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Mamadeira de piroca só no Carnaval

Dia 2 de janeiro, por óbvio, precisei comprar o primeiro Engov After do ano. Qual não foi a minha surpresa ao chegar na farmácia e perceber que, além dos itens de sempre, já tinha maconha à vontade pra vender, de tudo que é tipo e qualidade. Isso, em um dos balcões. No outro, a placa “aborto grátis para pessoas com útero, apenas um por mês” e uma fila começava a se formar. Dei uma olhada na prateleira de produtos infantis pra ver se, então, a mamadeira de piroca já havia chegado, mas a moça informou que será distribuição gratuita, nas creches e escolas. “Só na volta às aulas”, completou. Junto com o kit gay? Perguntei. Dizendo ela que sim. Não sei. 

Saí andando de volta pra casa, e no caminho me deu vontade de fazer xixi. Entrei num boteco, pedi a raineguen e me dirigi ao banheiro. Na entrada, encontrei um homem vestido apenas com um tapa-sexo que me informou “senhora, precisa esperar chegar cliente do gênero masculino para entrar junto que agora é unissex”. Falei que tinha urgência, tentei argumentar que o banheiro, mesmo unissex, cada pessoa usa na sua vez, mas ele estava irredutível, “ordens superiores”. Só me liberou quando Paulão, o garçom, também deu vontade. Felizmente, também de xixi. Entramos e, pra dois, ficou bem apertado, mas era o jeito. Então, eu e Paulão urinamos juntos e só não digo que “pintou um clima” porque essa expressão é da gestão (e geração) passada. 

Aliviada, sentei à mesa, dei um gole na cerveja e abri o cardápio. Várias novidades. Decidi experimentar o shih-tzu à passarinho que a cozinheira veio trazer, pessoalmente, cheia de orgulho. Saboreei para, em seguida, escutar dele “começamos pelos cachorros, as criancinhas só em fevereiro”. Pendurei a conta – depois de saber que, agora, se paga 50 reais de taxa a cada pix – e segui pra casa. Na porta, um entregador me esperava. “Done Flavie é e senhore?” ao que respondi “Flavia”, corrigindo. Achei que era a minha picanha chegando, mas o pacote era pequeno. Abri e encontrei os meus novos documentos de adequação compulsória para gênero neutro. Tudo bem. Flavie. Não ficou tão ruim. 

Abri a carteira, tirei os documentos velhos e joguei no lixo. Enquanto colocava os novos no lugar, liguei a tevê e vi logo a vinheta do Plantão da Globo. O anúncio era de que Brasil e Cuba acabavam de firmar um acordo para a construção de um túnel entre os dois países que, assim, se tornariam um só. Nisso, entra meu filho na sala, meio esbaforido. “Mainha, Mainha, soube que fecharam todas as igrejas da vizinhança? Agora, só pode religião se for de matriz africana”. Atrás dele, minha tia atropelando as palavras “mas, antes, obrigaram todos os pastores a celebrar pelo menos dez casamentos gays, se não celebrassem iam presos”. Fiquei foi besta.

“O programa Heterossexualidade Zero acaba de ser anunciado!!!”, grita meu primo entrando em casa com uma expressão que não consegui decifrar. Apita o WhatsApp, é o grupo da escola de meu filho com um comunicado “senhorxs cuidadorxs, informamos que as aulas práticas de sexo para crianças acontecerão em contraturno com frequência obrigatória”. Deu até calor com tanta novidade e decidi tomar um banho. Não passaram cinco minutos, toca a campainha. Saio, ainda meio ensaboada e enrolada na toalha, abro a porta e dou de cara com uma família de seis componentes: um polisal, ume filhe e ume cachorre. Tinham um documento onde estava escrito que a nossa casa passava a pertencer ao Estado e que aquela família residiria conosco, a partir daquele dia. Acomodei todo mundo como deu e fiz um café. 

Olhei pela janela e vi uma bandeirinha do MST fincada nos caquinhos que eu havia preparado pra plantar tempero. “Terra improdutiva, senhore, tomamos posse”, disse e militante, com um sorriso. Fui simpática, ganhei um boné e ficou tudo bem. Mainha, desde cedo preocupada que “não quero virar homem”, encaminhei logo para o serviço de Psicologia Federal Oficial, responsável por adaptar idosos mais resistentes às regras do novo governo. Ao pôr-do-sol, recebemos a nossa nova bandeira do Brasil – com verde, amarelo, vermelho, foice e martelo – junto com a recomendação de que esteja sempre pendurada na janela. 

Hora do Jornal Nacional. Você viu? Mudou de nome. Agora é Jornal Oficial Nacional Regulado e a prova concreta de que os novos tempos tinham chegado foi quando Bonner abriu os trabalhos com “boa noite, companheiros!” e Renata completou “e companheiras e companheires!”. Depois, os dois, juntos, disseram “boa noite, presidente Lula!”. Nessa hora, escutei a vizinhança indo ao delírio! A primeira matéria foi sobre a vida de Resistência, a cadelinha presidencial. Em seguida, a notícia da proibição de Iphone em todo o território nacional. Aí, entrou Haddad dizendo que, a partir de agora, ninguém ganha mais nem menos do que um salário mínimo, no Brasil. Pensei “suruba, que é bom, nada”. Foi quando chegou o zap de “meu boy é demais” número 3 convidando logo pra duas. Ao ar livre! Na pracinha! Uhuuu!!!! Agora, sim! 

Mal acabou o JONR, escutei foguetes e o vizinho veio me dizer que era a caravana dos traficantes anistiados passando pelo bairro. Fui para a porta espiar. Outros detentos também serão libertados, mas em etapas. Pedófilos e assassinos, por exemplo, ficaram para a semana que vem. Questão de organização. Assim como a entrega de nossos pertences que será feita por ordem alfabética, no postinho de saúde dos bairros, pra não tumultuar. Cada pessoa deve colocar numa sacolinha tudo de valor que tiver em casa e fazer a doação ao Estado. Dizem que até os laces porque cabelo anda por hora da morte. Pra compensar, tô pensando em vender uns parentes e, assim, conseguir juntar algum dinheiro. Parece que o governo compra pra revender, só não sei se é por quilo. Vou investigar. 

Liguei para a moça que fazia minha depilação e ela estava em prantos. As feministas conseguiram aprovar a medida de Obrigatoriedade de Manutenção de Pelos assim como a proibição de retirada das cutículas, motivo pelo qual a manicure, colega dela, também estava inconsolável. Não me preocupei tanto com as unhas, mas “passar barbeador, em casa, pode?”, perguntei. Ela disse que o problema é meu se eu quiser viver na clandestinidade. Soube que a venda de sutiãs também está suspensa, com o perdão do trocadilho. Cada pessoa portadora de mamas só pode usar os que já tem, não serão permitidas novas aquisições durante, pelo menos, os próximos quatro anos. 

“Ai que loucura”, imitei Narcisa, muitas vezes, durante os últimos tempos, a cada “notícia” espalhada pela esgotolândia, via WhatsApp e nas redes sociais. Nesta semana, li que aquela atriz idosa, a que disse “tenho medo” (de Lula) anos atrás – e circulou, outro dia, por Salvador – publicou que a faixa que botaram no presidente era falsiane. Ri de chorar. Tadinha. Eu e meu filho assistimos ao primeiro episódio de um documentário que mostra Fernando Henrique Cardoso passando a faixa pra Lula, aos abraços e risos, em 2003. Ele, aos 11 anos, não lembrava de ter visto uma situação assim, saudável, na política brasileira. 

“Pois já teve, e, com fé, voltaremos a ter”, eu disse, e começamos a escrever, juntos, este texto. Pra dar risada. “Vamos descrever um ‘delírio comunista’ à brasileira”, combinamos, em homenagem ao que aquela outra atriz, a mais jovem, a zoiuda, falou, tempinho atrás. Aqui, nas últimas linhas, informo (porque vai que) que este é um artigo de ficção relacionado a algumas das loucuras que nos foram vendidas como a mais absoluta verdade. Só que isso já é papo sério e hoje eu não tô com vontade. Fato é que, para decepção do pessoal mais criativo, de tudo que eles disseram, nunca houve nem sinal. Pelo jeito, inclusive, mamadeira de piroca só no Carnaval. 

*Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo

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