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Francisco Bosco: ‘Se a gente quiser ter um país, o diálogo terá que ser possível’

Quando Francisco Bosco, 45 anos, lançou ‘A vítima tem sempre razão?‘, em 2017, uma enxurrada de críticas veio a reboque. “Me vi obrigado a enfrentar. Se eu tivesse ficado no meu lugar, estava em alguma bolha progressista defendendo clichês”, diz ele, que acaba de lançar seu novo livro, ‘O diálogo possível‘ [Todavia|R$ 89,90], uma tentativa de traçar panoramas históricos sobre como abandonamos o diálogo em nome do conflito permanente.

A nova obra tem título tão provocador quanto o do primeiro livro, já que diálogo virou sinônimo de ringue em uma realidade de indivíduos “mais interessados ao pertencimento do que numa investigação honesta da realidade, cujo resultado sacrifique seu lugar no grupo”. 

Doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), escritor e um dos integrantes do programa Saia Justa, do GNT, Bosco vem a Salvador na próxima quinta-feira (27), lançar o novo livro, em evento com participação do filósofo e pesquisador Wilson Gomes e da jornalista Malu Fontes.

Bosco aponta que o diálogo – enquanto debate público com argumentos, evidências e indivíduos que firmam ou mudam de posição – está em disfuncionalidade. A disfuncionalidade é tanta, aponta, que um “boçal de extrema direita racista” é equiparado a “um intelectual antirracista, mas que não concorda com determinadas premissas de uma determinada vertente do movimento negro”.  

Para ele, há duas razões para isso: a lógica de grupos das redes sociais e a transformação do espaço público desde a manifestações de 2013, quando a sociedade saiu da apatia à mobilização, sem processos de formação política e imersa na desigualdade socioeconômica. 

“Se a gente quiser ter um país, o diálogo terá que ser possível. E por diálogo não compreendo atitudes conciliadoras, mas sim  a desativação da lógica de grupo, melhor formação política para entender a realidade de maneira mais precisa e escolher os remédios mais adequados“.

Em entrevista ao CORREIO, Bosco mostra os impactos da perda de diálogo, como a violência e o conflito se converteram em performances de moralidade pública para autopromoção e o que perdemos todos nós e a democracia ao ignorar o poder do pensamento. “Tenho falado que pensar é um ato antinarcísico. É mais fácil partir para a lógica do confronto.  Um sujeito em estado de dissolução não briga, não grita. Ninguém defende uma dúvida com unhas e dentes”.

Quem é: Francisco Bosco  é filósofo, colunista, ensaísta, letrista e compositor. Doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidente da Funarte (Fundação Nacional das Artes), Bosco também escreveu “A vítima tem sempre razão” (Todavia, 2017) e livros de ficção como Alta Ajuda (Editora Foz, 2013). É um dos apresentadores do Papo de Segunda, do GNT.

Leia a entrevista na íntegra:

O custo pessoal de dialogar é alto, você sugere no novo livro. Sempre vale pagar o preço? 

Tem os dois lados da moeda, né, Fernanda? Tem a moeda do preço que cada indivíduo paga hoje por expor suas ideias em um ambiente de debate público que tem muita intimidação, mas tem o outro lado, que é a capacidade de autopromoção que esse mesmo ambiente gera.

Teve muita gente que percebeu que a radicalidade, o extremismo, a violência contra o outro gera likes. Você pode fazer uma carreira nisso. Tem muita gente medíocre e mau-caráter do ponto de vista das virtudes humanas que ostenta uma performance de moralidade publica para poder se autopromover.

A pessoa entende que se reproduzir determinadas verdades, de forma mais radical ainda, agredindo covardemente outras pessoas, pode lucrar e se autopromover. Então tem um lado do custo pessoal e das vantagens pessoais. Os dois deveriam ser desativados.

O seu último livro traz um título bem provocador: “A vítima tem sempre razão”. Você foi criticado por ele, pagou um peço. Tornou-se proibido falar que vítimas também podem ser culpadas em outras esferas? 

Quando escrevi esse livro, tinha consciência de que eu estava tocando num tema muito sensível num momento muito sensível. Nós não estamos mais no mesmo momento. Naquele momento, existia uma hegemonia muito forte dos métodos e premissas de grupos identitários.

Escrevi o livro justamente porque estava se tornando aceitável dentro dos ambientes da esquerda confundir denúncia com sentença, por exemplo. A direita, é outro mundo. Desculpe a palavra, mas está cagando para esses processos autofágicos da esquerda; a esquerda fica se autocancelando. Na direita, quando alguém é atacado ele é acolhido, é um movimento endógeno. 

Isso fere princípios que são muito importantes da democracia liberal, de direitos do indivíduo. Se você sofre uma acusação qualquer, você tem direito de constituir advogado, apresentar provas, recorrer a instâncias recursivas.

A mesma coisa deve acontecer nos processos dentro das redes sociais. Qualquer indivíduo que sofre uma acusação tem direito a alguma suspensão de juízo. Se eu sofro uma acusação, a sociedade, como um todo, não pode, porque a acusação vem de um individuo minoritário, me condenar de antemão.

Por que isso acontece? 

Antes, por exemplo, se uma mulher acusasse um homem de assédio, a sociedade a condenava e desqualificava. Não havia local de consciência elevado em relação ao nível de misoginia da sociedade brasileira. Esses movimentos encararam situações muito adversas, e, provavelmente por conta disso, chegaram chutando a porta.

“É raro, difícil, que movimento sociais que enfrentarem situações muito adversas serem ponderados na sua fase inaugural. Isso dificilmente vai existir. Mas precisamos tentar fazer isso existir. Porque nas situações históricas em que observamos movimentos sociais lutando por causas muito corretas, mas com métodos completamente absurdos isso causou catástrofes sociais”.

É importante atingir algum equilíbrio entre as exigências inclusivas de cidadania efetiva em nome da democracia e as exigências de direitos individuais que são caros à tradição da democracia liberal. Foi isso que tentei fazer nesse livro e naturalmente ele não foi recebido com beijos e abraços. Hoje, o debate está mais complexo e aberto por diversas razões. O debate saiu das bolhas progressistas e tomou conta da sociedade brasileira.

Há pelo menos dois grupos: um grupo, das pessoas conservadoras e reacionárias, que quer manter a sociedade como ela esta (patriarcal, branca, heteronormativa), e outro grupo, mais difuso, de pessoas antiracistas, antimisóginas, mas que não concordam necessariamente com todas as premissas e métodos dos grupos que estão na linha de frente desses movimentos.

Hoje em dia, esse meu livro é lido com muito sobriedade do que foi na época. Muitas mulheres lem, vem falar comigo, e consideram perfeitamente razoáveis os argumentos, pessoas negras, LGBTQIA+. Na época foi mais difícil. 

O que seria diálogo para você, afinal?

Neste novo livro, o diálogo é pensado em contexto público, mais especificamente o que temos como debate público, entre indivíduos enquanto agentes públicos no exercício dos seus direitos públicos. O fundamental a se observar são as condições de possibilidade de diálogo, que função ele cumpre para o regime da democracia liberal.

A função do diálogo no debate público e na democracia é a de esclarecer as  pessoas quanto à realidade social em que elas vivem, e isso é feito por meio de evidências, informações estatísticas, dados empíricos, argumentos. Esses são os meios que temos para interpretar da maneira mais precisa possível os fenômenos sociais e assim tentar chegar a um diagnóstico mais correto dos problemas sociais.

“O diálogo da cidadania é o lugar em que esse conjunto de meios se encontram, os argumentos se chocam, as evidências são mostradas. Os indivíduos frequentam esse lugar e tem contato com essas ideias para que possam, portanto, ter a melhor interpretação possível da realidade e firmarem suas posições diante da realidade, que vão se desdobrar em posições ideológicas, politicas e partidárias”.

Minha visão, no novo livro, é que isso não esta acontecendo, o debate público está em estado de disfuncionalidade. Duas razões me parecem as principais. A primeira é a dinâmica de lógica de grupo. É um fenômeno global. As redes sociais transformaram a esfera publica da cidadania. 

O espaço público brasileiro, há alguns anos, tinha as limitações – era basicamente os veículos de massa, o mercado editorial, a universidade. Com a emergência das redes sociais, surgiu um novo espaço público, em que a centralidade está nas redes sociais.

As redes sociais tem um conjunto de características que propiciam a lógica de grupo e fazem com que a gente consuma o que já somos. Toda a dinâmica de reconhecimento da rede, com botões de like, ativa as lógicas de grupo, diretamente relacionados ao nosso narcisismo.

Lógicas de grupo são formações de laços identificatórios. Muitas pessoas se identificam com determinado ideal e formam um grupo a partir disso. Quando você estabelece sua posição nesse grupo, há compensações narcísicas. Fazer um laço de identificação é prazeroso e gostoso.

Você se move num ambiente de confirmação de quem você é. Mas isso tem um custo social grande. Porque a função do espaço publico é que as pessoas tenham uma margem cognitiva para mudar de posição.

“O debate público cumpre sua função quando pessoas entram nele e podem sair transformadas. Só que quando elas estão imersas nas lógicas de grupo elas perdem essa capacidade. Uma interpretação honesta da realidade se perde em nome da reprodução daquilo que o grupo deseja ouvir”.

Quando o indivíduo está nesse grupo, ele muda sua atitude em relação à verdade. Ele passa a estar mais interessado ao pertencimento para ter os benefícios narcísico do que numa investigação honesta da realidade cujo resultado possa sacrificar seu lugar no grupo. 

O segundo fator da disfuncionalidade é que o espaço público do Brasil mudou muito a partir do fatídico ano de 2013, o grande marco histórico dos últimos anos. A sociedade brasileira saiu de um estado de apatia de massa para mobilização de massa. Mas isso não se deu com um processo de formação política, deu-se numa dinâmica de rede social, em que boa parte da população brasileira não tem dinheiro sequer para pagar planos de dados para abrir links – só as manchetes.

 Manifestações de 2013

(Foto: Wikimedia Commons)

Boa parte da população brasileira foi sendo formada por dinâmicas que não têm como garantir o bom funcionamento do debate, porque são redes completamente suscetíveis à falsificação da realidade.

O que aconteceu é que o glossário fundamental – direita, esquerda, liberal, neoliberal, socialista, reacionário –  está, em larga medida, falsificado na origem. Na grande maioria dos casos, quando uma pessoa é chamada de neoliberal, ela não é. Quando é chamada de comunista, não é comunista. 

Sendo assim, houve uma mudança irreversível no que compreendemos como dialogar? 

Não, não vejo irreversibilidade nesse processo. O único problema mundial talvez irreversível seja o do clima. Mas os demais problemas não são irreversíveis, nem tampouco devem ser sanados a curto prazo, é verdade, mas existe uma série de frentes que estão em movimento.

Por exemplo, a regulação ou desregulação dessas grandes companhias de comunicação, essas discussões estão crescendo, o Brasil está atrasado, mas debate.

A tendência é a sociedade conseguir amadurecer e regular esses novos meios do debate a fim de que eles cumpram uma função democrática. Há pouco tempo, estávamos longe da estabilidade da democracia, mas numa situação diferente.

“Se as condições objetivas e materais das pessoas melhorarem, a tendência é que essa animosidade que divide a sociedade tenda também a arrefecer e tenhamos margem de dialogo possível. São todos fatores mutáveis, como tudo na vida e na vida politica é mutável. Acho que as perspectivas não são de que nós vamos ficar chafurdando nisso aí”.

Claro, todos sabem que vivemos num momento muito delicado, que dizem respeito até à sustentação formal da democracia, quando temos um presidente que é um demente, não tem a menor condição de governar um país, e as instituições brasileiras só estão permitindo que ele governe porque ele está acumpliciado com as Forças Armadas. O Brasil ficou de joelhos.

Algumas instituições gostariam de estar resistindo de outras maneiras, mas temem a articulação de um presidente demente, entretanto líder de um núcleo de fascistóides com apoio das Forças Armadas, com o Procurador Geral da República, e um conjunto de instituições que deixam o Brasil de joelhos. 

O psicanalista Contardo Calligaris, em 2004, escreveu: “a visão do mundo como campo de batalha funciona como uma forma de preguiça, pela qual preferimos o enfrentamento ao incômodo de entender e trocar figurinhas”. Isso foi escrito há quase 20 anos. Você vê de que forma essa preguiça hoje?

O texto dele é perfeito como não poderia deixar de ser. Essa é uma dinâmica muito estudada pela psicanálise. O que ele chama de preguiça poderia ser chamado de viés de confirmação, uma preguiça cognitiva.

“Eu tenho falado que pensar é um ato antinarcísico, porque exige que você saia de si, que você abandone suas ideias e assimile novas. Isso. por sua vez, requer que você experimente frequentemente a sensação de limbo”. 

Muitas vezes, na aventura de pensar, você se vê sem chão, porque você tinha convicções e encontrou argumentos que provaram que suas convicções eram frágeis. Você tem que se permitir se desfazer das suas convicções até reconstruir outras ou não. Ou você pode ficar longos anos sem ter convicções.

“Tem certas dimensões da realidade social em que eu, por exemplo, estou há anos sem conseguir formar convicções, é muito angustiante, muito ruim, mas é a única atitude epistêmica responsável”. 

Eu vejo argumentos bons de ambos os lados, vejo falta de evidências conclusivas, então suspendo meu juízo. Mas tudo isso dá muito trabalho. Contardo usou a palavra “preguiça” porque quis, poderia chamar do que a Psicanálise chama de elaboração. Elaborar dá trabalho, exige que você se confronte com suas próprias fragilidades.

É mais fácil partir para lógica do confronto. Pode parecer contraditório, mas não é: o confronto é a sustentação da sua posição narcísica prévia. É mais confortável ficar dentro do que se conhece do que se desfazer do que se é. Um sujeito em estado de dissolução não briga, não grita. Ninguém defende uma dúvida com unhas e dentes.

Por isso que precisamos ativar mais a posição do pensamento, que tende ao ceticismo, à suspensão do juízo, à ponderação. Ninguém invade o aniversário de uma outra pessoa e mata alguém se tiver dúvidas. Quem faz isso são pessoas profundamente convictas e convicções podem ser perigosas também.

Marcelo Arruda foi assassinado em sua festa de aniversário por bolsonarista

(Foto: Reprodução)

Temos que ter mecanismos para distinguir quando as convicções são transformadoras e quando são perigosas. Precisamos entrar em um outro momento do debate em que possamos ativar argumentos um pouco mais complexos. 

E ser um sujeito com dúvidas sempre foi da sua natureza ou você aprendeu?

Eu não venho da política, né, Fernanda? Venho da teoria literária. Nesse ambiente, essas questões são muito discutidas, são o pão nosso de cada dia. Mas é muito mais difícil exercer isso na política. Na política, eu já fui a pessoa que hoje eu critico. Eu deixei de ser essa pessoa há poucos  anos e devo isso fundamentalmente às pessoas que mais me atacaram.

Nesse último livro ‘A vítima tem sempre razão?’, fui atacado tantas vezes, de formas que me pareciam tão covardes, que vinham de lugares tão equivocados do ponto de vista de atitudes epistêmicas e políticas, que eu me vi obrigado a enfrentar.

Se eu tivesse ficado no meu lugar, eu estaria hoje dentro de alguma bolsa progressista defendendo clichês e me autopromovendo, que é o que boa parte dessas pessoas fazem. Mas com muita pancada me desidentifiquei com isso e pude olhar a realidade fora dessas lógicas, da maneira que eu acredito ser melhor para a experiência social.

Há um pano de fundo muito forte de intimidação das ideias do outro. De onde vem esse desejo de intimidar? 

No nível mais teórico, vemos uma disputa entre dois princípios, igualmente importantes: um valor que é caro à tradição liberal, que é o valor do direito do indivíduo se expressar e falar o que bem entende, falar sem que seja oprimido por um grupo social, a ponto de ser, como falamos hoje, cancelado, passar por uma morte simbólica de destruição da reputação.

Do outro lado, um princípio igualmente importante, fundamental à democracia, que é a tentativa de expansão efetiva de direitos de minorias que não têm esses direitos efetivamente garantidos na democracia liberal existente.

“Uma coisa é  escrever na constituição que certos direitos são fundamentais, outra coisa é o funcionamento disso em uma sociedade. A constituição brasileira não é racista, não comete, em geral, opressão de gênero a constituição não é, em geral, LGBTfóbica, mas a sociedade brasileira, em boa medida, é”. 

O que vemos, nos últimos anos, são grupos organizados tentando ampliar seus direitos. Uma das formas é a luta por reconhecimento. No plano institucional, seria tentar promulgar leis. Mas como o caminho institucional, desde o impeachment [2016], está muito bloqueado e como a preocupação com os grupos minoritárias é pequeno, essa luta se pautou muito na luta pelo reconhecimento nas redes sociais. 

Um dos aspectos importantes na luta por reconhecimento é que determinados discursos, de ódio basicamente, não devem circular, pois barram o movimento de luta por reconhecimento social. Em teoria, isso poderia ser correto, embora controverso.

“O problema é que, na prática, delimitar as fronteiras do que são discursos de ódio é difícil. Na prática, existe um processo de tentativa de cerceamento de quaisquer discursos que não estejam completamente alinhados às premissas desses grupos subalternizados, que hoje chamamos de movimentos identitários”.

Existe esse amálgama aí, que é complicado de desfazer, mas que é muito ruim porque dentro dele você tem duas práticas muito diferentes: 1) uma efetivamente democrática de impedir discursos de ódio e 2) tentar cercear qualquer discurso que não esteja completamente alinhado a determinado grupo que alcançou uma hegemonia moral. 

O que temos que fazer é um esforço para separar uma coisa da outra e usar instrumentos mais sofisticados no debate público. Uma coisa é ser um boçal de extrema direita, racista, outra coisa é um intelectual antirracista que não concorda com determinadas premissas de uma determinada vertente do movimento negro. São duas coisas diferentes que não temos tido a capacidade de distinguir.

O filósofo e pesquisador Wilson Gomes trabalha com a ideia de que a satanização do outro se tornou uma estratégia comunicacional eficaz. A satanização do outro é uma forma de não ser satanizado você próprio? 

O que eu sei é que os efeitos dessa satanização são o de produzir uma dinâmica de reciprocidade. Uma parte importante é tentar avançar essa proposição porque esse fenômeno de satanização, caricaturização, é um fenômeno que não é prerrogativa só da esquerda ou só de direita. A esquerda produz amálgamas da direita, coloca no mesmo saco liberais moderados, conservadores moderados, e fascistas e neoliberais. 

“Assim como a direita pega sociais-democratas e neomarxistas e todo mundo é comunista. São duas formas de caricatura que são retroalimentadas. Quando a gente caricatura o outro, criamos um afeto de ressentimento e resistência que tende a se voltar contra nós com as mesmas armas”.

A diferença, por falar em armas, é que a direita é, em parte, armada. Existe uma forma de simetria na forma de representação política, mas existe uma assimetria em outros níveis do debate. A direita está indo em lugares que a esquerda não vai. Isso é muito importante de dizer. A direita tem uma responsabilidade maior na degradação brasileira hoje, porque está atacando as próprias condições de possibilidade de democracia e tem armas privadas, que foram muito estimuladas, e armas do Estado, as Forças Armadas.

Eu não canso de dizer isso: é uma loucura o que a gente está vivendo e as Forças Armadas têm um papel enorme na degradação brasileira. Então é só para deixar muito claro que existe tanto uma simetria nas formas de representação política quanto assimetria nas formas de atuação política entre direita e esquerda.

Por que a direita assimila melhor essas estratégias de degradação do outro?

O que aconteceu? O Brasil veio passando por um processo de emergência de uma perspectiva antissistemica. Isso aí foi fermentando na sociedade brasileira, porque o período da redemocratização, embora tenha trazido talvez os maiores avanços políticos, foi acompanhado de um passivo gigante, o passivo de desigualdade, da pobreza, político, era tão grande… Isso foi fermentando até junho de 2013.

A perspectiva antissistema explodiu. Quem representava o sistema naquele momento era a esquerda. E o PT era o único partido de esquerda de massa do Brasil e foi fortemente atingido por essa perspectiva antissistema. Quem melhor incorporou essa energia foi a Lava-Jato. Foi por isso que todo esse movimento acabou sendo mais bem capturado pela direita. 

Você vislumbra um diálogo possível neste ano? 

A tarefa primordial do momento é acabar com Bolsonaro. Meu livro não é escrito para um horizonte eleitoral, mas num horizonte muito mais amplo. Por exemplo, como conseguimos reconstruir uma democracia sob outras margens? Se a gente quiser ter um país, o diálogo terá que ser possível.

E por diálogo, é importante dizer isso, não compreendo atitudes conciliadoras, mas sim a desativação de lógica de grupo, melhor formação política para que a gente entenda a realidade de maneira mais precisa e escolha os remédios mais adequados para a realidade brasileira.

“E aí sim, na minha posição, que é uma posição de um cidadão como qualquer outro, a realidade brasileira requer princípios e valores e medidas tanto da esquerda quanto da direita. Acho que o que a gente mais falou aqui nessa conversa foi essa questão dos direitos individuais, como isso é tencionado pelas exigência democratizantes”.

A própria expressão democracia liberal é encerra um dialogo possível, um diálogo que inclusive foi feito ao longo da historia entre a tradição liberal e a tradição democrática socialista, fortemente do século 19, que estoura no século 20 com as revoluções socialistas.

Ao longo da história, houve um diálogo muito forte. As democracias liberais, ao meu ver, são os melhores modelos sociais que conhecemos. Em um horizonte de médio e longo prazo, o dialogo é preciso e precisamos lutar por ele.

Como você cria suas filhas nesse contexto?

O mais fácil são as crianças, inclusive, porque não estão presas nessas lógicas. É preciso criar as crianças dentro de ambientes de pensamento dialético, céticos. Por exemplo, minha companheira é católica. Eu sou ateu. Aqui, ela expõe a perspectiva do cristianismo, eu exponho a perspectiva do ateísmo, e elas escolherão seu caminho.

Isso vale em tudo, para política, tudo. Procuro mostrar perspectivas diferentes, mas claro que tenho minhas posições e isso vai aparecer, mas procuro racionalmente formá-las no ambiente da dúvida, em um ambiente em que elas tentem identificar  dos argumentos e ouça sempre o contraditório e veja o que acha. Difícil são os adultos.

SERVIÇO
O que: Lançamento do livro ‘Diálogos Possíveis – Por uma reconstrução do debate público brasileiro’
Quando: Dia 27, às 19h,
Onde: Livraria LDM do Shopping Bela Vista
Mesa: Mediação da jornalista Malu Fontes e participação do autor e ensaísta Francisco Bosco e do filósofo e professor Wilson Gomes.

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