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Já ensinou seu filho a perder?

“Pára que tá feio” é melhor ouvir quando ainda se é pequeno. Necessário, até, nos primeiros ensaios de “ganhar e perder”. Joguinhos infantis também existem pra isso. Até os nem tão infantis assim. Lembro das histórias de Dona Zélia que, ao jogar dominó com crianças, era a vera mesmo. Nada de fingir derrotas pra satisfazer infantes. Um deles chegava a ter pesadelos e acordar no meio da noite gritando “bucha de dois, bucha de dois!”, certamente imerso em alguma vitória contra a senhorinha. Selvagem é essa psicologia. Mas eu não discordo, não.

Pode criar algum trauma? Não sei. Só que, provavelmente, evita vários vexames posteriores. Alguns, gravíssimos. A criatura que cresce sabendo da alternância inevitável de derrotas e vitórias já tem muito mais chances de conseguir lidar bem com a liturgia da vida adulta. Que inclui o quê? Perder. Com dignidade. Reconhecendo. Cumprimentando vencedores. Aqui em casa, não me dei por satisfeita enquanto meu filho não aprendeu a apertar a mão do oponente depois de qualquer resultado, em qualquer jogo. Ele tem 11 anos e já faz isso há bastante tempo. Com uma elegância que me enche de orgulho.

Até chegar nisso, foi pau puro. Ele é competitivo. Excelente, problema algum. Mas é preciso garantir que essa característica trabalhe a favor dele e não contra. E depois, a maioria das crianças chega desse jeito, aceitando só ganhar. Aí, cabe aos adultos responsáveis a calibragem, pra que o desejo de vencer seja motor de conquistas e não maluquice de só contar com a possibilidade de vitória. “Ciente”, pensei na primeira ceninha, diante da primeira derrota, no primeiro joguinho. Tudo bem, fomos trabalhar.

Combater a desonestidade que pisca como recurso, dizer que o mundo não acabou porque não se saiu vencedor, falar que outras pessoas também têm direito a conquistas. Tudo isso durou anos até que deu certo. Hoje mesmo ele chegou em casa de boinha, depois de levar uma goleada no baba da escola. Minha mãe ainda disse que foi porque ele jogou de calça. Eu rebati logo “oxe, foi nada, jogaram mal, treina e ganha o próximo”. Não vamos retroceder, né? Perdeu, tá perdido. Ponto final.

Um negócio que dói de muitas maneiras e são diversas as tentativas humanas de driblar essa dor. Meu filho não queria enganar a mim quando dizia “quem ganhou fui eu”, aos prantos, bem pequenininho, diante do tabuleiro onde eu havia me saído melhor. Ele só queria despistar a derrota que ainda não tinha maturidade para enfrentar. Ao longo dos anos, foi mudando o método, mas o objetivo permanecia. Até que, enfim, aconteceu: “você ganhou, parabéns!” e a mãozinha oferecida pra mim. Quase chorei na primeira vez. De emoção. Né bonito ver um filho amadurecer? Nesse caso, colocar no lugar mais uma peça da pessoa honesta que ele é.

Mas espia a esperteza que criança tem. Lá, nos antigamentes, quando ele entendeu que dizer “quem ganhou fui eu” não mudava os fatos – e que eu não permitia que ele “ganhasse” assim –  danou a mudar regra de jogo no meio. Então, a gente tava lá jogando e, daqui a pouco, do nada, surgia uma regra nova que favorecia a ele totalmente. Coisas como “quem tem a carta do dragão azul ganha de todo mundo, eu tenho a carta, ganhei, eba!!!”. Por exemplo. E tome menino retado com mãe que dizia “então não valeu porque eu não sabia essa regra, vamos recomeçar”. Choro, chateação, embate de “ganhei sim!” contra “não ganhou, não!”. Normal. Da idade.

Claro que nem tudo era didática. Sempre – é até hoje – teve muita gargalhada e vitórias alternadas como a vida é. E eu apertando a mão do meu pequeno oponente e dando parabéns. É inesquecível na família a surra que ele me deu –  ONZE partidas a UMA – na primeira vez em que jogamos dominó, lá na ilha. Moleque rindo da minha cara. Muitíssimo. Sentadinho jogando, grudado na cadeira bem na fase em que ele levantava quando começava a perder. Teve isso também. Essa outra tentativa de driblar derrotas.

Haja mãe: “sente que eu também gosto de ganhar, né só você não”, “pode limpar as lágrimas e voltar pro jogo”, ” já pensou se eu me levantasse da mesa toda vez que você ganha?”, “quem não sabe brincar não desde pro play”, “não aguenta Carnaval, peça micareta” e por aí fomos, no humor e na firmeza. Aqui é Mainha. E Mainha educa pra prestar hoje e no futuro. Vencemos mais esse momento. Parou de fugir e partiu para a última e mais complexa estratégia.

“Você roubou”, escutei, um dia. Tenso. Grave. Imediatamente, ele ficou sabendo que quem acusa tem o ônus da prova, além do que essa é uma acusação muito ofensiva, precisa ter certeza para afirmar. Me retei. Ele parou na hora. Mais adiante, reclamou de colegas que teriam atrapalhado a vitória dele, em jogos de equipe, que não deram “o máximo”, que não levaram “a sério”. Ouviu que coletividade é isso mesmo, pode acontecer, bola pra frente.

Nomeamos sentimentos como tristeza, frustração e raiva. Falamos sobre eles, muito. “Todo mundo ganha, todo mundo perde”, repeti, repeti, repeti. Até que, muito além da técnica, dos chutes, das peças, das regras de cada jogo, ele aprendeu o que mais importa: não se ganha, sempre. Aí, dei como cumprida essa parte importante da minha missão de mãe. Meu filho sabe ganhar e perder. Respirei fundo e segui. Feliz.

E você? Já ensinou seu filho a perder? Se não, providencie urgentemente, enquanto é tempo. Nos jogos, nos papos, mas também pelo exemplo. “Sorria, você está sendo observado”, bem mais do que ouvido, obedecido ou seguido. Se você faz um escândalo, xinga três gerações do juiz, diz que foi tudo roubado e que não “engole” o resultado, quando seu time perde, por exemplo… fica complicadíssimo. Dificilmente, você vai conseguir ajudar a criança a ser um adulto funcional, nesse sentido. Então, se conserte ligeiro, recobre a dignidade, acesse a maturidade esperada e isso já é parte do caminho. Comemorar vitórias e acatar derrotas, vamos combinar, é o mínimo de saúde necessário dentro de qualquer cabeça.

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