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Ministério da Justiça deu andamento a pedidos de ONG financiada pelo Comando Vermelho

Foto: Reprodução

Luciane Barbosa Faria e o secretário nacional de políticas penais do MJ, Rafael Velasco Brandani 15 de novembro de 2023 | 07:10

O Ministério da Justiça (MJ) comandado por Flávio Dino deu andamento a pedidos da ONG Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), entidade que recebeu dinheiro do Comando Vermelho. Anteriormente, o MJ havia assegurado que “não houve qualquer outro andamento do tema” após a reunião entre o titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), Rafael Velasco, e a presidente do Instituto Liberdade do Amazonas (ILA), Luciane Barbosa Farias, conhecida como “dama do tráfico amazonense”.

Agora, a Senappen admite que o pleito da entidade “seguiu os trâmites habituais” e que, ao dar andamento ao caso, chegou a consultar a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para responder a questionamento levantado pela entidade amazonense que recebeu pagamento do CV, como mostrou o Estadão com base em recibos obtidos pela Polícia Civil.

O SEI do ministério não dá acesso aos documentos gerados ao longo do processo. Mas permite consultar o nome dos interessados, as diferentes áreas envolvidas e também a data e o horário em que os andamentos aconteceram. No caso do pleito da ONG presidida por Luciane Barbosa Farias, há a descrição “Sistema Penitenciário: Reclamações e Denúncias à Ouvidoria do Sistema Penitenciário”, seguido do número do processo. O cabeçalho traz ainda o nome do ILA como “interessado”, e o endereço da ONG na Avenida Curaçao, no bairro Nova Cidade, na zona Norte de Manaus. O nome de Luciane também aparece nos andamentos.

A tramitação do processo do ILA teve início no dia 02 de maio deste ano. É a mesma data em que Luciane, sua equipe e a advogada criminalista Janira Rocha estiveram reunidas com autoridades do Ministério da Justiça. Além de Velasco, o grupo também foi recebido por Sandro Abel Sousa Barradas, que é Diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen; e Paula Cristina da Silva Godoy, atual titular da Ouvidoria Nacional de Serviços Penais (Onasp). O nome de Luciane não consta da agenda oficial do ministério, apenas o de Janira Rocha.

Questionada, a pasta disse que o processo no SEI foi criado depois dos pedidos do ILA serem enviados à Ouvidoria da Senappen, e que a demanda “seguiu os trâmites habituais”. Segundo a pasta, os pleitos da entidade diziam respeito a “relatos de visitantes gestantes que alegaram apresentar problemas após serem submetidas a body scan”. Por cautela, a área técnica da Senappen chegou a pedir “um parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que descartou o risco”, diz a nota. “Com base nisso, o pleito foi indeferido”.

Houve também um pedido do ILA para inspeção em presídios de Manaus, mas este não foi atendido porque não cabe à Senappen “liberar acesso a presídios estaduais”. O ministério alegou que a expressão “não houve qualquer outro andamento sobre o tema” referia-se aos pedidos da Associação Nacional de Advogados Criminalistas (Anacrim), entidade da qual faz parte Janira Rocha – embora a demanda original da reportagem do Estadão trate apenas Luciane Barbosa, e sequer mencione o nome de Janira ou da Anacrim. Leia a íntegra da manifestação da pasta ao fim do texto.

Ao postar sobre o encontro com Velasco no Instagram, o perfil do ILA listou cinco reivindicações dos internos, como a contratação de técnicos em radiologia, a permissão das visitas por ligação aos filhos dos presos e até a possibilidade de mulheres menstruadas retirarem seus absorventes no banheiro, antes da revista. “É necessário uma resolução ou portaria pelo Senappen para o Estado do Amazonas sobre essas alterações caso seja deferido (sic) algum dos itens”, diz a postagem.

Nesta terça-feira, reportagem do Estadão mostrou recibos de pagamentos do tesoureiro do Comando Vermelho no Amazonas, Alexsandro Fonseca, à advogada Janira Rocha e também à ONG de Luciane. No caso do ILA, há registro de despesas que somam R$ 22,5 mil no mês de fevereiro deste ano, sugerindo que todas as contas da entidade eram pagas pelo CV. Há ainda registros de pagamentos de Alexsandro para a entidade em 21 de fevereiro, nos valores de R$ 10 mil e R$ 12.562,00.

Já os desembolsos para Janira Rocha foram feitos em três partes e somam R$ 23,6 mil. Foram efetuados dias antes da primeira reunião de Luciane no MJ, com o secretário de Assuntos Legislativos da pasta, Elias Vaz de Andrade, em 19 de março. Apesar dos pagamentos, Janira nunca advogou para Alexsandro. Ex-deputada estadual pelo PSOL do Rio de Janeiro, Janira Rocha foi companheira de partido de Elias Vaz – ele foi do PSOL até 2018. Eram, inclusive, da mesma corrente interna do partido, chamada Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL).

Luciane Barbosa nega envolvimento com o Comando Vermelho. Nesta terça-feira (14), ela disse que não era “faccionada”. “Não ficou comprovado que eu fazia parte da organização criminosa. Não sou faccionada, sou esposa do Clemilson. Meu esposo está preso, pagando pelo erro dele. Nunca levantei bandeira defendendo o crime. Mas defendo a Constituição”, disse ela.

Ao contrário do que diz a estudante de Direito, porém, a Justiça aceitou a tese do Ministério Público do Amazonas (MP-AM) ao condená-la em segunda instância a dez anos de prisão pelos crimes de formação de organização criminosa, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro. Para o MP-AM, Luciane “conquistou confiabilidade da cúpula da Organização Criminosa ‘Comando Vermelho’” graças ao trabalho de lavagem de dinheiro que fazia para o marido, conhecido como “Tio Patinhas”.

Ela “exercia papel fundamental também na ocultação de valores oriundos do narcotráfico, adquirindo veículos de luxo, imóveis e registrando ‘empresas laranjas’”, segundo o MP. O próprio ILA, segundo a Polícia Civil do Amazonas, é uma entidade de fachada usada para “perpetuar a existência da facção criminosa e obter capital político para negociações com o Estado”.

O que diz o Ministério da Justiça

Questionado, o Ministério da Justiça diz que o processo no SEI foi criado depois que os pedidos do ILA foram enviados à Ouvidoria da Senappen, e que a demanda “seguiu os trâmites habituais”. Segundo a pasta, os pleitos da entidade diziam respeito a “relatos de visitantes gestantes que alegaram apresentar problemas após serem submetidas a body scan”, e que, por cautela, a área técnica da Senappen “pediu um parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que descartou o risco. Com base nisso, o pleito foi indeferido”.

Houve também um pedido do ILA para inspeção em presídios de Manaus, mas este não foi atendido porque não cabe à Senappen “liberar acesso a presídios estaduais”.

Leia abaixo a íntegra da manifestação do Ministério da Justiça:

“Inicialmente, esclarecemos que a expressão “não houve qualquer outro andamento do tema” referiu-se aos pleitos da ANACRIM (Associação Nacional da Advocacia Criminal), entregue pela ex-deputada Janira Rocha, em relação aos quais não houve sequer abertura de processo, por não serem de competência do Governo Federal apurar homicídios ocorridos em estados, no caso Piauí e São Paulo.

Quanto aos pleitos da Associação Instituto Liberdade do Amazonas, eles não foram entregues ou enviados ao secretário Rafael Velasco. Ambos foram enviados à Ouvidoria da Senappen via e-mail, sendo gerado o processo que seguiu os trâmites habituais.

O primeiro deles versa sobre relatos de visitantes gestantes que alegaram apresentar problemas após serem submetidas a body scan. Em se tratando de assunto de relevante interesse por envolver gestantes e bebês, independentemente da origem, a área técnica da Senappen, por cautela, pediu um parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que descartou o risco. Com base nisso, o pleito foi indeferido.

Em relação à segunda demanda, trata-se de uma solicitação de acompanhamento de inspeções da equipe da Senappen em Manaus. O pedido não foi atendido, uma vez que não cabe à Senappen liberar acesso a presídios estaduais”.

André Shalders e Tácio Lorran/Estadão Conteúdo

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