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Jornalista Suzana Varjão lança primeiro livro ficional

Suzana Varjão e a capa do primeiro volume de Histórias, sua estreia na ficção

Depois de décadas de experiência no jornalismo, tendo passado por veículos como A Tarde, rádio CBN e TV Itapoan, a baiana Suzana Varjão está se lançando como escritora de ficção, com o livro Histórias, em dois volumes, pela editora baiana Caramurê. O primeiro, Diário de uma Louca, segundo a própria autora, está entre o jornalismo e a literatura, já que todos os acontecimentos ali são verídicos.

Enquanto esse primeiro reúne histórias curtas com um pé na realidade, o segundo, Divagações, é composto de mini contos totalmente ficcionais. Segundo Varjão, as histórias “refletem cotidianos de um país semicolonial, com suas disparidades, violências e opressões, pinceladas com a perspicácia de quem perdeu a ingenuidade em relação à palavra e suas cargas simbólicas, que instituem — ou destituem — perversidades”.

Desde 2010, a jornalista vive em Brasília, onde foi montar e coordenar a equipe de comunicação da Fundação Palmares, na época presidida por Zulu Araújo. Na capital federal, gerenciou a redação multimídia da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e, depois, coordenou o núcleo de pesquisa da ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância).

Varjão também tem desenvolvido um trabalho sobre a interseção mídia/violência, que estão em dois livros: Micropoderes, Macroviolências – sobre veículos impressos de Salvador – e Violações de Direitos na Mídia Brasileira,  sobre programas de rádio e TV brasileiros.

A estreia dela na ficção, Histórias, será lançada em Salvador nesta quinta-feira (17), às 18h, no Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM, com um show da cantora Verônica Ribeiro, acompanhada do saxofonista Luciano Silva.

Pode se apresentar brevemente para o leitor do Correio? Quando você foi para Brasília e como está sua vida profissional hoje?
Mudei pra Brasília em 2010, pra montar e coordenar a equipe de comunicação da Fundação Palmares, que era presidida por Zulu Araújo, por indicação do então ministro da cultura, Juca Ferreira. Logo que Zulu deixou a Fundação, fui convidada para outros trabalhos desafiadores, irrecusáveis: gerenciar a redação multimídia da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e, depois, coordenar o núcleo de pesquisa da ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância). E fui ficando. Casei, aposentei, separei… (rsrsrs). No momento, o foco é realizar o sonho de uma vida, de habitar o universo da ficção.

Você diz que o Diário de uma louca “situa-se na interface do jornalismo e da literatura: literatura na forma, jornalismo no conteúdo”. Além disso, os casos registrados são verídicos. Como coletou estes casos? Realizou uma pesquisa específica para o livro ou já os conhecia? E quais foram as fontes?
O “Diário” foi escrito nas 30 primeiras semanas da pandemia, e registra, principalmente, os acontecimentos desse período. Só que esses fatos foram trabalhados esteticamente, recriados, e apresentados em forma de ficção. Já no segundo volume, “Divagações”, as histórias são totalmente ficcionais, frutos de percepções, visões de mudo, reminiscências… Todas refletem a realidade sociopolítica da atualidade brasileira, mas sem peso, exalando lirismo, ironia, bom humor, nonsense…

Você fala em uma “marcha dos sem” – “sem habeas corpus, sem delação premiada, sem foro privilegiado, sem imunidade parlamentar…”. De que maneira isso aparece nos livros? E quem são os “sem” a quem você se refere?
Essa é uma das reflexões da protagonista do “Diário”. Uma de suas melancolias. Expressa o sentimento de impotência, de abatimento em relação ao abismo que há entre o cidadão ordinário e o mundo político — político no sentido mais tradicional do termo. Os “sem”, em contraponto aos que têm privilégios, somos nós, pessoas comuns, que, como diz a protagonista, formam uma marcha de milhões de sombras, que trilham um “caminho sem volta. Como a minha lucidez. E eu”, revelando, ao mesmo tempo, a identidade real da “louca”: as sombras que vagam pelo sanatório chamado Brasil, perplexas, ante um processo de manipulação extrema da razão coletiva. 

Você fala em ‘banalização do mal’ e ‘renascimento do fascismo’. Onde, no mundo real, eles estão presentes hoje?
Nas manifestações de desprezo pela vida humana; na apologia à violência, à tortura, ao extermínio puro e simples do “outro” — o não igual, o que pensa diferente; na defesa da eugenia, das supremacias (de gênero, de orientação sexual…); na hierarquização de direitos; na visão totalitarista de Estado, centrada na prevalência de um poder sobre outros; na falta de empatia e respeito pelos miseráveis; no nacionalismo exacerbado…

Os textos dos dois volumes haviam sido publicados na internet ou só de apenas um deles? Que tipo de conexão há entre os textos? Os temas dos textos são parecidos?
Quase todos os textos foram postados na coluna “Histórias”, do site Leiamais. Já estava ensaiando a entrada no mundo da ficção. Estava escrevendo um romance, e passei a esboçar e publicar, concomitantemente, os mini contos ora reunidos em “Divagações”. Aí, veio a pandemia, e a jornalista se coçou toda… Senti necessidade de refletir sobre o tsunami que nos atingiu, mas não queria fazê-lo de maneira convencional, mesmo porque o que estava acontecendo no País nada tinha de convencional. Então, dei vida a uma personagem que havia delineado, anos atrás, e surgiu o “Diário de uma louca”, essa mistura de jornalismo e ficção de que falamos, e que acabou funcionando como meu rito público de passagem para a literatura ficcional. E há, sim, várias conexões entre os dois conjuntos. Foram escritos dentro da técnica do fluxo de consciência, transitando por ambiências físicas e psíquicas e explorando fronteiras entre ficções e realidades. E todos sob o mesmo guarda-chuva filosófico: o humanismo. 

Qual é a sua pesquisa sobre violência/mídia e quando você deu início a ela? O que a motivou? Esse conhecimento interferiu muito no texto e no conteúdo de “Histórias”?
Tenho algumas pesquisas sobre essa interseção. Duas das mais significativas estão reunidas em quatro livros: “Micropoderes, macroviolências” (adotado pela Ufba, aliás), e “Violações de direitos na mídia brasileira” (volumes 1, 2 e 3). A primeira, sobre veículos impressos de Salvador. A segunda, sobre programas de rádio e TV de todo o País. As pesquisas e os livros foram motivados pelo desejo de contribuir para a autorregulação do campo da comunicação de massa, na perspectiva de melhorar o seu funcionamento, e, por conseguinte, a vida das pessoas, porque o campo simbólico, o campo da palavra, forja mentalidades, portanto, realidades. E essa motivação perpassa, logicamente, minha produção ficcional. Eu aprendi que o lúdico fisga. Que quanto mais prazerosa uma leitura, mais as mensagens são apreendidas, absorvidas, e as mentalidades, formadas. A literatura é prenhe de narrativas lúdicas que naturalizam desumanismos, como os racismos, por exemplo. Desde a Antiguidade, aliás, desde a literatura religiosa, desde a ficção, prenhe de proto-racismos. Vide, por exemplo, os contos de “Mil e uma noites”. Então, é importante fazer o movimento inverso.

Fala um pouco sobre sua formação como leitora, tanto na ficção como no jornalismo. Escritores e jornalistas que admira e tem como referência.
Sou uma leitora compulsiva desde criança. Aos 9 anos, comecei a ler Monteiro Lobato. Depois, passei pra Jorge Amado — de quem li toda a obra —, Aloisio Azevedo, Machado de Assis, Guimarães Rosa… Na fase adulta, alguns dos autores que mais me impactaram foram Sartre, Oscar Wilde, Dostoievski, Tchecov, Tolstói, Ernest Hemingway, Thomas Mann, Charles Dickens, Camus… Enfim, são muitos. Na atualidade, duas obras me marcaram profundamente: “Hibisco roxo”, de Chimamanda Adichie, e “Jane Eyre”, de Charlotte Brontë. No jornalismo, meu guia, meu pai, minha régua e compasso foi Jorge Calmon. E não posso deixar de citar Carlos Ribeiro e Kátia Borges, baianos de minha geração, cujos passos sigo, pelo talento, pela ética, pelo bom coração.

Como foi a escolha de Verônica Ribeiro e Luciano Silva para o lançamento? É uma admiradora deles?
Sim, uma grande admiradora. Verônica Ribeiro tem uma das vozes mais singulares, mais belas de sua geração, e o saxofone de Luciano Silva dispensa comentários… Além do talento, são dois queridos. E por sugestão da produtora Luiza Ávila, fizeram questão de colorir, com o melhor da MPB, o lançamento de “Histórias”. 

O Quê: Lançamento de Histórias, de Suzana Varjão, com show de Verônica Ribeiro
Quando: 17 de novembro de 2022
Onde: Museu de Arte Moderna da Bahia
Horário: 18 hs
Títulos: Diário de uma louca e Divagações (série Histórias)
Autora: Suzana Varjão
Editora: Caramurê 
Onde comprar: www.caramure.com.br
 

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