou com um problema pro resto da vida”. Ele faz ainda uma analogia entre as limitações físicas de Marcelo e as limitações que todos os jovens vivem:

“Todo jovem é limitado em sua articulação com a sociedade, com os pais, a família… Marcelo mostra que tanto pra gente [leitor] como para ele havia limitações, mas havia articulação com amizades, O livro fala muito de amizade”.

A gestora de negócios criativos Carollini Assis, 44 anos, lembra que ouvia da mãe de uma amiga algo que muita gente de sua geração ouviu: “Tome cuidado ao mergulhar de cabeça na piscina, pra não terminarem igual a Marcelo Rubens Paiva!”. “Era uma forma de nos amedrontar e termos cuidado com aventuras. O livro fez 40 anos ainda atual, porque os dilemas da juventude, em sua maioria, continuam os mesmos, embora hoje haja maior diálogo inclusive da literatura com esse público. Sexo, masturbação, drogas, política, relação com os pais, liberdade, são temas não tão debatidos para os jovens na literatura daquela época”, observa Carollini, que leu o livro aos 13 anos.

O sexo, naturalmente, está muito presente no livro, afinal trata-se da biografia de um jovem que estava preocupado com o futuro de sua vida sexual depois de ficar paraplégico. “Era um garoto no auge da sexualidade, aos 20 anos, num tempo de muita liberdade, mas numa sociedade machista, repressora”, observa Marcelo.

Alguns trechos talvez soem inadequados hoje, como aqueles em que o autor revela o desejo que tinha pelas funcionárias do hospital onde estava internado: “Pode parecer ofensivo desejar enfermeiras e fisioterapeutas na UTI, mas sexualidade ali era um grande dilema para um lesionado medular. Como seria dali em diante?”, pergunta o autor.

Mas, fora problemas pontuais como esse, vale revisitar o livro de Marcelo, que se tornou um clássico da literatura moderna brasileira, não só pelo estilo, mas pelos temas que tratava e pela identificação que o jovem da época sentiu com a história do autor. Talvez os leitores jovens contemporâneos, muito interessados em fantasia, não estejam preparados para essa tragédia pessoal. Mas, às vezes, um choque de realidade é necessário.

Carollini Assis, gestora de negócios criativos

Meu livro está velho, manchado, rabiscado e por isso mesmo, pleno de vida. Li o romance pela primeira vez aos 13 anos, e na verdade, por curiosidade. A mãe de uma amiga da escola sempre dizia, quando íamos tomar banho, para ter cuidado ao mergulhar de cabeça, pra não terminarmos igual ao Marcelo Rubens Paiva. E contava a história do jovem que mergulhou e ficou tetraplégico. Era uma forma de nos amedontrar e termos cuidado com aventuras. Mas o livro descortinou muitos outros assuntos e se tornou retrato de uma geração, virou peça, virou filme e fez 40 anos ainda atual, porque os dilemas da juventude em sua maioria, continuam os mesmo, embora hoje haja maior diálogo inclusive da literatura com esse público. Sexo, masturbação, drogas, política, relação com os pais, liberdade, são temas não tão debatidos para os jovens na literatura daquela época. Eu li curiosa e me recordo que terminei o livro olhando à minha volta e pensando que sim, poderia ser eu e minha amiga Deise a mergulhar e voltar das águas com a perda dos movimentos. Mas não era só isso. A pulsão de vida do livro do Marcelo também era a nossa pulsão enquanto adolescentes entrando na juventude e acho que aí mora o mérito de uma obra que soube ser dicotômica: falar do passado e do presente, das limitações e “da vida louca, vida breve”, para encerrar em si uma tragédia.

Carollini Assis leu o livro em 1992, aos 13 anos

 

Victor Mascarenhas, escritor, sobre Feliz Ano Velho

“Feliz aniversário, meu velho.

Era criança quando “Feliz ano velho” foi lançado, naqueles tempos em que jovens escreviam livros, montavam bandas e queriam invadir, pilhar e tomar o que era deles. Tudo que eu queria era crescer logo para entrar na festa e o passaporte para isso era ler a obra de Marcelo Rubens Paiva. Quando finalmente li, alguns anos depois do lançamento, creio que o impacto que tive foi similar ao dos que leram antes de mim. O autor falava de sexo, drogas e rock ‘n’ roll – que era basicamente tudo que interessava a um adolescente nos anos 1980 – numa linguagem que parecia mais com as conversas que a gente tinha no intervalo das aulas do que com a prosa embolorada de José de Alencar que nos obrigavam a ler. O livro também mostrava que a ditadura era o inimigo que matava e desaparecia com as pessoas, e que ainda havia perigo na esquina ou no fundo de uma represa. Mas se o sinal ainda estava fechado para nós, que éramos jovens, ia abrir logo, logo e aí então eles iam ver. Hoje, 40 anos depois, não sei se conseguimos fazer algo melhor do que as gerações anteriores ou se dá para dizer que “Feliz ano velho” é um clássico. O que dá pra dizer é que poucos livros brasileiros tiveram o impacto que a obra de Marcelo Rubens Paiva teve na vida de tanta gente.”
 

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