Os brasileiros estão com dificuldades para pagar suas dívidas. De acordo com dados do Banco Central, a taxa média de juros do crédito para pessoas físicas está perto de 40%, o maior valor desde 2017, quando o Brasil ultrapassava uma severa crise econômica.
O que une o momento atual e o quadro de cinco anos atrás é a Selic: atualmente, a taxa básica de juros está em 13,75%, patamar que o Brasil deixou para trás em fevereiro de 2017.
De lá para cá, os juros básicos chegaram a despencar para 2%, mas um repique da inflação no começo do ano passado obrigou o BC a elevar a Selic novamente. Saímos da menor taxa da história para 13,75% atualmente.
Portanto, juros altos não são exatamente uma novidade para o país – nem mesmo para o Brasil pós-plano Real. A novidade é que, agora, a conjuntura não parece a que tínhamos há cinco anos.
“Não estamos em 2016, quando o governo que assumiu [o de Michel Temer] tinha um compromisso fiscal claro, e isso permitiu que o BC começasse a cortar a Selic. Agora, não tenho tanta certeza de que os juros vão cair logo”, pondera João Abdouni, analista da Inv.
A duração do ciclo de juros altos é um ponto sensível para as instituições financeiras. Isso porque quanto mais caro o crédito, maior as chances de os devedores não conseguirem arcar com os pagamentos dos débitos. Os bancos sabem do risco, e por isso “fecham a torneira” dos financiamentos quando os juros estão altos.
Inadimplência recorde Por outro lado, a disparada da inflação e a contração da renda levou muitas famílias brasileiras a contarem com o crédito para o pagamento de dívidas do dia-a-dia.
O saldo da carteira de crédito para pessoas físicas saltou quase 20% em um ano. As contas penduradas no cartão de crédito tiveram um aumento ainda maior, de 36%, entre outubro de 2021 e outubro de 2022.
“A aceleração do saldo da carteira, principalmente de pessoas físicas, acende um alerta. Afinal, a maior parte desse aumento advém de créditos livres, que na maioria dos casos são financiamentos sem garantia e de pior qualidade utilizados pelo tomador de crédito nos momentos de maior dificuldade”, disse Guilherme Viero, analista da gestora Armor Capital, em uma publicação recente.
Com mais dívidas entrando na “bola de neve”, a inadimplência explodiu. Ainda de acordo com dados do BC, a cada 100 linhas de crédito concedidas, 4 estão vencidas há pelo menos 15 dias.
À primeira vista, pode não parecer preocupante, mas no último ano, o volume de dívidas em atraso saltou cerca de 60% e atingiu R$ 120 bilhões, o maior patamar da série histórica do BC.
Como a própria carteira de crédito está crescendo, a proporção da inadimplência ficou “mascarada”, mas a expectativa é que logo esses percentuais também comecem a subir.
As provisões para inadimplência (ou seja, o volume de dinheiro que os bancos reservam para cobrir eventuais calotes) estão em alta entre as instituições financeiras, assim como os indicadores de dívidas em atraso.
No mês passado, as ações do Bradesco despencaram 17% em um único dia, na pior perda diária desde 1998, após a divulgação de dados financeiros. Os investidores reagiram mal à divulgação do balanço do terceiro trimestre que mostrou uma alta de 0,4 ponto percentual na inadimplência.
E se as dívidas em atraso doem no bolso dos bancões, os bancos médios e fintechs podem estar mais sujeitos a isso, especialmente os que têm maior exposição à carteira de pessoas físicas e a clientes de menor renda. É o caso, por exemplo do Nubank, como lembra Abdouni, da Inv.
“O Nubank e outros bancos digitais deverão passar por um longo inverno nos próximos meses, principalmente se os juros demorarem mais a cair”, prevê o analista. Ele diz que é difícil dizer o tamanho do estrago para o setor financeiro, pois não se sabe ainda para onde a política monetária vai.
Se o futuro presidente Lula assumir o compromisso de gastar muito além do que a regra do teto de gastos permite, como a equipe de transição já defendeu na PEC que propõe despesas na ordem de R$ 200 bilhões fora do limite fiscal, é possível que a inflação volte a subir.
Se isso acontecer, o Banco Central já sinalizou que vai manter os juros em patamares mais elevados. E juros mais elevados significam crédito mais caro, economia crescendo menos e, por consequência, desemprego e inadimplência subindo.
“De maneira geral, os bancos não aproveitaram os últimos anos de bonança para cortar custos e se preparar para o cenário adverso. As instituições financeiras vão entrar em um momento mais restritivo, de pouca concessão de crédito e mais inadimplência, e quase nenhuma delas ganhou eficiência para isso”, critica João Bragança, especialista em bancos da consultoria global Roland Berger.
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